Rafael Vignoli sempre teve o desejo de empreender, mas encontrou a coragem que faltava ao sofrer uma perda familiar que o fez mudar os rumos da sua vida profissional. Depois de um período empreendendo no ramo da saúde, ele decidiu criar a Lemon em 2019, apostando no promissor mercado das climate techs, como são chamadas as startups que desenvolvem produtos e serviços voltados às soluções climáticas.
A empresa desenvolveu um marketplace que conecta produtores de energia solar a pequenos e médios negócios, com a missão de levar energia mais barata e sustentável para os negócios e gerar um impacto positivo em toda a sociedade. A proposta atraiu grandes fundos como Kaszek e Lowercarbon Capital, que em meados do ano passado investiram R$ 60 milhões na série A da startup.
Em um papo de peito aberto com o Startups, Rafael falou sobre os aprendizados da jornada empreendedora, o potencial do mercado de energia limpa no Brasil e o papel da Lemon para fomentar o mercado nacional de climate techs. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa.
Quais foram as motivações para empreender no setor de energia?
Sempre tive muita vontade de empreender, mas nunca tinha tido a coragem. Sempre deixava para depois e arrumava alguma justificativa. Mas com 26 anos, perdi meu pai de forma repentina, e essa foi a grande virada de chave na minha vida. É clichê, mas a vida realmente é curta. Então o medo de empreender deixou de existir, decidi dar a cara a tapa, fazer o que realmente acreditava e ir atrás dos meus sonhos. Três meses depois que ele faleceu, comecei a empreender. Meu primeiro negócio foi na área da saúde, gostei dessa coisa de ter uma ideia, tirar do papel e impactar a vida das pessoas. Me encontrei, achei minha grande motivação.
A Lemon surgiu depois que comecei a entender um pouco mais sobre energia limpa e o quanto a transição energética impactava a questão das mudanças climáticas. Percebi que o setor, embora grande, relevante e com bastante geração de impacto, ainda é muito analógico de maneira geral. A tecnologia ainda não desempenhou um papel como fez no setor financeiro. Vi uma oportunidade clara de colocar tecnologia no coração do setor de energia e fazer algo diferente. Uni a minha vontade de construir negócios de impacto com a minha compreensão sobre transição energética, mudança climática e como a tecnologia pode fomentar e destravar isso.
Quais foram os principais desafios da sua trajetória?
Na minha primeira empresa, não tive investidor. Montei um plano de negócios e tudo que imaginei que aconteceria, não aconteceu. Tive que me virar nos 30. Usar o próprio dinheiro, muitas vezes um dinheiro que não tinha, e abrir mão de muita coisa na vida pessoal. Empreender envolve muita resiliência e paciência pois dificilmente as coisas acontecem no tempo que você gostaria. É preciso foco na execução para conseguir, de fato, realizar o que deseja.
Empreender é, acima de tudo, aprender sobre si mesmo. É importante entender quais são os seus pontos fortes, fracos e, principalmente, como você pode potencializar os seus potenciais e amenizar suas fraquezas. Meu principal aprendizado é sobre pessoas. Ter sucesso e desenvolver um negócio tem muito a ver com quem você traz para construir o sonho com você. Se você quer construir um negócio que tem escala, com impacto transformacional, nunca vai fazer isso sozinho. Precisa de gente boa que acredita em você, no seu sonho e sonha junto contigo para alçar voos maiores. No meu primeiro negócio, eu era o cérebro inteiro. CEO, CFO, o CMO, tudo. Isso te limita e, naturalmente, várias petecas caem.
Você falou que no início da jornada empreendedora teve que abrir mão de muitas coisas da vida pessoal. Como está isso atualmente, consegue administrar melhor as demandas?
Emocionalmente falando, estou muito mais maduro. É difícil alguma coisa me pegar, no ponto de vista emocional, pois já passei por muita coisa. Quando aparecem as dificuldades, coloco um pouco mais as coisas em perspectiva, com calma para poder resolver.
Meu filho nasceu recentemente, então minha vida mudou bastante. Em termos de rotina, fiquei mais chato com o meu tempo. Acordo umas 5h40, faço exercício das 6h às 7h. Fico com o meu filho até umas 9h e depois começo a trabalhar. Você começa a ficar um pouco mais chato, com disciplina de horário, gastando o tempo de uma maneira que dando preferência para o que é prioridade na sua vida, no meu caso, família, saúde e trabalho.
A Lemon anunciou que recebeu um grande aporte – R$ 60 milhões – há pouco mais de um ano. O que avançou na empresa desde então?
Praticamente dobramos o time, abrimos mais praças e temos crescido bastante em faturamento. Hoje estamos na posição de quem pode alçar voos ainda maiores, um caminho bem positivo, talvez um pouco na contramão do mercado, para crescer de forma cada vez mais sustentável. Estamos animados, a ideia é virar o primeiro unicórnio no setor de energia.
A gente espera impactar ainda mais pequenos e médios negócios, levar energia limpa para mais pessoas e ter mais usinas. A Lemon tem um impacto forte no ponto de vista de economia financeira para os pequenos negócios no Brasil, um impacto também de sustentabilidade por oferecer uma energia mais limpa, e um impacto social, pois trabalhamos com usinas menores, o que apoia a geração de empregos. Ganhar escala significa que estamos mudando a vida de bastante gente.
Tenho uma visão super de longo prazo, com potencial de ser transformacional no setor de energia. Consigo imaginar a empresa daqui a 10-20 anos. Mais do que ser um unicórnio, a questão da mudança climática é a grande problemática da sociedade atualmente. Mesmo a Lemon conseguindo ter escala e sendo muito bem sucedida, não vai ser suficiente. Estamos construindo mais do que uma empresa: uma ideia inspirando novas pessoas a empreenderem no mercado de climate tech, que ainda é um setor muito tímido no Brasil.
A gente precisa de mais gente querendo empreender nesse espaço. Não faz sentido pensar em mudanças climáticas sem o Brasil ter um papel muito relevante. Como sociedade, estamos começando a entender mais o tema. Os fundos estão começando a olhar mais para a vertical de climate tech, surgem algumas gestoras especializadas. É um ecossistema que está começando a se formar. Falta mais informação, falta mais capital direcionado para o mercado, e vejo que isso está começando a acontecer. Houve o boom das fintechs e vai ter o das climate techs também, especialmente quando começaram a surgir as primeiras histórias de grande sucesso. Acho que a Lemon tem a responsabilidade de dar esse passo rápido para atrair mais capital, novos empreendedores e fomentar o ecossistema.
Raio X – Rafael Vignoli
Um fim de semana ideal tem: Sou bem caseiro, então sol e piscina com meu filho e minha esposa
Um livro: “Speed & Scale”, de John Doerr
Uma música favorita: “Relicário”, de Cássia Eller e Nando Reis
Um prato preferido: Strogonoff
Uma mania: Ficar me contorcendo
Sua melhor qualidade: Resiliência