Marcio Kumruian é um dos principais nomes do empreendedorismo digital no Brasil. Nos anos 2000, quando o conceito de startups ainda era pouco conhecido e o ecossistema começava a se estruturar, o paulistano fundou a Netshoes. Em pouco mais de 10 anos, o que começou de forma modesta, no fundo do estacionamento de seus tios, se transformou em uma das maiores lojas de e-commerce de artigos esportivos do mundo.
Formado em Economia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com extensão em Inovação e Liderança pela Stanford Graduate School of Business, o executivo esteve à frente da Netshoes desde a fundação até o exit. Nesse processo, ele conduziu o primeiro IPO de uma empresa brasileira de comércio eletrônico na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) e liderou o processo de venda da Netshoes para o Magazine Luiza.
Em 2021, Marcio voltou a empreender e lançou a ZiYou, startup que oferece equipamentos fitness por assinaturas e conteúdos esportivos para treinamento em casa. Com mais de 20 mil assinantes, a empresa captou R$ 20 milhões em 2023, com investidores como a Bertha Capital e a Multi (antiga Multilaser).
Em um papo de peito aberto com o Startups, Marcio revisitou os maiores aprendizados da jornada com a Netshoes, refletindo sobre os erros e acertos que marcaram a trajetória da companhia desde sua fundação. Ele também falou sobre suas percepções do mercado brasileiro e os planos para a ZiYou em 2025, incluindo expansão geográfica e melhorias contínuas na plataforma.
Confira, a seguir, os melhores momentos da conversa:
Você começou a empreender novo, aos 16 anos. Como foi o início dessa jornada e o que levou à criação da Netshoes?
Minha jornada empreendedora começou muito por causa da minha família, que é de imigrantes. Sou descendente de armênios, e todos eles tiveram que se adaptar ao Brasil, sem falar o idioma ou entender as dinâmicas do país. Desde cedo, percebi que minha família era formada por empreendedores, sempre se virando e arriscando tudo. Essas conversas sobre tomar riscos constantes me marcaram profundamente e moldaram minha visão de ter, um dia, o meu próprio negócio.
Aos 16 anos, já trabalhava na empresa de um amigo do meu pai e, aos fins de semana, vendia PCs. Foi assim que comecei a entender o que era empreender. Quando criei a Netshoes, aos 26 anos, meu objetivo era dar o primeiro grande passo na minha vida. Percebi que sabia fazer duas coisas: vender PCs e vender sapatos. Decidi, então, unir esses dois mundos. Quem comprava PCs queria entrar na internet e explorar o mundo online, e eu já tinha experiência vendendo calçados.
Você esteve à frente da Netshoes por cerca de duas décadas. Como foi ver esse filho crescer e andar com as próprias pernas, até perceber que ele já estava grande o suficiente para você iniciar uma nova fase na carreira?
A Netshoes cresceu muito rápido e passou por vários momentos. Começou como uma empresa de garagem e, aos poucos, as coisas começaram a tomar forma. Foi um processo natural: fomos crescendo, melhorando, ganhando mais controle e trazendo pessoas talentosas para fazer parte da equipe.
A primeira grande virada aconteceu em 2009, nove anos depois da fundação, quando o Tiger Global investiu e se tornou sócio. Naquela época, eu nem sabia direito o que era um fundo, muito menos como lidar com ele. Tive que aprender na prática. Foi aí que percebi que estávamos criando uma empresa com um real potencial de destaque, tanto no Brasil quanto no exterior.
Em 2014, veio o segundo grande impacto: percebi o potencial de abrir o capital da empresa. As coisas estavam mudando, começamos a criar um conselho e uma estrutura de governança mais sólida, assumindo um maior grau de responsabilidade e conquistando uma participação importante no mercado. Fizemos o IPO em 2017 na Bolsa de Nova York.
Todos esses momentos foram fundamentais para o nosso amadurecimento e aprendizado. Em 2019, encerramos o ciclo da Netshoes com a venda para o Magazine Luiza. Foi uma jornada empreendedora de ponta a ponta, com altos e baixos, decisões difíceis, mas sempre buscando dar o nosso melhor pela empresa e trazendo boas pessoas para o time.
A abertura de capital é sempre um marco importante, mas desafiador. Quais foram os principais desafios da vida pós-IPO e quais estratégias você encontrou para lidar com a nova realidade?
Um dos maiores desafios foi realizar o IPO no exterior. A Netshoes se tornou a primeira empresa de e-commerce genuinamente brasileira a ser listada na Bolsa de Nova York. Foi um movimento inédito, com um grau de dificuldade altíssimo, já que nenhuma empresa brasileira tinha feito algo parecido até então. Tivemos que investir muita energia e dedicação para aprender ao longo do processo.
Além disso, a Netshoes era uma empresa jovem, e o nível de experiência necessário para lidar com a volatilidade do mercado era algo que faltava. Enfrentar oscilações de preço na bolsa exige preparação, tanto técnica quanto emocional, e percebemos que podíamos ter treinado melhor o time para enfrentar essa verdadeira montanha-russa, tanto interna quanto externa.
Com base nas experiências da Netshoes, como tem sido liderar a ZiYou nos últimos dois anos, frente aos reajustes de mercado, às altas taxas de juros e à redução do volume de investimentos?
Sou formado em Economia e a primeira coisa que aprendi foi que o investimento é inversamente proporcional à taxa de juros. O Brasil tem um potencial imenso, mas só vai deslanchar de verdade se houver uma taxa de juros decente, que permita a captação de recursos de forma viável. Temos empreendedores ótimos, criativos e extremamente resilientes, mas que enfrentam o enorme desafio do alto custo de capital.
Em 2023, a ZiYou captou R$ 20 milhões e hoje gera caixa operacional. Ultrapassamos o break-even e estamos trabalhando com EBITDA positivo, mas isso não significa que foi fácil. Mesmo com experiência, empreender no Brasil continua sendo desafiador. Para atrair mais investimentos, precisamos de segurança jurídica, equilíbrio fiscal e taxas de juros mais baixas. Esse trio pode transformar o Brasil em um destino muito mais atrativo para o capital.
Estamos sendo extremamente criteriosos com os investimentos. O modelo pré-pandemia, de valuations estratosféricos e gastos à revelia, já não funciona mais. Agora, o empreendedor precisa ser diligente e consciente de que a companhia precisa crescer com os próprios recursos. Pode ser que essa dinâmica mude no futuro, mas, é o caminho mais sensato neste momento.
Considerando os aprendizados colhidos com a Netshoes, o que você gostaria de fazer igual e o que espera fazer diferente agora com ZiYou?
Busco trazer para a ZiYou os grandes valores que fizeram parte da trajetória da Netshoes, como simplicidade, ética, agilidade e respeito. Esses pilares formam o DNA que quero replicar aqui. Sempre reforço com o time a importância de acreditar que é possível e de manter a execução simples. Isso elimina muitas complicações desnecessárias no dia a dia e nos ajuda a avançar com mais eficiência. Assim como na Netshoes, quero combinar esses valores com um ritmo consistente de execução na ZiYou.
Ao mesmo tempo, quero evitar as distrações que surgiram ao longo da jornada da Netshoes. Aprendi que é importante respirar e avaliar melhor antes de tomar decisões, para evitar caminhos que, mais tarde, trarão algum arrependimento e nos farão voltar para trás. Meu foco agora é manter o time alinhado e sem distrações, mesmo diante de pressões externas.
A simplicidade tem um papel fundamental nesse contexto, especialmente no cenário atual de mercado. Não dá para se dar ao luxo de ter uma estrutura inchada, gastar nem necessidade ou investir em iniciativas sem retorno claro. Cada real investido tem que ser muito bem analisado.
Como define o momento atual da ZiYou e quais as prioridades?
Conseguimos nos consolidar em um mercado que praticamente não existia e, agora, estamos focados na expansão para todo o país. Nosso modelo de negócios já está bem definido, é sustentável e tem agradado os clientes. O foco segue no crescimento sustentável, com melhorias contínuas na plataforma e nos equipamentos que oferecemos.
Hoje, atendemos as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e estamos em processo de expansão para diversas cidades nessas áreas. Ainda não chegamos ao Norte e Nordeste, mas estamos avaliando alternativas para levar nossa operação a essas regiões.
Raio X – Marcio Kumruian
Um fim de semana ideal tem… Família
Um livro: “A Cauda Longa”, de Chris Anderson
Uma música: “Tempo Perdido”, de Legião Urbana
Uma mania: Sair sempre no horário
Sua melhor qualidade: Gerar emprego e motivar o time a trabalhar