Guilherme Enck é apaixonado por negócios desde que se conhece por gente. Nascido em Porto Alegre, ele teve o primeiro contato com esse mundo aos cinco anos, ouvindo com atenção as análises que o pai fazia ao entrar em uma loja ou qualquer tipo de estabelecimento. Com 10, já tinha o costume de ler os relatórios trimestrais da empresa onde seu pai trabalhava e, aos 14, entrou no mercado financeiro, com direito a um curso básico sobre bolsa de valores em uma pequena corretora que viria a se tornar a XP Investimentos.
Seu primeiro empreendimento nasceu em 2016, com a Deal Negócios Digitais, uma plataforma de fusões e aquisições para pequenas e médias empresas que acabou fechando as portas cerca de um ano e meio depois. A grande sacada veio em 2018, a partir de uma conversa com o administrador Paulo Deitos, que levou os amigos a fundar a Captable, plataforma de investimentos em startups que se posiciona como um hub de conexões transformadoras do ecossistema de inovação.
Em um papo de peito aberto com o Startups, Guilherme refletiu sobre os avanços e desafios do mercado de crowdfunding no Brasil, seus maiores aprendizados como empreendedor e seu papel como investidor-anjo para apoiar startups no estágio super inicial. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa.
O mundo dos negócios está presente em sua vida desde pequeno. Qual é a influência da sua infância na sua jornada empreendedora?
A influência é total. Desde pequeno estou em contato com empresas, negócios em geral e formas de pensar produtos por causa do meu pai, um cara de mercado, recém-aposentado agora, mas que teve uma carreira brilhante. Ele respira o mundo dos negócios. Com 5 anos, eu entrava em uma loja e ele já me explicava o modelo de negócio do estabelecimento. Como ganhava dinheiro, por que os produtos estavam posicionados de determinada maneira, o que gerava margem, como chamavam atenção dos clientes – ele dissecava todo aquele modelo para mim.
Desde que tenho 10 anos, leio os relatórios trimestrais da empresa em que ele trabalhou. Então, sempre tive isso presente na minha vida e me apaixonei. Com 14 anos, caí no mercado financeiro, também por influência do meu pai. Mas empreender não era uma decisão ainda. Me formei em Engenharia não para ser engenheiro, e sim por ser um curso que fornece a base lógica necessária para que depois conseguisse os resultados que queria no mundo dos negócios.
Você fundou outra empresa antes da Captable. Quais foram os maiores aprendizados dessa experiência que você carrega até hoje?
Em 2016 fundei a Deal Negócios Digitais. Uma startup clássica, em que o empreendedor reconhece um problema na sociedade e busca formas de resolvê-lo, criando o protótipo e interagindo com o mercado para colher feedbacks e montar o produto final. As startups passam por processo de experimentação, tentativa e erro, e validação de hipótese. Mas com a Deal nunca consegui chegar em um produto que tivesse fit de mercado e nos permitisse escalar.
Minha primeira iniciativa empreendedora falhou, quebrei a empresa. O lado bom é que só joguei fora R$ 10 mil. O primeiro aprendizado é a importância de fazer o MVP para errar pequeno. Às vezes, o empreendedor quer sofisticar logo no início, construir um mega software, gastando centenas de milhares de reais para depois descobrir que o mercado não quer aquela solução, e erram grande.
Outro aprendizado é ter paciência, algo que muitos empreendedores esquecem, principalmente em um momento de mercado de dinheiro fácil, como em 2020 e 2021. O empreendedor lança um produto, que começa a ter uma mínima tração, e já quer captar para torrar dinheiro em marketing, vendas e distribuição para crescer o mais rápido possível. No entanto, é muito importante entender se o produto tem market fit e se encaixa como uma luva nas necessidades do mercado. Se a resposta for não, você vai jogar dinheiro no lixo.
É muito tentador captar uma rodada e crescer, mas gaste tempo construindo o produto, recebendo feedbacks e refinando até estar super encaixado às necessidades do cliente, e só depois vá para o próximo passo.
O mercado de crowdfunding no Brasil teve avanços importantes nos últimos anos, tanto de legislação quanto de adoção da modalidade pelos empreendedores e os investidores. Quais desafios ainda precisam ser superados para que a modalidade possa crescer ainda mais no país?
Realmente houve grandes avanços. O volume das plataformas aumentou, a adoção por parte dos investidores também, e tivemos mudanças regulatórias por meio da Resolução 88 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que trouxe uma série de novidades para o mercado – inclusive, a possibilidade de liquidez em um mercado de ofertas secundário.
Então, do ponto de vista regulatório, acho que evoluímos bem. Ainda tem coisas que a CVM pode olhar e flexibilizar para aumentar a capacidade do mercado de gerar novas soluções, mas isso é um amadurecimento do mercado financeiro brasileiro como um todo, e a Selic no patamar em que está atrapalha muito.
O desafio é que o crowdfunding ainda não conseguiu romper a barreira do mercado financeiro tradicional. Ainda são poucas as gestoras e os investidores tradicionais que olham para as plataformas de crowdfunding como alternativa. Mas todos eles vão para a Bolsa de Valores, que, em suas devidas proporções, tem uma proposta semelhante ao do crowdfunding: ser um ambiente de conexão e transação. Ainda assim, esses players não enxergam as plataformas de crowdfunding como alternativa.
É um problema que vem apresentando avanços. A Captable já coinvestiu com várias gestoras de venture capital, mas ainda é algo que está sendo construído para que um dia a gente consiga fazer com que as plataformas de crowdfunding sejam assim como a Bolsa de Valores, um hub de conexões onde negócios acontecem.
Como você descreve o momento atual da Captable e o que podemos esperar para 2024?
Passamos por um momento de mercado complicado, o que nos obrigou a ser criativos. Tivemos que enxugar a estrutura interna, aumentar as eficiências e criar novas linhas de receita, pois vimos que depender apenas das ofertas públicas como forma de monetização seria arriscado demais.
Foi bom, porque finalmente conseguimos nos transformar em um hub. Hoje, quando uma startup vem até nós, temos vários produtos para oferecer. Lançamos um SaaS de governança interna e gestão de captable para as startups, um service provider conectando os melhores prestadores de serviço às empresas, escrituração de ativos e uma consultoria para Corporate Venture Capital (CVC).
Agora, vamos surfar o novo momento do mercado, com a Selic em ligeira queda, mais linhas de receita e mais produtos, abrangendo uma persona muito mais ampla de startups para ter um potencial de monetização maior do que tínhamos nos outros ciclos produtivos.
O Brasil ainda está atrás de ecossistemas de inovação como China e Estados Unidos, mas cresce muito mais rápido. Vamos buscar suprir um gap grande de inovação e acredito que o segmento de venture capital ainda cresça muito. Por mais que 2022 tenha sido bastante desafiador, 2023 foi um ano de volta à normalidade. Estamos no início de uma onda poderosa. Espero que os investidores não se enganem pelos desafios que vivemos, pois quem se posicionar neste momento do mercado de inovação vai colher os frutos lá na frente.
Você também atua como investidor-anjo, e já apoiou empresas como Digital Drive e Trashin. Que tipo de startups te atraem?
Gosto de startups em estágio super inicial, que ainda têm desafios para achar o product market fit e onde minha participação pode realmente ter um impacto. Recentemente, entrei na Life Up, que desenvolveu um software para gestão da saúde, que direciona os esforços do médico e do paciente com foco na medicina de estilo de vida, um novo ramo da Medicina que está ganhando força no Brasil.
Tenho uma tese bem agnóstica de segmentos. O meu corte é feito no estágio da empresa, para entrar logo no início. Além disso, invisto em empreendedores e gosto de pessoas com experiência no setor, que perceberam dores do mercado baseadas em sua atuação diária.
Como você enxerga o seu futuro profissional?
Uma vez que a gente é picado pelo bichinho do empreendedorismo, não larga mais. Vai me acompanhar para o resto da vida e tenho certeza que a Captable não é a última empresa que vou fundar. Certamente virão outras no futuro, seja como principal executivo ou como um fundador e investidor. Como comentei, o mundo dos negócios faz parte da minha vida desde os cinco anos de idade, e provavelmente vai morrer junto comigo.
Raio X – Guilherme Enck
Um fim de semana ideal tem… Esporte, churrasco e momento para relaxar
Um livro: “A revolta de Atlas”, de Ayn Rand
Algo com que não vivo sem: Instrumentos musicais
Uma música ou artista favorito: Ouço de Beethoven a Red Hot Chilli Peppers
Uma mania: Tomar chimarrão todos os dias
Sua melhor qualidade: Sou bom com relações interpessoais, seja gerindo, treinando ou estando junto a pessoas