Durante boa parte de sua vida, Natalia Lima achou que seria médica. Até que, prestes a prestar o vestibular, decidiu mudar os rumos para a engenharia e, mais futuramente, o mundo dos negócios e da finanças. Desde 2022, ela lidera a área financeira da Nomad, fintech que oferece aos brasileiros uma conta bancária nos Estados Unidos e acesso a uma plataforma completa para investimentos internacionais.
Natural do Rio de Janeiro, Natalia iniciou sua carreira nos Estados Unidos como parte da gigante de serviços financeiros UBS e foi vice-presidente da Pimco, companhia norte-americana de gestão de investimentos, por seis anos. Em 2020, já de volta ao Brasil, assumiu o cargo de CFO do Xerpay, fintech de antecipação de salários adquirida pela Betterfly em 2021.
Em um papo de peito aberto com o Startups, Natalia compartilhou os maiores perrengues e aprendizados de sua jornada profissional. Além disso, ela relembrou a experiência da Nomad ao captar a sua série B de US$ 61 milhões em meio a um cenário desfavorável de instabilidade macroeconômica e falou sobre as prioridades da fintech para 2024, com foco em crescimento sustentável. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa.
O que a Natalia criança pensava em ser quando crescesse?
A Natália criança queria ser médica. Na verdade, a adolescente e vestibulanda também. Inclusive, quando encontro pessoas da infância elas perguntam pra mim se segui essa profissão, porque era algo que eu falava bastante e tinha uma certa paixão sobre isso. Nas vésperas do vestibular, busquei mais orientação sobre as profissões e o que elas significavam. Foi quando me deparei com o fato de que queria a medicina por ser algo que pensava desde pequena, não por de fato estar envolvida com os desafios, os interesses e as expertises da profissão.
Aos 45 do segundo tempo, prestei vestibular para Engenharia de Produção na Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ufrj), não necessariamente com uma visão engenheira, mas com uma visão mais de negócios. Optei por um curso que me ajudasse a explorar coisas mais amplas, inclusive o mundo das finanças, mas nunca considerei uma pessoa que tem isso no DNA ou na família, apesar de hoje o meu pai trabalhar com Economia.
Uma parte muito importante da minha trajetória foi quando decidi transferir a faculdade do Brasil para os Estados Unidos, não só para acompanhar meus pais em um momento que eles estavam se mudando, mas principalmente porque vi aquilo como uma grande oportunidade. Desde criança, estudar fora já era um grande desejo. Não continuei com a Engenharia, optei por Business e foi lá que comecei a me interessar mais pelo mundo das finanças, começando pela área de investimentos.
Uma coisa que me chamou muito a atenção foi o ritmo acelerado – algo que sempre teve a ver comigo – e visão ampla e intelectual dos assuntos. Discutir muitos temas interessantes e analisar de que forma eles impactavam a economia global ou alguma economia e empresa específica.
Quais os maiores perrengues que você passou profissionalmente e o que você aprendeu da experiência?
Em 2012, na época em que estava na UBS aconteceu o furacão Sandy, que passou por diversos países e afetou o estado de Nova York, onde eu morava. Algumas partes da cidade foram afetadas, ficaram sem luz e água e eu acabei indo para a casa de alguns amigos enquanto tentava lidar com esses problemas. Naquela madrugada, a UBS enviou um email para todos os seus colaboradores com um assunto que não esqueço até hoje: “UBS acelera a implementação de sua estratégia”.
A mensagem inteira era sobre como eles iam eliminar várias áreas da organização e mandar várias pessoas embora. Nos dias seguintes, enquanto todos funcionários da UBS de Nova York estavam vivendo em função de fazer reparos nas suas casas e estavam desalojados, as pessoas começaram a receber ligações com a notícia da demissão ou a ir no escritório e descobrir que o crachá não estava funcionando.
Eu tinha terminado a faculdade há apenas alguns anos e a empresa cortou todos os funcionários que entraram na minha época. Muita gente estava indo super bem, estava prestes a ser promovida e se deparou com a situação de que até seus próprios chefes estavam sendo desligados e não podiam fazer nada para impedir isso. Foi um momento muito difícil.
Foi quando comecei a refletir muito sobre as minhas oportunidades na engenharia de produção, sobre morar fora, ter transferido a faculdade e tudo o que eu já tinha conseguido. Percebi que era um desafio no meio de um monte de coisa legal que eu vinha construindo ao longo do tempo, e que eu tinha que ter a confiança de que conseguiria passar por isso.
Buscando outras oportunidades, acabei voltando para o Rio de Janeiro. Uma decisão também difícil, mas que virou uma lição de vida. Encarei essa decisão da forma que hoje em dia eu encaro muitas coisas, consciente de que as decisões não são escolhas definitivas. É só mais uma escolha, não necessariamente a escolha de uma vida inteira. Quando voltei para o Brasil, as pessoas me perguntavam se ficaria aqui para sempre, se tinha vindo para ficar e eu dizia que voltei agora, neste momento estou aqui. Falar “para sempre” é muito tempo. Isso passou a ser uma certa filosofia para mim.
Atualmente, quais são os seus principais desafios como CFO da Nomad?
Ser CFO de uma startup é muito interessante e desafiador. É comum em uma startup que o financeiro demore mais para amadurecer do que o produto e os investimentos em crescimento. A gente tirou a área financeira do chão e estamos cada vez mais amadurecendo essa área, e fazendo isso rapidamente por causa de todo o crescimento e o sucesso que a Nomad vem conquistando.
O Lucas Vargas, CEO da Nomad, fala muito que o caos é ótimo. E como CFO, viver com esse caos é um desafio. Tenho que tentar organizar as partes necessárias de um caos, estabelecendo processos e fazendo com que a empresa caminhe para operar com rentabilidade – algo que tem sido um grande foco. Mas, ao mesmo tempo, tenho que dar corda e ser parceira de um crescimento muito acelerado que traz consigo o desconforto e o caos que o Lucas tanto fala, e traz uma certa desorganização que faz parte da nossa essência.
A Nomad captou US$ 61 milhões em 2023. Um valor já significativo, mas principalmente nas circunstâncias de mercado. Como foi captar naquele momento?
Captar é algo que traz muita humildade. A gente tem muita confiança no que estamos construindo, com ótimos resultados e nos sentimos muito privilegiados de estar nessa posição e saber que – como parte do portfólio dos nossos investidores e em comparação com o setor em geral – temos conseguido realmente fazer uma história de bastante sucesso. Mas ainda assim é bem desafiador.
Você tem que fazer muitas conversas para conseguir amadurecer tanto o seu próprio processo, quanto trazer interessados nas linhas do que você está buscando. Tem sempre muito aprendizado envolvido em um fundraising. Uma rodada traz muitas perguntas. A gente tenta se preparar muito bem, preparar diversos materiais e olhar todo dia para o negócio. Embora eu ache que a gente entende muito bem, é muito interessante ver pessoas de fora e cada um contribuir para isso com suas perguntas e seus olhares diferentes. Isso sempre traz muito benefício do que a gente está querendo construir.
Quais as prioridades da Nomad para 2024?
Crescer continua sempre como o objetivo número um. Ano passado fizemos um bom trabalho para entender o nosso negócio. Então, tem sido um processo muito sobre crescimento sustentável. A gente vê o setor se expandindo muito e a concorrência aumentando, o que traz desafios mas também muita oportunidade. Quando isso tudo começou, acho que a gente não tinha noção do quanto conseguiríamos, de fato, construir essa narrativa e fincar a bandeira de que você precisa ter uma conta em dólar e ter parte do seu patrimônio em dólar.
E 2024 é muito sobre isso, ou seja, como a gente consegue garantir a posição nesse setor e, ao mesmo tempo, garantir que o setor está se consolidando e que, cada vez mais, isso vai se tornando uma verdade para todos os brasileiros.
Como é a sua rotina, um dia típico da CFO da Nomad?
Gosto muito de começar o meu dia com exercício físico. Isso foi algo que nos últimos anos, entre a maternidade e a profissão, abri mão, mas esse ano coloquei como meta para começar bem o dia. Faz parte do meu desenvolvimento pessoal.
O dia se resume em olhar resultados da Nomad, algumas reuniões com o meu time e com a diretoria. Outra parte que se tornou muito importante é separar um tempo sem reuniões para conseguir focar nas coisas que a gente quer empregar e nas melhorias que vamos fazer, principalmente nesse amadurecimento da Nomad e dos nossos processos. Para finalizar, tem que ter um tempo para ficar com o filho, então essas são as prioridades que vou tentando equilibrar.
Raio X – Natalia Lima
Um fim de semana ideal tem: Muita atividade
Um livro: “Tudo é rio”, de Carla Madeira. Destaque também para “Torto arado”, de Itamar Vieira Junior
Uma música favorita: “Your Body Is a Wonderland”, John Mayer
Um prato preferido: Arroz, feijão, bife, batata-frita e farofa
Para relaxar: Não relaxo muito, mas o exercício físico faz bastante parte desse processo
Uma mania: Acordar a mil, bem acelerada
Sua melhor qualidade: Determinação e resiliência, estar confortável no desconforto. Saber que isso faz parte do processo e ter uma meta bem clara