A adoção estratégica da inteligência artificial generativa pode injetar até US$ 1 trilhão no PIB da América Latina até 2038, segundo levantamento realizado pela Accenture. De acordo com o estudo ‘O Poder Transformador da IA Generativa’, o Brasil tem a maior fatia da oportunidade, respondendo por cerca de 40% dos ganhos totais do PIB e do valor econômico adicional do território latino-americano.
Para Daniel Lázaro, líder de Dados e Inteligência Artificial da Accenture na América Latina, esse potencial está diretamente ligado às características da região. “Notadamente, a população do Brasil e dos países aqui na América Latina é mais jovem do que a população da Europa e Estados Unidos, também somos criativos e inovadores”, diz, completando que essa combinação coloca a região em uma posição estratégica.
“Globalmente, avaliamos que essas tecnologias podem gerar US$ 10 trilhões em valor até os próximos 15 anos, e a América Latina tem potencial para responder por US$ 1 trilhão desse total – ou seja, 10% da geração de valor global. É bastante coisa”, destaca.
Impacto da IA nos setores produtivos
Um dos dados mais relevantes do estudo, ainda segundo o executivo, é que cerca de 40% das atividades realizadas atualmente no território latino-americano – considerando todos os setores produtivos – têm potencial de ser impactadas pela IA generativa. Esse impacto, no entanto, não se resume à substituição de tarefas. Em muitos casos, as atividades serão automatizadas, mas em outros, serão ampliadas ou completamente redesenhadas.
O grau de impacto, no entanto, varia de acordo com a natureza das atividades de cada setor. Áreas cuja operação depende fortemente de informação, análise de dados e processos digitais – como serviços financeiros, tecnologia, software e telecomunicações – tendem a ser as mais transformadas pela inteligência artificial. Já setores mais ligados ao mundo físico, como mineração, recursos naturais e varejo, devem sentir mudanças mais lentas.
“Quanto mais as atividades típicas dentro de uma empresa têm a ver com informação, análise, produtos digitais, ou seja, menos coisas que envolvem movimentação de coisas no mundo físico, maior é o impacto”, explica o líder de Dados e IA da Accenture.
IA já é realidade, mas não para todos
Outro apontamento feito pela pesquisa é de que, apesar do grande potencial da inteligência artificial, 44% dos líderes brasileiros admitem não estarem prontos para responder às mudanças e se preocupam com a escassez de talentos. Além disso, o medo dos colaboradores em “serem substituídos” ainda permanece: 3 em cada 4 funcionários brasileiros acreditam que a IA impactará ou transformará seus cargos.
Para Daniel Lázaro, isso não significa necessariamente resistência, mas sim a ausência de confiança em três frentes: a organização precisa confiar que a tecnologia trará os benefícios esperados sem gerar riscos inesperados (como custos ou problemas de compliance); os líderes precisam estar equipados para adotar a IA de forma ativa; e os colaboradores, por sua vez, precisam de um ambiente seguro para testar novas formas de trabalhar sem medo de errar.
O profissional compara que a nossa reação enquanto humanidade a essas tecnologias de uso amplo está sendo a mesma de quando chegaram outras tecnologias no passado, como a internet e o rádio. “No primeiro momento a gente não entende direito, depois a gente acha que vai acontecer alguma coisa muito ruim, depois a gente entende que talvez tudo se substitua, e por fim a gente entende que aquilo é um elemento novo no nosso dia a dia”.
Valor humano na era da IA
Diante disso, fica o questionamento: como fica o valor humano na era da IA? Como separar o que deve ser feito por máquinas e o que deve continuar nas mãos das pessoas?
Conforme o líder de Dados e IA da Accenture, sem direcionamento, muitas organizações têm focado apenas na aquisição de ferramentas tecnológicas, sem repensar processos, métodos de trabalho ou a preparação de seus times. Isso cria um cenário barulhento e confuso, no qual colaboradores não sabem como – ou se – devem adotar a IA no dia a dia.
Mais do que substituir funções, a inteligência artificial generativa tem potencial para transformar e ampliar as capacidades humanas. Daniel afirma que a tecnologia pode funcionar como uma espécie de “superpoder”, liberando o talento criativo, analítico e estratégico das pessoas. No entanto, isso só será possível com intencionalidade: é preciso definir quais talentos precisam ser desenvolvidos, como será a formação desses profissionais e de que forma a IA pode impulsionar – e não sufocar – as qualidades humanas. O risco, segundo ele, é que as empresas sigam presas à lógica tradicional de pequenas melhorias de eficiência, sem aproveitar a oportunidade de redesenhar o trabalho.
Esse salto de produtividade não significa apenas fazer mais com menos. Significa fazer melhor, com mais propósito, mais inteligência e mais impacto. O executivo reforça que a pergunta central que os líderes devem se fazer não é onde reduzir a presença humana, mas onde ela é insubstituível. “Se essa discussão não é feita com uma intencionalidade, pode parecer que de cara eu vou precisar de menos talentos humanos, e isso não é verdade”, opina.
Agressivo, cauteloso ou centrado nas pessoas
O estudo da Accenture propõe três cenários de adoção da IA generativa – Agressivo, Cauteloso e Centrado nas Pessoas – que revelam como diferentes estratégias podem moldar o impacto da tecnologia na economia e no mercado de trabalho.
Para entender melhor do que se trata, no modelo agressivo, a implementação é muito rápida, com foco total na tecnologia. A empresa investe pesado em ferramentas, mas sem preparar sua força de trabalho ou redesenhar processos. “É agressivo no sentido de que é a dimensão onde eu coloco a maior quantidade de tecnologia no mais curto espaço de tempo possível. No curto prazo, gera pouco mais de benefício do que os outros dois cenários, mas não é sustentável porque falta a intencionalidade de repensar processos, capacitar e preparar pessoas e criar esse arcabouço sistêmico de confiança da empresa”, aponta Daniel.
Na direção oposta, o modelo cauteloso prioriza uma evolução orgânica. A tecnologia é incorporada aos poucos, sem estratégia estruturada, permitindo que os colaboradores descubram, por conta própria, como a IA pode melhorar sua rotina, permitindo que as pessoas se adaptem de forma natural às transformações. Aos poucos, o conhecimento se espalha dentro da organização. “Esse cenário demora um pouco mais para a empresa ter benefício, porque não houve nenhum programa de capacitação ou de treinamento. Tá tão orgânico que tá todo mundo usando. É operar de uma forma diferente”.
Por fim, o cenário centrado nas pessoas combina o melhor dos dois mundos: tecnologia e intencionalidade. Aqui, as empresas adotam as ferramentas de forma estratégica, com foco na capacitação da força de trabalho, no redesenho de processos e na criação de um ambiente seguro para inovação.
“Eu tenho intencionalidade na mudança, eu começo desde já a pensar nos impactos, eu começo desde já a capacitar pessoas, eu começo desde já a adotar as tecnologias nos momentos adequados. Esse é o cenário que no curto prazo ele gera um pouco menos de benefício, trabalhando na formação das pessoas e o redesenho de processos, mas como ele é intencional, aí sim eu tô pensando nos processos diferentes, nas pessoas com talento diferente, no meu ecossistema de forma diferente”, esclarece o executivo.