Presente no Brasil desde 2015, a BlaBlaCar completa dez anos de operação em novembro, com mais de 20 milhões de usuários e a posição de maior mercado da companhia francesa desde 2023. Agora, a empresa se prepara para uma nova fase de expansão, buscando se consolidar como o principal aplicativo de mobilidade de longa distância no país e transformar a experiência de viagens intermunicipais.
A jornada começou com o serviço de caronas, apoiado na afinidade natural dos brasileiros com o conceito de comunidade colaborativa. “O Brasil é um país que se constrói por meio de comunidades. O brasileiro tem uma afinidade com esse conceito, e costuma colaborar com muita facilidade”, diz Tatiana Mattos, CEO da BlaBlaCar no Brasil.
O salto veio em 2020, com o lançamento do marketplace de passagens de ônibus, que transformou a BlaBlaCar em uma plataforma multimodal. Desde então, a estratégia tem sido combinar os dois modais e, por meio da tecnologia, oferecer uma experiência fluida ao usuário, independentemente da escolha de transporte.
Hoje, as duas verticais coexistem, mas com papéis distintos. “Ônibus é transporte massivo no Brasil, assim como os trens são na Europa. Já a carona é nichada, serve para preencher lacunas do transporte rodoviário, em mercados não atendidos ou em ocasiões específicas”, explica a executiva.
Esse posicionamento ajuda a entender por que os investimentos recentes se concentram no marketplace de ônibus. Só em 2024, o modal cresceu 150% em volume de viagens, enquanto a carona avançou 35%. Em 2025, até agora, os ônibus já acumulam alta de 70%, contra 15% das caronas.
Adaptando-se ao Brasil
Apesar de o “esqueleto” do produto ser global, a operação brasileira exigiu ajustes específicos. “A plataforma sempre teve ferramentas de segurança e antifraude nos 22 países em que atua. No entanto, no Brasil foi importante tropicalizar e intensificar algumas dessas soluções”, afirma Tatiana.
Entre as medidas estão algoritmos de machine learning com critérios adicionais para monitorar o comportamento dos usuários. Outro ajuste foi limitar a oferta de caronas e duas corridas por dia, evitando o uso comercial da plataforma, que deve se basear apenas na divisão de custos entre motorista e passageiro, e não como fonte de renda. Além disso, foram adicionadas camadas extras de verificação nos pagamentos.
Nos últimos anos, o Brasil ganhou relevância no grupo BlaBlaCar. Tatiana tornou-se a primeira executiva fora da Europa a integrar o comitê global da companhia, ampliando a influência da operação no roadmap mundial. Em 2023, o Brasil ultrapassou a França e se tornou a operação mais importante da empresa. Na época, a plataforma somava mais de 100 milhões de usuários, sendo 17 milhões no Brasil e 25 milhões na França.
Essa expansão, segundo Tatiana, só é possível porque a startup mantém um processo de escuta ativa, em que o feedback dos usuários influencia diretamente os rumos do produto. Além de pesquisas qualitativas, há acompanhamento 24/7 dos canais de atendimento, permitindo ajustes rápidos sempre que a percepção do cliente sai do esperado.
Entre as inovações recentes está a venda cruzada entre carona e ônibus: quando uma viagem de carona é cancelada, o algoritmo sugere automaticamente a opção de ônibus mais próxima e com melhor preço. A lógica é garantir uma experiência confiável e sem atritos, mesmo em situações adversas.
O futuro da BlaBlaCar no Brasil
Tatiana resume a rotina da empresa no país como “matar um leão por dia”. “Todo novo lançamento gera um friozinho na barriga, por mais que a gente identifique que há demanda latente pelo serviço, pois construir um novo mercado naturalmente traz desafios”, comenta a CEO.
Em abril de 2021, a BlaBlaCar fechou uma rodada de US$ 115 milhões e anunciou a aquisição da Octobus, especializada em gerenciamento de estoque para empresas de ônibus. O aporte, liderado pela VNV Global por meio de dívida conversível, foi considerado pelos fundadores um round pré-IPO.
Na época, o CEO global, Nicolas Brusson, afirmou que caso a empresa não abrisse o capital (ou fizesse outro evento financeiro) em breve, a dívida seria convertida em ações com valuation de US$ 2 bilhões.
Em 2024, a Bloomberg Law reportou que a BlaBlaCar levantou uma linha de crédito de € 100 milhões (US$ 108 milhões) para aquisições e expansão antes de abrir o capital. A companhia atingiu seu primeiro ano completo de lucratividade em 2023, após uma pandemia “bastante difícil”, segundo Brusson, mas os planos de IPO seguem suspensos.
Tatiana ressalta que ainda não há previsão para IPO. “O foco hoje é construir uma plataforma multimodal robusta e sinérgica para nossos usuários, ocupando os assentos disponíveis e otimizando a mobilidade rodoviária no país”, afirma.
Para 2025, as prioridades são duas: ampliar o inventário de viagens rodoviárias disponíveis no marketplace de ônibus e aumentar a penetração desse modal na base de usuários de carona, transformando-os em clientes híbridos.
Segundo Tatiana, esse modelo também gera valor para os parceiros rodoviários. “O usuário de carona que migra para o transporte de ônibus via BlaBlaCar dificilmente seria captado por outros canais. A plataforma traz esse valor, com parceiros nos indicando que se trata de uma demanda 100% incremental, sem canibalizar os demais canais”, explica.
A visão de longo prazo é tornar-se o aplicativo de referência em mobilidade de longa distância. O objetivo é ser o “one-stop-shop” de viagens intermunicipais, reduzindo carros individuais nas estradas, otimizando assentos em ônibus e contribuindo para a digitalização de um setor que ainda opera, em grande parte, offline.