Inquietação, curiosidade e resiliência acompanham toda a trajetória de Julia de Luca, responsável pela cobertura global de fundos de growth e venture capital no Itaú BBA. Economista de formação, iniciou sua carreira na gestora Gávea Investimentos, mas foi na Stone, a partir de 2017, que descobriu sua paixão pelo mundo da tecnologia. Ela estava lá, inclusive, na época do IPO da fintech de meios de pagamentos, acompanhando o ritmo de crescimento da companhia ao atuar em áreas como M&A, Stone Banking e relação com investidores.
“Encontrei um outro mundo, diferente do mercado financeiro tradicional, mas que era super interessante – e me dediquei a aprender o máximo possível”, conta Julia. Referência no ecossistema tech, de inovação e investimentos, é coautora do livro “Brazil Fintech” e foi a 1ª autora na América Latina a ter artigos publicados no site global da Nasdaq. Hoje, além de sua atuação no Itaú BBA ela publica semanalmente a newsletter em inglês Weekly Tech Update, com as notícias mais relevantes sobre tecnologia da América Latina com comentários, opiniões e curiosidades sobre o ecossistema.
Em um papo de peito aberto com o Startups, Julia refletiu sobre sua trajetória no mercado de tecnologia, os desafios e motivações em sua carreira e suas perspectivas sobre o mercado. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa:
O que te levou ao mundo da tecnologia e da inovação?
Sempre fui muito inquieta e curiosa, acho que isso diz muito sobre a minha carreira, porque ela não foi linear. Fiquei um bom tempo em cada empresa, mas pulei de um lugar para o outro e fiz trabalhos diferentes. Quando chegava em um limite de aprendizado ou de experiências, ficava inquieta e queria mudar. Foi justamente dessa constante vontade de querer saber mais que tive a ideia de começar a minha newsletter. Ao mesmo tempo, sempre fui muito resiliente.
Trabalhei na Gávea Investimentos por 5 anos e, depois, senti vontade de fazer uma mudança de carreira. Quando entrei na Stone, me deparei com uma equipe jovem, com muita inovação e vários desenvolvedores. Antes disso, minha experiência era no mercado financeiro, bastante tradicional. A Stone foi meu primeiro encontro com tecnologia; encontrei um outro mundo super interessante e me dediquei a aprender o máximo possível. Lá, fiz um pouco de tudo, acompanhando o ritmo de crescimento da empresa. Entrei na área de M&A, fui business lead na conta da Stone e depois passei para a relação com investidores.
Ir para o Itaú foi, por um lado, fazer uma nova mudança de carreira. Mas no final do dia sigo falando com pessoas sobre aquilo que gosto – tecnologia. O cerne do que trago para a mesa é semelhante, atuando no banco de investimentos e cobrindo os fundos de growth e venture capital globalmente.
Quais foram os maiores desafios enfrentados nessa trajetória?
Foram vários. Infelizmente, nos dias de hoje as pessoas acham que as nossas vidas são aquilo que está nas mídias sociais e no LinkedIn. A palestra que você participou, a viagem para fora do país. Mas por trás tem muito desafio. A Stone foi extremamente desafiadora, pois era uma empresa pré-IPO, crescendo e mudando muito e de forma constante. Eu tinha vindo do mercado financeiro tradicional, que é menos dinâmico no dia a dia. Me encontrar naquele novo ambiente de trabalho foi bem difícil, e acho que passei uns bons perrengues.
Um desafio constante é que sempre tive um rosto de criança, normalmente acham que sou muito mais nova do que realmente sou. Ganhando mais espaço no mercado, passei por situações em que a outra parte, seja um cliente ou investidor, perguntava “vem mais alguém para a reunião?” – e era só eu. Um dos maiores desafios foi entender e passar para o outro que eu sou suficiente para aquela interação e que tenho a capacidade para o trabalho. Acabo tendo que me provar o tempo todo.
Olhando para trás, o que você destaca como suas maiores conquistas?
O que mais me deixa orgulhosa é a influência e legitimidade que ganhei no mercado de tecnologia. Vejo isso quando muitas meninas me procuram para perguntar algo, pedir um conselho. Mostra que acertei em alguma coisa até agora na minha jornada, e que de alguma forma estou sendo um exemplo para outras meninas.
Estou longe de conseguir tudo o que eu quero, mas acho que cheguei onde estou porque sou muito consistente. Decidi fazer uma newsletter em inglês semanalmente, e faço. Gasto 4 horas do meu domingo fazendo isso, toda semana. Quando me propus a escrever um capítulo do livro “Brazil Fintech”, fiz uma super pesquisa para isso. Amo escrever, e quanto mais você lê e escreve, aprende ainda mais. Acabo virando uma influência de uma forma muito leve e natural, o que me deixa orgulhosa.
Recentemente, estive em um caixa na Faria Lima trocando dólares para uma viagem e uma das atendentes me reconheceu. “Nossa, parabéns pelo seu trabalho. Muito legal o que você está fazendo”, ela disse. Isso é motivo de se orgulhar.
“Estou longe de conseguir tudo o que eu quero”. Onde você ainda espera chegar?
Tem uma frase que diz que quando você define onde quer chegar, está se limitando. Então, a resposta para essa pergunta é ‘não sei’. Já fiz muita coisa legal, mas sou tão nova, tem tanto para fazer ainda. Não gosto de me limitar, porque realmente não sei como será o dia de amanhã. O que tenho muita clareza é que vou continuar fazendo o que gosto, com o tema que me interessa – que é tecnologia – e fazendo tudo isso com outras pessoas, interagindo. No ponto de vista pessoal, quero casar e ter filhos.
Gostaria que tivessem muitas e outras mulheres no lugar que estou, podendo falar e influenciar. Ainda são poucas e espero que isso mude olhando para frente. Por isso, abro minha agenda e presto mentoria para várias meninas. Acho que só de estar aqui, junto a outras mulheres que também estão tentando fazer barulho e atuando em uma instituição pró-diversidade, já estou fazendo um pouco da minha parte.
Quem é a Julia fora do trabalho? O que você gosta de fazer e como passa o tempo livre?
Faço muitos exercícios. Corro, pedalo, pratico musculação. É fundamental para ajudar a controlar a ansiedade. Faço pelo menos 1h30 por dia, todos os dias. Amo ler e escrever, a newsletter e as colunas em diferentes publicações começaram de forma natural, porque é algo que sinto prazer. Não teria como fazer se não amasse escrever.
Como você analisa o momento atual do mercado de venture capital, tanto em desafios quanto em oportunidades?
Tem muita oportunidade, gosto de falar que sou otimista com embasamento. Houve um momento mais difícil, com condições macroeconômicas como a alta de juros que fizeram com que o capital ficasse mais caro, além de uma série de eventos geopolíticos que também afetaram o mercado. Nesse contexto, é natural que os recursos sejam aplicados nos ativos livres de risco, é um ciclo que já aconteceu diversas vezes.
Historicamente, o ponto fora da curva foi em 2021. Já 2022 estava alinhado com os anos anteriores, até um pouco maior. Acho que 2023 é um ano de ajuste. Estamos começando a ver o juros caindo no Brasil. Nos Estados Unidos, as coisas também serão melhores do que estavam imaginando – talvez não um soft landing, mas também não será um hard landing.
No mundo da tecnologia, recentemente as coisas têm melhorado bastante. Não acho que os níveis de 2021 eram saudáveis, mas uma retomada nos ânimos é sempre positiva. Tudo isso faz com que os fundadores fiquem mais responsáveis, olhando o fluxo de caixa, os custos e não queimando dinheiro à toa. É o começo de uma retomada.
Raio X – Julia de Luca
Um fim de semana ideal tem… Praia
Um livro: “Hard things about the hard things”, de Ben Horowitz
Uma música ou artista favorito: “O Tempo Não Para”, Cazuza
Algo com que não vivo sem: Exercício
Um prato preferido: Farofa
Uma mania: Costumo fazer as mesmas coisas se elas estão dando certo; seja comer do mesmo, usar a mesma roupa ou escolher a mesma cor
Sua melhor qualidade: Generosidade