Entrevista

5 Minutos com: Itali Collini, diretora da Potencia Ventures no Brasil

Natural de São Roque, no interior de São Paulo, Itali Collini sempre teve uma curiosidade aguçada pelo mundo financeiro

Itali Collini, diretora da Potencia Ventures no Brasil
Itali Collini, diretora da Potencia Ventures no Brasil (Foto: Divulgação/Arte por Startups)

Natural de São Roque, no interior de São Paulo, Itali Collini sempre teve uma curiosidade aguçada pelo mundo financeiro. Ainda criança, gostava de imaginar formas de ganhar dinheiro; com apenas oito anos, vendia raspadinhas na porta de casa e, durante o colegial, começou a vender cookies na escola para complementar a renda da alimentação. Foi nesse período, no ensino médio e técnico, que a paixão pela economia realmente floresceu, especialmente com a descoberta da bolsa de valores.

Interesse esse que a levou para um curso de bolsa de valores aos 18 anos, quando também passou a comprar ações. Na faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP), começou a navegar pelos ramos mais tradicionais do setor financeiro, trabalhando nas mesas de operações de grandes bancos como HSBC Asset Management, divisão de gestão de ativos do HSBC.

Diante da falta de exemplos femininos na profissão e dos preconceitos culturais que ainda permeiam o setor, Itali decidiu se aprofundar nos estudos sobre a participação da mulher no mercado financeiro e passou a trabalhar em prol da redução desses vieses por meio de startups de impacto. Em 2018, foi recrutada pela 500 Global, um dos principais fundos e aceleradoras de venture capital em estágio inicial do mundo, sediado no Vale do Silício. Nesse ambiente, Itali percebeu a oportunidade de aprender com a visão tradicional do venture capital, ao mesmo tempo em que poderia trazer sua própria experiência e visão de impacto.

Esses pensamentos e vivências, somados à sua mentalidade questionadora, foram fundamentais para moldar a executiva que ela é hoje. À frente da Potencia Ventures, um grupo global de investimentos voltado para negócios de impacto social, com foco especial em educação e empregabilidade, Itali lidera diversas frentes de propósito. Seu objetivo é investir em impacto social com um olhar atento à diversidade, ajudando a consolidar a estratégia de investimentos seed da Potencia Ventures no Brasil.

Em um papo de peito aberto com o Startups, Itali refletiu sobre o mercado de impacto na América Latina, destacando as oportunidades e os desafios. Ela também compartilhou as dificuldades que enfrentou como mulher no setor financeiro e de venture capital. Além disso, falou sobre os planos da Potencia Ventures para 2025, incluindo a meta de investir em pelo menos três startups até o fim do ano e o lançamento de uma nova versão do programa Potencia UP, que, em sua segunda turma, deve apoiar mais de 20 startups.

Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa:

Como você enxerga o ecossistema de negócios de impacto na América Latina, considerando tanto as oportunidades quanto os desafios?

Vejo o ecossistema de negócios de impacto com muito otimismo. O mercado está crescendo, seja pelo aumento no número de fundos de investimento, seja pelos assets under management, ou seja, o quanto está sendo gerido com foco em impacto. Hoje, muitos fundos se posicionam como fundos de impacto social, com KPIs específicos para mensurar esses resultados.

Além disso, grandes alocadores de recursos, como o BID, IFC e bancos multilaterais, estão estabelecendo novas diretrizes para apoiar mais negócios de impacto, investindo em fundos dedicados a esse setor. Essas diretrizes não se limitam a atender à base da pirâmide, mas também começam a integrar a diversidade dentro do ecossistema.

Há uma tendência de crescimento dos investimentos de impacto, com movimentações em ambas as pontas do mercado. De um lado, os alocadores buscam direcionar recursos para o desenvolvimento econômico e a base da pirâmide. Do outro, a sociedade começa a reconhecer essas soluções, o que impulsiona o surgimento de novos empreendedores para atendê-las.

Hoje, temos muito mais pessoas que se reconhecem como empreendedores de impacto. Embora ainda seja um desafio, a percepção mudou. Há cinco anos, se alguém se apresentasse como empreendedor de impacto social, seria confundido com uma ONG. Agora, os investidores compreendem que, ao ouvir um pitch de uma startup de impacto, não estão diante de uma caridade, mas de uma oportunidade de negócio com potencial de gerar impacto a longo prazo.

Esse entendimento está melhorando, com os empreendedores se posicionando de forma mais clara. No entanto, ainda existem founders que, apesar de oferecerem soluções que impactam a base da pirâmide e podem gerar mobilidade social, preferem não se identificar como empreendedores de impacto, com receio de que isso prejudique sua captação de recursos. Inclusive, já observei casos assim na Potencia Ventures.

Minha responsabilidade é estar no meio do campo, conversando com investidores tradicionais e explicando que o foco em impacto não anula o potencial de retorno econômico. E, ao mesmo tempo, quando converso com fundações ou organizações que apoiam negócios mais sociais, é importante também trazer a perspectiva financeira, ajudando a medir a eficiência. Vejo que quem trabalha com investimento de impacto tem a responsabilidade de educar, para que essa mentalidade se expanda e se consolide.

Ao longo de sua jornada, tanto no âmbito acadêmico quanto profissional, você vivenciou ambientes predominantemente masculinos. Como tem sido a sua experiência ao navegar por esses espaços?

Meus amigos dizem que sou uma ONU, uma grande diplomata. Sempre fui uma pessoa expansiva e curiosa, que conversa facilmente sobre qualquer assunto. Nunca fui do tipo caladinha. A forma como enfrentei as minhas primeiras experiências tem tudo a ver com essa minha personalidade.

Quando comecei a trabalhar no mercado financeiro, especialmente na mesa de operações, enfrentei situações complicadas. Lembro de uma entrevista em que me disseram: “Até que você foi bem para uma mulher”, e me contrataram. Pouco depois, quando consegui fechar um negócio com um corretor, meu ex-chefe comentou: “A estagiária nova conseguiu fechar o que a gente precisava, o que será que ela fez com o corretor para conseguir isso?”

Essas situações, claramente relacionadas ao fato de eu ser mulher, me marcaram. Na época, sendo jovem e com uma mentalidade de “bateu, levou”, eu respondia muito. Quando meu ex-chefe fez aquele comentário ambíguo, eu o confrontei imediatamente, questionando por que ele achava que qualquer conquista de uma mulher no mercado envolvia favores sexuais.Isso me rendeu o apelido de “estagiária bocuda”, porque eu não tinha medo de me defender. 

Com o tempo, passei a adotar posturas frequentemente associadas ao comportamento masculino. Falo de maneira mais direta; às vezes, as pessoas acham que sou ríspida, mas, na verdade, estou sendo clara. Essa postura se tornou uma maneira de navegar nos espaços predominantemente masculinos. Além disso, comecei a estudar e a escrever uma monografia sobre a mulher no mercado financeiro, para entender o que acontecia comigo e perceber que muitas mulheres passavam pelas mesmas situações. Isso me deu embasamento para questionar o que estava acontecendo e buscar mudanças de forma mais fundamentada.

Dois anos depois, já como analista de fusões e aquisições, um chefe me disse que acreditava que mulheres deveriam ganhar menos do que homens. Naquela época, já tinha me aprofundado em estudos sobre mulheres no mercado financeiro e usei esse conhecimento para rebater. Foi quando percebi que, pela primeira vez, estava usando mais argumentos do que apenas respostas rápidas, como costumava fazer. Argumentei com mais propriedade e sem entrar em uma disputa de egos. Esse foi um ponto de virada importante para mim.

Quando entrei no mercado de venture capital, senti um ambiente similar ao do mercado financeiro, com muitos aspectos culturais importados. No entanto, cheguei em 2018, depois do movimento #MeToo, e encontrei um terreno mais fértil para discutir a diversidade. 

Com o tempo, percebi uma evolução nas conversas sobre diversidade, tanto no mercado financeiro quanto em outros setores. No entanto, a mudança ainda é lenta. Já se passaram 10 anos desde que trabalhei na mesa de operações, e a quantidade de mulheres nesse setor não cresceu na proporção que gostaríamos. Vejo que houve avanços, mas ainda há muito a ser feito, e continuo comprometida em falar sobre isso.

Que tipo de startup faz seus olhos brilharem?

O que realmente me atrai são empreendedores que têm uma vivência real do problema que estão tentando resolver. Pessoas que passaram por essa experiência pessoalmente, ou têm alguém próximo a elas que viveu isso, o que moldou profundamente sua visão de mundo. 

Outra característica que admiro é a capacidade de fazer muito com pouco. Quando olho para um empreendedor que vem da periferia, foi o primeiro da família a acessar a universidade pública e construiu uma empresa que impactou milhares de pessoas, vejo que o “delta” dele – ou seja, o quanto ele consegue fazer com o pouco que tem – é muito maior do que a média de empreendedores que chegam com um MBA de Harvard.

É claro que o MBA de Harvard demonstra muito valor e, sim, vou querer investir em pessoas com essa formação também. O ponto é que o mercado financeiro costuma investir apenas em pessoas com “carimbo”, e eu acredito que há pessoas que constroem coisas incríveis e demonstram uma capacidade de desenvolvimento com aquilo que receberam.

Essa é uma característica que todos os VCs gostam, o empreendedor “desenrolado”, que aprende rápido. Mas como medir isso quando o background do empreendedor não é o mesmo que o seu? Como avaliar essa capacidade? É algo que eu observo bastante. Existe uma capacidade de desenvolvimento que não conseguimos medir adequadamente apenas com uma ou duas entrevistas. Precisamos de mais tempo e exposição ao grupo de empreendedores com menos privilégios, que tiveram menos acesso, para entender melhor o que eles fazem quando recebem oportunidades.

Foi por isso que criamos o Potencia Up Fellowship, um programa de bolsas voltado para empreendedores sub-representados. Não se trata apenas de uma aceleração ou mentoria. Durante um ano, os fundadores participaram de aulas de inglês, workshops sobre modelos de negócios de impacto e investimentos, mentorias de validação de demanda e rodas de conversa com experts. O programa foi bem-sucedido em gerar boas oportunidades de desenvolvimento para negócios de impacto, e a Potencia decidiu liderar a rodada seed de duas startups participantes – a Trampay e outra que vamos anunciar em breve.

Quando você trabalha com empreendedores que não tiveram tantas oportunidades, aqueles que sabem que, se falharem, não terão outra chance – porque não terão o apoio necessário para investir no segundo negócio ou para se apresentar como “second-time founders” – é crucial perceber que, para quem está na base da pirâmide, essa segunda chance quase nunca existe. Por isso, acreditamos que dedicar mais tempo a esses empreendedores, por meio de um programa longo, é fundamental para entender o quanto eles conseguem crescer e se desenvolver a partir das oportunidades oferecidas.

Como você define o momento atual da Potencia e quais são as prioridades para 2025?

Nossa prioridade em 2025 é lançar a segunda versão do programa Potencia Up Fellowship, que será maior e trará várias mudanças em relação ao anterior. O foco será apoiar empreendedores sub-representados no Brasil.

Além disso, estamos retomando o volume de investimentos. Nos últimos dois anos, diminuímos o ritmo devido ao cenário de mercado e à necessidade de cuidar do nosso portfólio. Agora, com o mercado em movimento, estamos de volta ao dealflow e analisando diversas startups. O foco segue em educação, futuro do trabalho e também em fundos de Venture Capital.

Atualmente, a Potencia Ventures tem 50 fundos no portfólio, distribuídos por cerca de 30 firmas diferentes. Investimos em três tipos principais de fundos de venture capital. O primeiro são os fundos de impacto, que medem e se posicionam dessa forma, como a Vox Capital e o Elevar Equity no México, dos quais somos LPs. O segundo tipo são os fundos early stage, que investem em um volume alto de startups, com foco em áreas como educação e futuro do trabalho, como a NXTP Ventures, na Argentina e Uruguai, e a 500 Latam. O terceiro grupo são os fundos verticalizados, que têm foco específico em setores como educação e futuro do trabalho. Na América Latina, não existem fundos exclusivos nessas áreas, então buscamos parcerias com fundos nos EUA.

Raio X – Itali Collini

Um fim de semana ideal tem… Bicicleta e meus gatos

Um livro: “Desenvolvimento como Liberdade”, de Amartya Sen

Um filme: “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles

Uma música: “Money”, do Pink Floyd

Uma mania: Responder mensagens mentalmente e achar que respondi no celular

Sua melhor qualidade: Navegar entre interesses distintos com diplomacia