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Guta Tolmasquim é um dos nomes mais relevantes do mercado de branding e do ecossistema de startups no Brasil. Nascida no Rio de Janeiro, mudou-se para Israel ainda na infância e foi alfabetizada metade em hebraico, metade em português, sendo selecionada para participar de um programa do governo para crianças com habilidades em matemática. Em paralelo aos conhecimentos lógicos, contou com um empurrãozinho dos pais para desenvolver também o seu lado mais artístico e criativo, somando a tudo isso um curso técnico de  informática com ênfase em design (que hoje seria uma espécie de UX), uma graduação em publicidade e uma temporada na Itália para estudar história da arte e ciências políticas.

A união de todas essas peças formaram uma jovem com perfil de liderança empreendedora – embora, na época, ela ainda não percebesse isso. Em seu primeiro emprego, já gerenciava um time de cinco menos sem nem ter terminado a faculdade. Depois, teve a oportunidade de atuar na agência Ana Couto, trabalhando como estrategista para grandes marcas e, ao longo dos anos, foi se especializando no mercado de branding.

Atenta às demandas e tendências do mercado, decidiu criar a Brand Gym, uma agência de branding especializada em startups. Empreendeu novamente alguns anos depois, dessa vez ao lado do irmão, Eduardo, e em 2021 fundou a Purple Metrics, startup especializada em mensuração recorrente de branding. Com uma base de clientes “early adopters” que inclui Conta Azul, Daki, Nuvemshop e RD Station, o negócio atraiu investidores-anjo estratégicos como Tiago Lafer (Beacon Founders), Gina Gotthilf (Latitud) e Monique Evelle (Inventivos), e no ano passado captou US$ 1,2 milhão com Astella, 040 Ventures e Raio Capital.

Em um papo de peito aberto com o Startups, Guta falou sobre as experiências marcantes da infância e juventude, o processo de se auto identificar como empreendedora e os maiores aprendizados durante a rodada pré-seed. Além disso, refletiu sobre a importância de balancear o trabalho e a vida pessoal, e contou quais são os planos da martech para 2024. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa:

O que a Guta criança sonhava em ser quando crescesse e como isso te levou ao empreendedorismo?

A primeira coisa que eu quis foi desenvolver jogo de tabuleiro. Quando fiquei um pouco mais velha, quis ser cirurgiã, mas não tenho talentos manuais, acho que não seria muito bom. Mas eu gostava de coisas relacionadas à biologia. Mais velha, já pensando em qual carreira queria seguir, fiquei entre fazer economia, design de produto e redação publicitária. Ironicamente, hoje como CEO, a economia teria ajudado porque lido com isso. Mas toco a parte de produto e produzo conteúdo. Então, acabei juntando os três interesses. 

Me mudei para Israel aos quatro anos e lá participei de um programa de habilidades matemáticas do Ministério da Educação, então o lado matemático sempre esteve forte em mim. Mas meus pais também acharam importante que eu desenvolvesse o lado criativo e social, e me colocaram no esporte, no teatro, me davam coisas para pintar e colorir. Fui desenvolvendo a criatividade, que acabou virando uma grande paixão. Na época da faculdade, passei um semestre na Itália e estudei história da arte e ciências políticas, e pude desenvolver a visão de diferentes culturas, insight para pesquisa e um olhar de curiosidade.

A Purple Metrics só existe porque tenho esses dois lados. Eu ter me mudado quando criança tem um lado ruim, porque eu não me sinto 100 % brasileira. Não vi fatos muito importantes e históricos que ocorreram no país nos anos 90 e 2000, como a vitória do Tetra e a morte de Ayrton Senna. “Como assim você não estava aqui, não sabe o que é isso”. Então, tem um lado ruim, mas também tem um lado bom. Hoje eu vejo pelo lado bom.

Enrolei muito para empreender. Embora eu sempre tivesse um perfil empreendedor, não me dava muita conta disso. No meu primeiro emprego, ganhei o apelido de “CEO”, porque eu liderava os projetos, gerenciava, coordenava as coisas e fazia acontecer, começava algo novo. Enrolei uns dois anos, porque gostava do meu trabalho e nunca tinha tido o sonho de empreender. O que eu queria era resolver um problema. Eu percebia que as startups iam precisar de branding e queria resolver isso.

Acho que a Brand Gym, minha primeira empresa, me escolheu, e não o contrário. Eu tocava branding em paralelo com o meu emprego, e só pedi demissão porque ficou insustentável tocar as duas coisas. Foi uma questão física do limite do tempo. Tive que escolher, e sofri por um tempo, até que meu pai me aconselhou a abrir a empresa. Mas eu não falava que era CEO, não me enxergava assim e demorou um pouco para isso mudar e reconhecer que eu era empreendedora. Talvez uma parte disso fosse síndrome de impostora. Não me via como hábil.

Você comentou que ao entrar no ecossistema de startups, percebeu que não sabia captar recursos – e que o processo mais desafiador para as mulheres. Quais foram os seus maiores aprendizados nessa jornada?

O primeiro é que fazer fundraising não é um talento, é uma habilidade. Existe um mito de pessoas que falam que entraram na reunião e já saíram com o cheque. Isso não existe. É importante entender que há um processo e que você precisa aprender como faz, assim como se aprende sobre contabilidade, RH, jurídico e financeiro. O founder aprende tudo relacionado a uma startup, e captação de recursos é uma delas.

Além disso, tem um aprendizado de lidar com a rejeição, uma questão mais interna do indivíduo. É um processo de eliminação. Você tem várias pessoas que admira, que conhece e com quem se relaciona te dizendo motivos do porque a sua empresa não vai dar certo. De forma muito gentil e educada, mas ainda assim. E é um processo que dura semanas, às vezes, meses. É um aprendizado de tomar porrada e seguir em frente. Um tipo diferente de rejeição, que como founder bootstrapping, não estava acostumada.

Também aprendi que é sobre fit, sobre com quem você quer construir a empresa. Tive um aprendizado enorme sobre linguagem de negócio. “A visão é essa, o público é esse e é isso que quero fazer com o produto”. Aprender a comunicar isso de um jeito orientado a negócios, o que não era natural para mim. Nas duas vezes que empreendi, criei a empresa porque fui atrás de um problema para ser resolvido – o que, teoricamente, é o certo a se fazer. Mas não é a forma como as pessoas captam dinheiro.

Em geral, as pessoas captam em cima da oportunidade, não do problema. Eu sabia descrever muito bem o problema. Mas não sabia falar sobre ticket médio, o canal de distribuição, o tamanho do mercado. Isso é uma outra linguagem. É necessário virar a chave para ter uma a linguagem de negócio e produto. Entender muito bem o problema e o consumidor, mas também o mercado, o contexto atual. Aprender a transformar tudo isso em um pitch de foi o maior gap para mim, e tive que evoluir.

Quem é Guta fora do trabalho? O que você gosta de fazer e como passa o tempo livre?

Sou muito social. Para mim é muito importante estar em volta de quem eu gosto e minha vida envolve fazer coisas com outras pessoas. Em geral, é fazer exercício, ir em festas e à praia. Sou muito urbana, gosto de curtir a vida na cidade, embora também goste de praia – talvez por ser carioca. Sempre junto de amigos ou da família.

Equilibrar a Guta empreendedora com a Guta pessoa física foi uma jornada. Eu me confundia com a empresa, acho que essa é uma característica de todos os founders. A gente tem muita dificuldade de se separar da empresa, porque ela demanda muito de nós. Requer nossa energia, nosso raciocínio, nossa alma. Requer tudo o que temos para fazer uma empresa nascer. E você acaba se vendo refletido na cultura. Sabe como o negócio opera e funciona. Então, é muito fácil se confundir.

Em 2020, durante o isolamento social, comecei a fazer coaching porque a empresa estava começando a ter algumas camadas de liderança. E eu senti que eu não estava conseguindo soltar. Minha coach me ajudou a entender que era importante eu me desvencilhar da empresa. 

Entrei em um processo de começar a me entender como pessoa. Comecei a fazer coisas simples como ir na manicure sem estar no meio de uma reunião, porque até então eu estava sempre em ligação com alguém, mesmo enquanto fazia as unhas. Comecei a olhar pra mim. É um processo que dura anos, e que vai do básico até o mais conceitual e abstrato, me permitindo fazer coisas que não fossem para trabalho. Manicure, terapia, cozinhar. Antes, eu pedia comida e fazia reunião enquanto comia.

Era tudo em função do trabalho. Sonhava com o trabalho. Tudo. Era tudo. Eu tirava férias porque isso me permitiria trabalhar melhor quando voltasse, e não porque de fato queria tirar férias. Mudei esse comportamento pouco a pouco e hoje consigo me desconectar. Tirei férias recentemente, abri o Slack só nos primeiros dias e depois não entrei mais nem no email. Às vezes, até trabalho no fim de semana, mas porque eu gosto. Não é um vício, hoje consigo trabalhar 10 horas por dia e parar.

A Purple Metrics captou a rodada pré-seed há cerca de quatro meses. Quais são as prioridades da companhia para 2024?

Vamos lançar uma nova feature. Nossa visão sempre foi de media e branding, juntando pesquisa, ou seja, os dados que eu produzo, com os dados que eu observo dos consumidores online. A captação veio justamente para que a gente conseguisse fazer essa parte de dados secundários, dados de segunda mão.

O plano deste ano é lançar no mercado um traqueamento de como que as suas ações de marca entram na jornada de compra, na jornada de conversão do consumidor, em forma numérica. Inclusive, te recomendando o que você deveria fazer. Casado com a pesquisa que te explica as razões disso estar acontecendo. A prioridade é colocar esse produto rodando no mercado.

Raio X – Guta Tolmasquim

Um fim de semana ideal tem… Praia, amigos, esportes e festa

Um livro: “A guerra não tem rosto de mulher”, de Svetlana Aleksiévitch 

Algo com que não vivo sem: Praia ou Kindle

Uma música: “Quem Te Viu, Quem Te Vê”, de Chico Buarque

Um prato preferido: Medalhão com arroz à piamontese e fritas

Uma mania: Levar água para os meus amigos no rolê

Sua melhor qualidade: Criatividade

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