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A Pismo foi um dos nomes mais comentados no ecossistema de tecnologia e inovação no último ano, desde que, em meados de 2023, a Visa anunciou um acordo definitivo para adquirir a startup por US$ 1 bilhão. A notícia, que por si só já seria a maior transação privada envolvendo uma fintech brasileira, tornou-se ainda mais relevante dado o contexto de mercado, após dois anos de retração.

Fundada em 2016 por Daniela Binatti, Ricardo Josuá, Juliana Motta e Marcelo Parise, a Pismo desenvolveu uma plataforma em nuvem com soluções e serviços bancários para instituições financeiras, com a missão de construir a próxima geração de tecnologia com produtos que apoiassem as empresas em suas jornadas com segurança e escalabilidade. Atualmente, sua carteira de clientes inclui players já estabelecidos como o gigante bancário Itaú e o BTG+, braço digital do banco de investimento BTG Pactual.

No entanto, o caminho para chegar até aqui não foi nada fácil. Entre os medos, as incertezas e uma série de desafios pessoais e profissionais, a fintech quase quebrou em 2019, e Daniela e Marcelo, seu sócio e marido, tiveram que vender o único carro para manter o negócio de pé. Em paralelo, a empreendedora lidava com problemas como ansiedade e síndrome do pânico, e buscava formas de conciliar o empreendedorismo com a maternidade e manter-se próxima das filhas pequenas.

Em um papo de peito aberto com o Startups, Daniela falou sobre a fase de namoro entre Visa e Pismo, a vida pós-aquisição e as dores e os prazeres de empreender. Além disso, trouxe reflexões sobre maternidade, saúde mental e como é ser uma referência no ecossistema. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa:

Como foi a aproximação com a Visa e como vocês reagiram à possível aquisição?

A gente não estava buscando um comprador. Vender a Pismo não estava nos planos. Tínhamos acabado de levantar a Série B em 2021, com o objetivo de montar escritório fora do Brasil e internacionalizar. Foi um susto porque eles bateram na nossa porta, não foi algo que nós fomos atrás, e demoramos para entender qual era a intenção, se seria uma parceria ou algo além, até compreender que era, na verdade, uma aquisição.

A conversa acabou evoluindo e decidimos explorar o que seria essa possibilidade pelo fato da Visa ser uma empresa gigante com relação com basicamente qualquer instituição financeira no mundo. Na Pismo, sempre acreditamos na construção de um legado e em ser protagonista na substituição dos rails de pagamentos antigos. Até hoje, a indústria opera em soluções desenvolvidas há 60 anos. Acreditamos que faria sentido para termos mais força e conseguir, de fato, deixar um legado nessa indústria.

Como tem sido a vida pós-aquisição?

Apesar do deal ter sido assinado e anunciado em junho de 2023, a aquisição acabou de acontecer. Estávamos esperando a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), e isso saiu recentemente.

Estamos no período de integração, de todo mundo se conhecer melhor. Entre a assinatura e o fechamento tem uma fase em que não há contato entre as partes, porque há muita pressão e controle do regulador. Não podíamos agir como se a aquisição tivesse acontecido. Então, ainda estamos entendendo como vai ser.

De que forma a sua infância e a sua criação contribuíram para você se tornar a profissional de hoje?

Falo que eu tive sorte. Minha família é super simples: meus pais trabalharam na roça, saíram do interior de São Paulo e estudaram até os nove anos de idade. Eu não tinha repertório nem referência para tomar uma decisão de carreira. Minha mãe sempre falou que a gente precisava arrumar emprego em um banco, e perguntava para as pessoas o que era necessário para conseguir isso.

Quando eu tinha 14 anos, ela me inscreveu em um curso de datilografia. Ao lado da escola tinha uma SOS Computadores, rede que ensinava digitação e computação. Fiz um curso que incluía um módulo de programação em Clipper, e me apaixonei.

Sempre estudei em escola pública e, quando terminei o colégio, precisava entrar em uma universidade que oferecesse bolsa de estudos, porque meu pai não tinha dinheiro para pagar a graduação. Fiz faculdade no Mackenzie, com 80% de bolsa no curso de Ciência da Computação. Entrei com 17 anos e precisava trabalhar. Comecei com um estágio no departamento de informática do DSV, digitando as multas. Nos fins de semana, eles colocavam os estagiários para controlar o trânsito e eu ficava com uma placa de “pare” na faixa de pedestre do Shopping West Plaza. Depois, conheci uma pessoa cujo irmão tinha uma software house e no segundo ano da faculdade comecei a trabalhar mais com programação.

Então, entrei na tecnologia meio que por um direcionamento da minha mãe, e tive sorte de ter dado certo – porque eu podia ter odiado.

O empreendedorismo veio um pouco mais tarde. Como foi se descobrir empreendedora e começar o próprio negócio?

Tinha muito medo. A educação que recebi em casa era para fazer carreira em um banco – o que nunca aconteceu. Ironicamente, hoje atendo os bancos. Comecei trabalhando com desenvolvimento de software e acabei indo para uma área de infraestrutura e segurança. Trabalhei 16 anos na Conductor, onde construímos uma plataforma de processamento de pagamentos.

Eu cuidava da operação de tecnologia e meu telefone tocava 24 horas por dia, sete dias por semana. Não era um mundo como hoje, em que podemos conversar por chamada de vídeo e posso trabalhar de casa. Era um prédio com o data center e quando surgia algum problema de madrugada, eu tinha que pegar o carro e ir para o escritório. Minhas filhas eram pequenas e participei de projetos em que trabalhava de domingo a domingo, mal via as meninas e a escola ligava dizendo que elas estavam dando trabalho. Era complicado, e acabei saindo.

Naquela época, falava-se muito de computação em nuvem, então decidi fazer um curso na AWS. Conheci o Marcelo, meu marido e atual sócio, no trabalho e combinamos que ele seguiria na empresa – no trabalho mais “seguro” e com salário fixo – e eu iria estudar para depois fazer algo mais flexível que me permitisse ficar perto das crianças nessa fase em que elas precisavam muito de mim. Quando comecei a estudar, pensei “meu Deus, onde eu estava nos últimos 16 anos? Quantos problemas não teria resolvido se tivesse visto toda essa tecnologia disponível em outras indústrias?”.

A AWS estava chegando no Brasil, só se falava em Netflix, Amazon, Facebook, Spotify e todo esse novo jeito de trabalhar e operar. Muitos bancos digitais estavam sendo lançados – era o começo do Nubank, Neon, Monzo e Starling. Só que todos eles se apoiavam em tecnologias de 60 anos de idade. Percebi que havia uma oportunidade de usar toda a expertise dos últimos 16 anos para construir uma plataforma que utilizasse tecnologias novas. Era a hora de levar inovação para o que estava embaixo do capô e ninguém via, pois os bancos digitais ainda tinham sistemas legados.

Foi quando chamei o Ricardo e a Juliana para o projeto. Quando finalmente vimos que a tese fazia sentido, o Marcelo se juntou a nós para fundar a Pismo. Mas empreender foi muito difícil. No início, não tínhamos salário, depois conseguimos um pró-labore mínimo que mal pagava a mensalidade da escola, e fomos queimando todo o investimento que fizemos em nossa carreira como executivos. Vendemos o carro para continuar pagando a mensalidade da escola – literalmente gastamos tudo o que a gente tinha. Meus pais só começaram a entender melhor o que estávamos fazendo depois da série B em 2021, quando levantamos US$ 108 milhões e fizemos barulho na mídia.

Ser um exemplo não apenas como empreendedora e profissional de tecnologia, mas também como liderança feminina, aumenta o peso da responsabilidade?

Sim. Sofri com várias coisas, incluindo síndrome do impostor. Durante muito tempo duvidei da minha intuição e nunca achei que era boa o suficiente. Até hoje, ainda não acho. Mas a jornada na Pismo me transformou completamente não só como profissional, mas também como pessoa, entendendo como me posicionar e que não dá para mudar o mundo de uma hora para outra.

Acredito que as coisas melhoram na medida em que você faz algumas coisas certas. Tenho duas filhas, hoje de 16 e 14 anos, e procurei desde o início educá-las a entender e não se abalar tanto com o que acontece no mundo externo. Tecnologia e finanças ainda são mercados majoritariamente masculinos. Mais importante do que aquilo que as pessoas falam, é o que você faz a partir disso. Sempre converso com as meninas sobre a importância de self-awareness, inteligência emocional e de confiar em si mesma para que elas se desenvolvam e naveguem nesse mundo, pois não adianta ter 50 mil graduações sem ter jogo de cintura para operar nesse mundo tão complexo.

Então, sim, a pressão e a responsabilidade aumentam. Acredito muito que a nova geração, de forma geral, está sendo educada de forma diferente e vai enfrentar essa realidade de maneira distinta. Ser um exemplo não só para outras empreendedoras e executivas que já operam nesse mundo, mas também para a geração mais nova, é super importante.

Recentemente, minha filha estava escrevendo uma redação para a escola e me pediu para contar sobre um momento em que eu tinha falhado. Não costumo olhar desse jeito, porque na vida ou você ganha, ou cresce. Não tem errar. Sempre procurei tomar a melhor decisão possível com as informações que eu tinha naquele momento. Acredito que uma parte importante da trajetória que construímos na Pismo foi todos os perrengues que vivemos no passado.

Me preocupa muito a forma com que as minhas filhas enxergam tudo o que está acontecendo, e tento fazer com que elas tenham bastante o pé no chão e saibam que a gente vai ter dias bons e outros ruins. Para mim, a melhor definição de sucesso não é uma definição em si. É olhar para o lugar onde estou hoje e aquilo que conquistei com a Pismo. Trabalha-se muito sendo empreendedora: não tem tempo livre ou férias. No entanto, agora tenho a possibilidade de estar com as minhas filhas na hora que elas precisam, levá-las ao médico ou à escola. A flexibilidade e o controle do tempo é, para mim, algo que não tem preço.

Quais são os próximos passos na vida de Daniela Binatti?

Profissionalmente, acho que a Pismo tem tudo para ser protagonista na transformação desta indústria. Já tínhamos condições de fazer isso como uma empresa sozinha, mas agora com o apoio de uma organização do tamanho da Visa, espero que a gente realmente consiga fazer parte da construção dessa nova geração.

Pessoalmente, tenho tentado utilizar os canais e a visibilidade para levantar algumas bandeiras e ser um exemplo de que dá para viver, sobreviver e enfrentar uma carreira em um mercado super masculino e preconceituoso. E também que dá para seguir sua vida e superar problemas difíceis como síndrome do pânico. Esse lado de saúde mental e, de certa forma, ser uma inspiração para meninas mais jovens são coisas que ainda gostaria de explorar mais.

Tive uma questão muito séria em relação a isso, e a primeira psiquiatra que me atendeu falou que se não incluísse atividade física na minha vida, nunca sairia desse ciclo. Hoje, não abro mão. Preciso achar tempo para fazer pelo menos três vezes por semana. Gosto muito de tomar vinho, estar com os meus amigos e fazer alguma atividade com a minha família. Os momentos em que estamos juntos, só nós quatro, são os melhores. É algo que tento aproveitar muito, porque as meninas já estão grandes, então não posso perder nenhum minuto.

Raio X – Daniela Binatti

Um fim de semana ideal tem… Família, amigos e piscina

Um livro: “How Will You Measure Your Life?”, de Clayton Christensen

Filme preferido: “Suprema”, de Mimi Leder

Uma mania: Sou muito desorganizada

Sua melhor qualidade: Resiliência

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