O português Rui Brandão veio ao Brasil para ficar 9 meses. Mas quando deparou-se com o acolhimento dos brasileiros e a oportunidade de impactar a sociedade com o seu trabalho, decidiu ficar. E isso já faz 10 anos.
Médico por formação, ele fundou o Zenklub em fevereiro de 2016, após sua mãe sofrer burnout. A startup se posiciona como especialista em saúde emocional corporativa, oferecendo serviços de bem-estar e saúde emocional para mais de 400 empresas como Ambev, XP, Raia Drogasil, Volkswagen, Shopee, Zé Delivery, Elo7, entre outras.
A healthtech aproveitou o boom da pandemia de aumento da procura por soluções de saúde mental para os colaboradores. De 2019 para 2021, o volume de consultas online realizadas na plataforma cresceu 1059%, chegando a 603 mil consultas no último ano. O número de vidas cobertas aumentou 1664%, chegando a 300 mil vidas. De 2020 para 2021, cada cliente fez 31% a mais de consultas e o faturamento total da startup saltou 154%.
Em um papo de peito aberto com o Startups, o empreendedor falou sobre o potencial do mercado de saúde mental no Brasil, o impacto da pandemia no setor e o momento atual do Zenklub. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa.
O que fez você vir para o Brasil e como foi o período de adaptação?
Vim no último ano da faculdade de Medicina e para fazer mestrado. O plano era ficar 9 meses, mas já estou aqui há 10 anos. Duas coisas me motivaram a ficar. Gostei muito da abertura do povo brasileiro, da facilidade que tinha para me relacionar com médicos, professores, uma relação muito próxima. A afetividade e o acolhimento típicos do povo brasileiro. Na Europa as coisas são um pouco mais rígidas nessa relação.
Além disso, percebi o quanto era possível ter um impacto gigantesco no país – pela quantidade de pessoas e por tudo que ainda pode ser criado. Tudo isso me motivou a começar minha carreira de médico no Brasil. Não tinha pensado em empreender, minha visão era no futuro ser um médico em uma cadeira executiva, porque entendia que era importante olhar para o sistema.
As faculdades formam excelentes profissionais todos os anos. O grande problema na saúde é como o sistema opera, como hospitais, médicos, seguradoras, laboratório e os pacientes podem operar de forma muito mais eficiente e com uma melhor experiência, inclusive para o usuário, para que as pessoas sejam mais proativas no cuidado da saúde, e não reativas.
Qual foi a virada de chave para você decidir empreender e criar o Zenklub em uma época que praticamente não se falava em saúde mental?
Tive alguns desafios burocráticos para ser contratado e começar a residência, passei até um tempo nos Estados Unidos para fazer a residência de cirurgia vascular. No Brasil, fiz um MBA na Fundação Getulio Vargas (FGV) e, no mesmo período, minha mãe adoeceu. A questão emocional mexeu muito comigo, porque a experiência familiar foi traumática. Sair do contexto de saúde que eu estava antes começou a ferver. Ficou muito claro que saúde mental era uma área que precisava ser endereçada.
É uma área negligenciada, que ninguém estava falando na época. Decidi começar a minha própria empresa, com a mentalidade que acredito que fomente que as pessoas cuidem da sua saúde. Enfrentamos duas objeções no início: a crença de que saúde não poderia ser digital, e que o paciente precisava ir até a clínica ou hospital para ser atendido, e o fato de as pessoas não falarem de saúde mental. A maior resistência vinha dos profissionais, então nos preocupamos em nos aproximar deles. Acho que em 2016 tomei uns 200 cafés com psicólogos. Sabia que o Zenklub teria que ser uma instituição que passasse credibilidade e conforto.
De que forma os negócios foram impactados pela pandemia, que colocou a saúde mental no centro de diversas discussões em todo o mundo?
Antes da Covid-19, o Zenklub teve 4 anos para construir e evoluir o produto. O que antes tínhamos que empurrar para as pessoas adotarem, de repente começou a ser puxado por todo mundo. Em março e abril de 2020, saltamos de 100 cadastros de profissionais para mais de 3 mil.
No início, nossa mentalidade era educar o mercado sobre o tema saúde mental e saúde digital. Com a pandemia, as pessoas entenderam isso, e passamos a adotar uma mentalidade de dar sustentação ao crescimento que estava por vir. Como melhorar os fluxos que ainda estavam quebrados para dar vazão à alta procura.
Até achei que em um cenário de crise haveria um corte de gastos. Mas as pessoas físicas e jurídicas realocaram suas despesas para investir no cuidado da saúde mental, e as empresas buscaram a nossa ajuda. O divisor de águas foi quando grandes marcas procuraram o Zenklub para fazer parcerias com elas – Natura, Nubank, Banco do Brasil.
Como vocês estão lidando com a conjuntura macroeconômica atual e quais têm sido as estratégias do Zenklub para se adaptar?
Estamos muito bem estruturados, com a mentalidade de priorizar projetos que tenham retorno, esforço e nível de confiança claros. Estamos muito mais disciplinados nesse sentido. Com isso, estamos com o número de pessoas certas, a empresa está redonda e bem planejada para os próximos dois anos. Temos sócios grandes [o Zenklub levantou R$ 45 milhões em 2021 em rodada com SK Tarpon, GK Ventures, Indico e Kamaroopin], e é muito bom saber que conquistamos a confiança deles.
Cada vez mais as empresas estão pedindo saúde emocional. Em 2020 era ‘por favor, me acode’. Hoje, as companhias estão se profissionalizando, e o Zenklub é um parceiro que ajuda a escalar esses projetos. Temos capital interno, esperamos atingir o break-even este ano. Houve conversas [sobre uma potencial nova rodada de investimentos], mas não é a prioridade. A prioridade é executar de forma eficiente o plano de 2023.
Empresas pequenas valorizam muito a saúde mental, muitas vezes é o primeiro benefício oferecido ao colaborador. Em janeiro lançamos a esteira para que qualquer empresa possa aderir ao Zenklub, o que nos dá uma capacidade grande de escala. Hoje temos muito volume de empresas, pessoas e consultas – agora, estamos na etapa de trazer eficácia clínica.
Raio X – Rui Brandão
Um fim de semana ideal tem: amigos
Um livro: “A regra é não ter regras”, de Erin Meyer e Reed Hastings, cofundador da Netflix
Um prato preferido: bacalhau com natas
Algo com que não vivo sem: minha esposa
Uma mania: acho que não tenho
Sua melhor qualidade: sou muito presente e disponível, com uma boa capacidade de escuta