Entrevista

5 Minutos com: Ludmila Pontremolez, Co-founder e CTO da Zippi

Formada em Engenharia da Computação pelo ITA, a executiva passou pela Nasa e Microsoft antes de se aprofundar no universo das fintechs, em 2016

Ludmila Pontremolez, cofundadora e CTO da Zippi
Ludmila Pontremolez, cofundadora e CTO da Zippi (Foto: Divulgação/Arte por Startups.com.br)

Seja nos hobbies ou nos estudos, Ludmila Pontremolez sempre se dedicou de cabeça aos projetos pelos quais era apaixonada. Nascida em São José dos Campos, no interior de São Paulo, ela descobriu sua paixão pela dança ainda na infância e, rodeada de referências femininas em casa, começando pela mãe e pelas duas irmãs mais velhas, foi encorajada desde cedo a valorizar os estudos e a se motivar para conquistar o que deseja.

Ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional, Ludmila vivenciou ambientes predominantemente masculinos. Formada em Engenharia da Computação pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) — que, até os anos 2000, não aceitava mulheres —, trabalhou na agência espacial Nasa e na Microsoft, nos Estados Unidos. Seu primeiro contato com o ecossistema de startups aconteceu em 2016, quando assumiu uma posição como engenheira de software na fintech Square.

Em 2019, Ludmila decidiu retornar ao Brasil com o objetivo de resolver um problema local: ajudar micro e pequenos empreendedores autônomos a movimentar suas finanças. Dessa inquietação nasceu a Zippi, fintech que oferece capital de giro semanal para apoiar o crescimento desses negócios. Criada ao lado de André Bernardes e Bruno Lucas, a startup captou US$ 16 milhões em 2022, em uma rodada série A liderada por grandes fundos, como o Tiger Global Management.

Em um papo de peito aberto com o Startups, Ludmila compartilhou os maiores aprendizados de sua jornada na tecnologia e as motivações para retornar à sua terra natal e criar a Zippi. Além disso, refletiu sobre os desafios de ser uma liderança feminina no ecossistema e como gosta de aproveitar o tempo além do trabalho.

Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa:

O que te motivou a empreender e, mais especificamente, no setor financeiro aqui no Brasil?

Quando me formei no ITA, em 2013, o cenário de tecnologia no Brasil ainda era bastante incipiente. Era a época em que empresas como QuintoAndar, Loggi e 99 estavam dando seus primeiros passos. Naquele momento, carreiras em tecnologia não tinham a mesma projeção que têm hoje. Como sempre fui apaixonada pelas áreas de tecnologia e engenharia, busquei uma carreira altamente técnica.

Decidi, então, ir para os Estados Unidos, onde trabalhei na Nasa, Microsoft e na fintech Square. Foi na Square que tive meu primeiro contato com o universo de pagamentos. A empresa tinha um propósito forte: permitir que pequenos negócios em todo o país aceitassem pagamentos com cartão, algo que antes não era acessível para muitos empreendedores.

Foi durante esse período que conheci Bruno Lucas e André Bernardes, que já vislumbravam o que mais tarde se tornaria a Zippi. Na época, eu não planejava voltar ao Brasil, mas acompanhava com entusiasmo os avanços do ecossistema local. O ambiente regulatório evoluía rapidamente, com iniciativas como o PIX, o Open Finance e as registradoras (que hoje são pilares fundamentais para a Zippi) começando a ganhar forma.

Além disso, eu tinha consciência de que o Brasil enfrenta desafios únicos, que precisam ser resolvidos por quem conhece a realidade do país. A ideia de trabalhar com pequenos negócios, que representam uma parcela significativa da força de trabalho do país, me atraiu. Era uma população enorme, mas com poucas soluções financeiras adaptadas às suas necessidades específicas.

Foi assim que decidimos criar soluções bem estruturadas para as dores mais urgentes dos pequenos empreendedores. Um desafio grande e complexo, mas com enorme potencial de impacto. Sabia que estava ao lado de pessoas incríveis, com um alinhamento de propósito muito forte em relação à mudança que queríamos promover. Apenas seis semanas depois de conhecê-los, já estava fazendo as malas para voltar ao Brasil e focar na Zippi.

Quais foram os maiores aprendizados da sua jornada e o que você tirou dessas experiências para conseguir liderar a Zippi atualmente?

Grande parte da minha entrega como líder de tecnologia da Zippi é técnica: construir uma plataforma e um produto escalável para atender nosso público. Na Square, lidei com um produto fintech complexo, o que me ensinou muito sobre a disciplina da engenharia e como desenvolver soluções confiáveis em grande escala. Em um sistema de pagamentos, falhas não são uma opção. O saldo precisa estar correto, e o cliente não pode ficar na mão — ele está na boca do caixa tentando pagar algo, e a tecnologia precisa funcionar. Essa experiência foi fundamental para minha trajetória.

Trabalhar em uma startup early stage também me mostrou a importância de entender, na raiz, a dor e a necessidade do cliente. Muitos empreendedores se perdem ao analisar a tese de mercado, o espaço que podem ocupar e o tamanho do mercado endereçável. Embora essas sejam questões essenciais, elas precisam estar conectadas, de forma clara, ao problema real que está sendo resolvido.

Além disso, é fundamental conseguir contar a história de quem sofre com essa dor. No nosso caso, oferecemos capital de giro para pequenos negócios e temos inúmeras histórias de como a falta desse recurso pode afetar a geração de renda e a sobrevivência desses empreendedores. Aprender a iterar um produto, lançar uma solução no mercado, investir tempo e recursos, e às vezes não obter a resposta esperada do cliente é um processo desafiador — não apenas tecnicamente, mas também emocionalmente. Antes mesmo da Zippi, já havia vivenciado isso e aprendido a lidar com as frustrações e ajustes necessários.

Minha passagem pela Nasa também trouxe uma lição valiosa sobre o que realmente me motiva. Lá, desenvolvia um produto interno utilizado por cientistas, o que me proporcionava proximidade com os usuários finais. Isso me fez perceber o quanto é essencial, para mim, trabalhar em desafios nos quais o feedback seja rápido e acessível. Quero lançar algo hoje e, no dia seguinte, ver clientes interagindo, elogiando ou criticando, porque isso nos dá a sensibilidade necessária para entender se estamos realmente fazendo a diferença na vida das pessoas. Foi essa visão que me levou a criar e construir a Zippi da forma como ela é hoje.

Ao longo da sua trajetória, você vivenciou ambientes predominantemente masculinos. Como tem sido sua experiência ao navegar por esses espaços?

Ao longo da minha trajetória, muitas vezes fui a única mulher – ou uma das poucas – nesses espaços. Isso aconteceu na minha turma de Engenharia da Computação no ITA, nos times da Microsoft e em outros momentos da carreira.

O que mais me fortaleceu nesses anos foi ter referências e uma rede de apoio. Fui para a Microsoft porque uma colega do ITA havia conseguido passar. Saber disso multiplicou minha confiança. Na Nasa, a cientista brasileira Duília de Mello me incentivou a aplicar para a vaga, algo que eu talvez não teria feito sem o apoio dela.

Esses incentivos foram pontuais, mas sempre procurei ativamente por mulheres com quem pudesse trocar experiências. Sempre fui recebida com abertura e, hoje, tento retribuir da mesma forma – compartilhando aprendizados, oferecendo suporte e ajudando a fortalecer a confiança de outras profissionais.

Agora, vivo o momento mais diverso da minha carreira. Na Zippi, temos um compromisso intencional com diversidade, especialmente em relação a gênero. Hoje, contamos com uma equipe equilibrada, com 50% de mulheres, incluindo em cargos de liderança. Criamos um ambiente pensado para ser diverso, o que faz com que seja, de longe, o mais inclusivo em que já trabalhei.

Ser um exemplo de sucesso na tecnologia aumenta o peso da responsabilidade, especialmente pela liderança feminina?

Acredito que, quando você faz parte de uma minoria em um ambiente, acaba se tornando um símbolo, representando todas aquelas pessoas. Já me senti assim muitas vezes. No ITA, por exemplo, chegava a pensar que, se fosse mal em uma prova, isso reforçaria a ideia de que mulheres teriam mais dificuldade naquela matéria. Carregar esse peso não é fácil.

Muito da intencionalidade da Zippi vem dessa vivência. Queremos criar um ambiente onde ninguém sinta essa pressão individual de representar um grupo inteiro.

Ao mesmo tempo, encaro como um privilégio poder compartilhar minhas experiências e perceber que isso pode ajudar outras pessoas. Por isso, participo de diversos programas de mentoria. Sei que é uma grande responsabilidade, mas faço questão de dedicar tempo e energia para conversar com mulheres, orientar profissionais em início de carreira e falar em eventos.

Quero tornar minha jornada mais acessível e mostrar que esse caminho é possível — que as mulheres podem, sim, ter grandes ambições e alcançar o que desejam.

Como você define o momento atual da Zippi e quais as prioridades para 2025?

Estamos em um momento muito positivo. No ano passado, atingimos o breakeven e começamos a gerar lucro, um marco importante para a empresa. Já víamos o produto ganhando tração e o negócio crescendo, mas alcançar o equilíbrio financeiro consolidou nossa posição, mostrando que construímos algo robusto e relevante para o mercado.

Para 2025, temos dois grandes desafios. O primeiro é manter um ritmo acelerado de crescimento, com uma meta bastante agressiva. O segundo é a expansão do portfólio. Hoje, nosso principal produto tem boa aceitação e, em muitos casos, se vende sozinho para os clientes. O desafio agora é entender como ampliar nossa oferta e continuar solucionando outras dores desse mercado.

Quem é Ludmila além do trabalho?

Sou de São José dos Campos, uma cidade com forte tradição na dança. Cresci dançando e isso sempre fez parte da minha vida. Infelizmente, desde que me mudei, ainda não encontrei um espaço onde eu pudesse me dedicar da mesma forma. Aos poucos, fui preenchendo essa lacuna com outras atividades, como yoga, pilates e musculação. O movimento está no meu DNA – todos os dias preciso fazer algo, testar um novo esporte ou movimentar o corpo.

Além disso, sou apaixonada pelos meus cachorros – sou mãe de três pets. No fundo, sou uma pessoa introspectiva, que adora ler e passar um tempo sozinha, mas também valorizo muito estar com minha família e com aquele grupo seleto de amigos que fazem parte da minha vida.

Raio X – Ludmila Pontremolez

Um fim de semana ideal tem… montanhas e pessoas queridas

Um livro: “Scaling Your Artifacts with Your Team: Hypergrowth Challenges Beyond Microservices”, de Davi Reis e Ítalo Santos

Filme favorito: “Arrival”, dirigido por Denis Villeneuve

Uma mania: Obcecar nos desafios e ficar mergulhada por horas e horas

Sua melhor qualidade: Resiliência