Quando criança, Bianca Marinelli sonhava em conhecer o mundo e impactar pessoas. Embora não tivesse tanta certeza de como alcançar esses objetivos, sua trajetória profissional a levou justamente nessa direção. Bem no início da carreira, ela atuou na área de marketing da Procter & Gamble, mas foi na Endeavor em que descobriu o impacto do empreendedorismo na sociedade, e conseguiu unir toda essa potência com seu desejo de viajar para outros países.
Atualmente, ela é sócia da Alexia Ventures, gestora de venture capital early-stage que apoia empreendedores latino-americanos nos mercados de SaaS, inteligência artificial e inteligência de dados. Eleita uma das mulheres investidoras que mais se destacaram em 2022 pela Associação Latino-Americana de Private Equity & Venture Capital (LAVCA), Bianca também faz parte de grupos e organizações dedicadas a fomentar a participação feminina no ecossistema, seja empreendendo ou assinando os cheques.
Em um papo de peito aberto com o Startups, Bianca refletiu os principais aprendizados de sua trajetória nos mercados de tecnologia e empreendedorismo, além de diversidade no venture capital e a importância de apoiar outras mulheres do ecossistema. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa:
O que a Bianca criança pensava em ser quando crescesse?
Sou filha de uma mãe jornalista e agente de viagem. Ela organizava e planejava viagens internacionais para muitas pessoas, mas a gente não conseguia viajar para fora do Brasil. Então sempre tive vontade de conhecer o mundo. Ver como era o mundo e como era um lugar fora do nosso país. Os cheiros, sons e cores diferentes, era fascinada com essa ideia. A primeira vez que viajei para fora do país foi aos 21 anos.
Também tinha uma vontade genuína de trazer impacto. Não sabia exatamente como, mas queria impactar e deixar algum legado. Meu pai era médico, psiquiatra, e durante um tempo considerei ir para a área da medicina. Sempre tive um olhar mais service-oriented, de olhar realmente através dos olhos dos outros e tentar entender as outras realidades.
O que te levou ao mundo do empreendedorismo e venture capital?
Decidi fazer faculdade de Administração pela variedade de opções de com que trabalhar e pelas possibilidades de abertura de portas para caminhos distintos. Aos 17 anos, ainda não sabia exatamente qual seria o meu foco, então queria abrir o leque ao invés de fechá-lo. Na graduação, me envolvi com a empresa júnior pública e foi quando comecei a me interessar por captação de recursos, primeiro com foco em ONGs.
Com a ideia de conhecer o mundo, pensei em trabalhar em uma multinacional, lidando com outros países e participando das estratégias globais de uma empresa. Então, entrei como estagiária de trade marketing na Procter & Gamble. Foi um aprendizado enorme, mas descobri que não era o que queria fazer. Era uma empresa enorme e me sentia muito pequenininha – queria um projeto que tivesse a folha um pouco mais em branco.
Caí no empreendedorismo por acaso. No fim da faculdade, ainda sem muita certeza do que fazer, algumas que eu admirava muito estavam trabalhando na Endeavor. Nem conhecia a empresa direito, mas tinha uma vaga aberta e passei. Foi um divisor de águas. Em seis meses, tive uma chuva de estímulos que foram muito importantes. Primeiro, entendendo que independentemente do que eu fizesse, queria começar novos projetos, criar time e teses. Na época, a Endeavor era pequena no Brasil, com cerca de 10 pessoas e mil projetos para serem desenvolvidos.
Fiquei encantada com o potencial do empreendedorismo de gerar inovação, emprego e desenvolvimento econômico. É o impacto que sempre busquei. Fiquei 12 anos na Endeavor – quatro no Brasil e oito nos Estados Unidos, então tive a oportunidade conhecer o mundo e, ao mesmo tempo, espalhar a semente do empreendedorismo e da tecnologia. O desenvolvimento de ecossistemas empreendedores virou parte da minha missão de vida.
Quais foram os principais desafios nessa jornada?
Considero que tive quatro grandes desafios na Endeavor. No Brasil, o principal deles foi selecionar e apoiar empreendedores em um momento em que o ecossistema ainda era incipiente. Era em 2007, pós bolha da internet. O portfólio da Endeavor era baseado em economia real, pouco em tecnologia, e estávamos fazendo essa migração. Alguns dos grandes nomes de venture capital estavam no início de suas jornadas, como a monashees, a Astella e, um pouco depois, a Redpoint. Eram os early days do ecossistema tech brasileiro.
Em 2011, quando fui para a Endeavor Global, tínhamos que replicar a nível global o que o havíamos feito no Brasil. Criamos uma rede de investidores globais que queriam entender melhor os mercados emergentes e estavam começando a co-investir em países como o Brasil. Esse foi o meu primeiro envolvimento real com fundos e com o venture capital. Ajudava os empreendedores a montar um pitch deck, entender o term sheet – tudo isso me deixou fascinada. E, como parte do meu desenvolvimento na Endeavor, tive a chance de participar da Kauffman Fellows, que eu considero a Endeavor dos VCs.
Em certo momento, passei a focar mais na parte de operação, expandindo o modelo da Endeavor para outros países. Foi uma das coisas mais gratificantes que já fiz, porque era como empreender. Tinha que pegar todos os conceitos da Endeavor e vender nossa tese para os grandes nomes de empreendedorismo de países onde a empresa não atuava ainda. Constituir o board, contratar os diretores, treinar a equipe, ajudar com a seleção dos empreendedores e garantir que a operação estava de acordo com o que a gente acreditava. Trabalhei na Itália, Espanha, no Peru e Equador durante quatro anos, e pude enxergar de forma bem profunda os diferentes ecossistemas, como eles operam e a diferença de maturidade do venture capital em cada um. Depois de expandir essas operações, o desafio foi gerenciá-las, responsável pelo time de people, marketing e de produto.
Na RD, tive o desafio de expandir internacionalmente uma empresa de SaaS B2B. Conheci o Eric Santos na Endeavor e comecei o processo de expansão da RD para a Colômbia e México. Considero um dos grandes pilares que me levou para o VC, foi muito importante ter vivido isso em uma empresa apoiada por VCs, como parte da equipe executiva de um novo projeto. E também porque foi lá que conheci o Patrick Arippol, fundador da Alexia Ventures.
Hoje, como investidora, quais empresas fazem seus olhos brilharem? Que tipo de negócios te atraem?
Quando estava nos Estados Unidos, me enxerguei pela primeira vez como uma mulher latina. Antes, me via só como brasileira. Lá fora, como lidava muito com a América Latina, criei um contato muito próximo com a região e desenvolvi um sentimento de reconhecimento e pertencimento. Na RD, vivi o desafio de ser brasileira e tentar fazer uma empresa brasileira ser global.
Hoje, sou apaixonada pela tese da Alexia, em termos de valores. Mas, acima de tudo, o que acho mais interessante é, na posição em que estou, ajudar empreendedores brasileiros e latino-americanos em geral a criar tecnologias que sejam globais. A tese da Alexia, focada em SaaS B2B e inteligência de dados, permite que os negócios sejam pensados para serem globais desde o início. Mesmo que o início seja Brasil, México, Colômbia, seja local, mas que tenha uma ambição global. Isso é super inspirador, e acho que a América Latina está pronta.
As mulheres são minoria no mundo das startups, não só quando olhamos para quem cria empresas, mas também para o outro lado da mesa, assinando os cheques. são poucas mulheres investidoras no venture capital. como você enxerga o mercado hoje em termos de oportunidades para as mulheres terem sucesso nesse ambiente?
O mercado de venture capital está passando por mudanças importantes. É relativamente novo, se a gente considerar o início nos Estados Unidos na década de 60, 70. No Brasil, ainda é predominantemente masculino. E quando a gente olha para os Estados Unidos ou mesmo o Brasil, acho que tem uma oportunidade enorme para a gente trazer mais diversidade de todas as maneiras para realmente ter diferentes pontos de vista.
Participo ativamente do Female Force Latam, muito pautada em ajudar empreendedoras mulheres a conseguir fundraising. É importante promover encontros entre as empreendedoras e as mulheres que estão no mundo do venture capital, porque a gente precisa se reconhecer, se ajudar, promover umas às outras. Também faço parte do WIN – Women Investors, mais pautado no Brasil, e o WeInvest, com foco em investidoras na América Latina. Acho que dá para fazer ainda mais, a Endeavor me ensinou o poder do exemplo e por isso fico tão contente em falar sobre a minha trajetória.
O cenário está mudando, ter o reconhecimento e a conversa sobre isso já é muito importante, mas a gente precisa agir, permear isso com ações. Na Alexia, fico muito orgulhosa de ter um time de quatro mulheres e quatro homens – e isso é muito importante nas discussões. A gente vê as diferenças nos pontos de vista e o quanto isso agrega para os resultados.
Quem é a Bianca fora do trabalho? O que você gosta de fazer e como passa o tempo livre?
Sou uma pessoa muito família. Voltei para o Brasil porque entendi que podia impactar o ecossistema aqui, mas também porque depois de dez anos morando fora queria estar próxima das pessoas que eu amo. A Bianca fora do trabalho gosta de cultivar muito as relações próximas com família e amigos. Adoro viver uma vida saudável, estou correndo e tento acordar cedinho todos os dias para curtir uma rotina de manhã bem calma, que permeia cuidar do meu corpo, da minha alma e do meu espírito. Tento meditar todo dia tento, agradecer todo dia pelo que tenho, ter essa contemplação. E, claro, adoro viajar.
O que você quer alcançar nos próximos anos, seja no âmbito profissional ou pessoal?
Profissionalmente, estou muito contente. A Alexia é um compromisso de longo prazo. Entrei para que a gente possa criar um fundo de venture capital que seja líder mesmo em América Latina, em apoiar empreendedores de SaaS, B2B, AI que estão criando tecnologias globais, e acho que tem um mundo de coisas pra eu aprender e impactar. Quero me consolidar como uma investidora que seja reconhecida por esses empreendedores, uma investidora que os ajudou plenamente no sucesso e no desenvolvimento das empresas. Quero continuar contribuindo para o ecossistema, então me mantenho muito ligada a Endeavor seja Brasil, América Latina ou global, sou mentora e com muito orgulho. Faço parte do conselho do Emerging Venture Capital Fellows. Adoro contribuir com o ecossistema e quero ser uma parte ativa do que vão ser os próximos 10 e 15 anos de desenvolvimento de tecnologia no Brasil e na América Latina. E sinto que estou em um lugar onde consigo aprender, ter honestidade intelectual e colaborar com o ecossistema da melhor forma.
Pessoalmente, quero continuar estando próxima das pessoas que amo, manter os vínculos e continuar viajando. Ter filhos será parte da minha trajetória, e saber conciliar a carreira com a vida pessoal é um desafio para todo mundo, e para mulher em especial. É algo em que tenho pensado muito, e faz parte da minha ambição.
Raio X – Bianca Martinelli
Um fim de semana ideal tem… Corrida ao ar livre e tempo com quem eu amo
Um livro: “Indomável”, de Glennon Doyle
Uma música ou artista favorito: “Awake My Soul”, Mumford & Sons
Um prato preferido: Legumes grelhados
Uma mania: Limpeza
Sua melhor qualidade: Empatia