Quando criança, Mariana Vasconcelos tinha o sonho de ser detetive e trabalhar no FBI. Natural de Itajubá (MG), cresceu em uma família de empreendedores e pequenos produtores rurais, próxima do campo e em contato direto com as dores do setor, principalmente em relação à falta de dados e tecnologia.
Com apenas 16 anos, ela foi emancipada pelo pai para tocar a padaria da família, dividindo o seu tempo entre as demandas do negócio, a faculdade de administração e o sonho de empreender. Com 23, uniu-se a dois amigos de infância para criar a Agrosmart, plataforma de inteligência para o monitoramento das lavouras. Atualmente, a startup fornece tecnologia para cerca de 100 mil produtores em 48 milhões de hectares do agronegócio pelo país, e faz parte do programa de Corporate Venture Capital (CVC) da Positivo.
Recém-chegada de Dubai, nos Emirados Árabes, onde participou da conferência climática COP 28, Mariana participou de um papo de peito aberto com o Startups. Nesta conversa, ela compartilhou suas perspectivas sobre o setor de agtechs no Brasil, incluindo os desafios de captação para startups do segmento, os avanços de participação feminina no agronegócio, e os planos da Agrosmart no próximo ano, com crescimento sustentável, captação para investir em avanços de produto e projeção de atingir o breakeven em 2024.
Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa:
Você começou a empreender cedo e criou a Agrosmart com apenas 23 anos. Como chegou à ideia de unir a tecnologia com o universo que você já conhecia, do campo?
Minha família é muito empreendedora, tanto com a fazenda quanto com a padaria. Meu avô faleceu quando meu pai ainda estava estudando. Ele teve que deixar a faculdade para tocar a padaria e tinha medo que o mesmo acontecesse comigo, ou seja, que ele falecesse e eu tivesse que tocar os negócios sozinha, sem saber como. Então, com 16 anos meu pai me emancipou para que eu pudesse cuidar da padaria, tocando o negócio da família e já aprendendo a lidar com o fornecedor e os clientes.
Mas sempre tive uma paixão por tecnologia. Na universidade, pude me aproximar de pessoas e cursos com foco em empreendimentos tecnológicos. A Agrosmart foi uma jornada. Eu e o Raphael Garcez Pizzi já tínhamos criado outras duas empresas antes, que não deram certo por diferentes motivos. Depois, o Thales Nicoleti se juntou e criamos a Agrosmart. Naquela época, minha empresa anterior já vinha focada em desenvolver soluções de Internet das Coisas e inteligência artificial para a indústria 4.0. Em certo momento, a gente precisou criar usos de caso para tecnologia, e um dos usos de caso foi na agricultura, justamente por eu vir de uma família do agro e meu pai ser produtor. Eu conhecia o problema de não ter dados e informações neste setor.
Fizemos um primeiro protótipo no Startup Weekend para provar o uso de caso daquela solução, e vencemos a competição. No entanto, ficamos quase um ano ainda na ideia antiga, até decidir pegar esse uso de caso e transformá-lo em uma empresa de verdade para que o Brasil tivesse realmente o potencial de ser um líder do mercado. Foi difícil empreender em um ecossistema incipiente, lá em 2014. A gente não sabia o que fazer. No início, nossa mentalidade não era de startup, era simplesmente de querer resolver um problema com o produto. Ao longo da jornada, aí sim começamos a pensar o modelo de negócio e fazer as adaptações para criar algo escalável.
Quais os maiores perrengues que você passou como CEO da Agrosmart?
Eu não estava preparada para nada do que fiz. Ter que ser muito técnica foi um dos primeiros desafios. Fazia faculdade de administração; estudava à noite, tocava a padaria de dia e estava tentando empreender. Faltava tempo.
Por ser mulher e jovem, as pessoas não compravam o meu pitch e a minha ideia. Tive que aprender agronomia, aprender a desenvolver para assim conseguir discutir de igual pra igual, tanto para gerir a minha equipe quanto para provar pros clientes que era uma boa solução. Foi difícil rodar, falar e nunca ser escutada, e ainda ser deixada de fora. Nas primeiras vezes que frequentei os eventos do ecossistema passei por várias situações de ser isolada, de investidores não me ouvirem. Foi um desafio não deixar de acreditar em mim mesma porque os outros não acreditavam.
Outro desafio foi dar o primeiro salto de escalabilidade do negócio, de 2018 para 2019. A gente cresceu escalando muitos sensores em campo, fomos a primeira startup a realmente fazer isso, a colocar online e observar os dados em tempo real. Mas tivemos vários problemas com o sensor, que parava de funcionar, dava errado. E em uma indústria que não tinha sido testada a céu aberto, com químico, com condições extremas de tempo. E a gente não tinha estruturado muito bem uma área de customer success e, ao mesmo tempo, fazia o processo de debugging de engenharia para entender onde estava o problema.
Não era problema só do meu produto, envolvia toda uma cadeia de suprimentos. Encontrar onde está o problema e resolver a falha fez com que a gente gastasse muito mais capital do que estávamos preparados e o nosso dinheiro acabou antes do prazo. Passamos por todo aquele drama de ter que fazer uma rodada de fundraising. Eu não sabia fazer rodada de captação, expandir o negócio. Não sabia falar espanhol, e aprendi no meio dessa jornada. São vários perrengues, e não deixam de acontecer nunca.
Você percebe algum avanço na participação feminina no agronegócio e no mercado de agtechs em geral?
No agronegócio, vejo uma grande melhoria. Foi um trabalho de várias pioneiras. É importante ter os role models, as pessoas em que podemos nos espelhar. E houve uma evolução do ecossistema. De uma mulher fazer, a outra fazer e gente dizer “não estou sozinha, temos uma a outra e estamos nos apoiando”. Hoje, existem grandes redes de mulheres no agro e vejo cada vez mais mulheres à frente de fazendas, de negócios e cargos executivos, como a Malu Nachreiner, presidente da Bayer no Brasil.
Tudo isso é muito novo e acho que está engajando, e aumentando cada vez mais a consciência que tem espaço para nós e que somos essenciais para a agenda de transição tecnológica e de sustentabilidade. Em agtech, espero que isso aumente. Olhando para os setores de startups, acho que esse é o setor que menos tem mulheres. Mas acho que essa mudança será uma consequência de ter mais mulheres no agro em geral.
Embora o Brasil seja uma potência agrícola, ainda não temos uma startup unicórnio neste setor. Quais são os principais desafios para alavancar o mercado e o que falta para o ecossistema chegar nesse estágio?
Sem dúvida o Brasil é um dos maiores mercados, e o principal na América Latina. Considerando a potência que a gente tem na produção e exportação de commodities agrícolas e serviços ecossistêmicos, não faz nenhum sentido a gente não ser potência de startups para o setor de agro e sustentabilidade.
Acho que um dos motivos é a falta de aporte. O volume investido em agtechs vem crescendo exponencialmente, seja no mercado de investidores-anjo ou no de aportes seed, que vêm crescendo e olhando para esse setor – embora ainda com muita reticência, porque o agro é um mercado mais lento comparado com outros, com transições que ocorrem em intervalos maiores. Mas o gap ainda é muito grande.
As grandes agtechs dos Estados Unidos são empresas que levantaram US$ 100M, US$ 200M, US$ 300M como a Inari, Indigo Ag, Farmer Business Network, Arablo. A expectativa de ser unicórnio em um país onde as empresas da região levantam de US$ 1 milhão a US$ 5 milhões, e a maioria fica nos seed rounds de US$ 500 mil, nos coloca em uma realidade muito longe, com um cenário de gap de financiamento necessário para atingir esse marco.
Ainda assim, acho que a gente tem grandes progressos. A Agrosmart é hoje a 7ª maior startup do mundo em hectares digitalizados, e uma das maiores em termos de contato direto com o produtor rural, brigando inclusive com a FieldView, da Bayer, que foi negociada a US$ 1 bilhão – mas com um capital infinitamente menor do que que foi levantado por ela. Então existe um gap muito grande, precisa de muito mais capital. Precisam ser investidos mais de US$ 3 trilhões para que a gente consiga atingir as metas de descarbonização de 2030, e grande parte disso tem que chegar nas agtechs. Mas ainda não vejo essa proporcionalidade nos fundos, com a velocidade de entender e ter apetite pelo setor.
Quais as prioridades da Agrosmart para 2024?
Crescimento do produto de analytics. A gente construiu uma base de 100 mil produtores rurais, que totalizam mais de 48 milhões de hectares monitorados, com os mais de 8 mil sensores colocados na região. Conseguimos entregar muito bem o valor para o produtor rural.
Acabamos de lançar a plataforma de inteligência de dados Nexus, com foco em aproveitar os dados criados, principalmente os dados climáticos, para abastecer a cadeia de suprimentos de outras indústrias e entender melhor o risco climático, apoiando a agenda de mitigação e adaptação. Temos o foco de crescer essa parte da empresa, utilizando muita ciência de dados e inteligência artificial para aproveitar esse ativo e gerar inteligência que ajude o produtor, que segue no nosso centro, e o conecte a outras partes da cadeia.
E queremos fazer isso com rentabilidade, que provavelmente é a agenda prioritária de quase todos os empreendedores nos últimos dois anos. O objetivo é crescer, mas de maneira mais sustentável. Esse movimento já vinha acontecendo. No início, nosso modelo de negócio era muito intensivo de capital porque a gente tinha que colocar os sensores para começar a ter os dados e só a partir daí poder criar modelo, já que em países emergentes como o Brasil – e nove anos atrás – ainda não havia dados disponíveis.
Colocar os sensores não era lucrativo e não dava o retorno que a empresa precisava, mas era a base para podermos gerar o SaaS (Software as a Service). Quando finalmente lançamos o SaaS, começamos a ter recorrência e a equilibrar as pontas. O Nexus nasce como mais uma maneira de monetizar os dados que já existem. Nossa jornada rumo à rentabilidade vem acontecendo nos últimos cinco anos, 2023 foi um ótimo ano. Tivemos lucro algumas vezes, embora ainda não seja um negócio estável em breakeven, mas estamos chegando nesse caminho e em 2024 devemos atingir o ponto de equilíbrio.
Além disso, estamos captando uma rodada de até US$ 5 milhões (aproximadamente R$ 25 milhões), e metade do dinheiro já está comprometido. O objetivo do aporte é fortalecer a equipe, focada no produto de analytics da Agrosmart.
Raio X – Mariana Vasconcelos
Um fim de semana ideal tem: tempo na roça sem fazer nada
Um livro: “Dar e receber”, de Adam Grant
Uma música ou artista: “I Won´t Back Down” – Tom Petty
Uma mania: Mexer no cabelo
Sua melhor qualidade: Empatia