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O futuro do venture capital pede mais vozes femininas

Para ampliar o impacto e a inovação no ecossistema, é preciso mais mulheres nas decisões, nos pitches e nos conselhos

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Indústria continua operando com filtros que limitam o acesso de mulheres | Foto: Canva
Indústria continua operando com filtros que limitam o acesso de mulheres | Foto: Canva

*Por Christiane Bechara, sócia e CFO da KPTL

O ecossistema de venture capital e private equity no Brasil ainda reflete uma lógica de exclusão silenciosa. Embora a inovação seja o coração dessa indústria, ela continua operando com filtros que limitam o acesso de mulheres – seja como gestoras, empreendedoras ou conselheiras. Para transformar esse cenário, é preciso intencionalidade. Não se trata de baixar a régua ou fazer concessões: trata-se de ter vontade genuína de abrir espaço, reconhecer talentos e construir estruturas que permitam às mulheres ocuparem esses lugares com legitimidade.

Essa mudança exige uma abordagem sistêmica, que começa por três frentes fundamentais. Primeiro, é urgente ampliar a presença de mulheres nas gestoras e comitês de investimento. Hoje, menos de 12% dos recursos dos maiores fundos de VC do país são destinados a startups fundadas por mulheres. Isso não acontece por falta de competência ou inovação, mas especialmente por ausência de representatividade nos espaços de decisão.

Empreendedoras acabam sendo submetidas a questionamentos mais amplos e que envolvem não apenas aspectos do negócio em si, mas relacionados a questões pessoais, o que não ocorre com os fundadores. Mulheres investidoras tendem a realizar análises mais equilibradas, focadas nas perspectivas da empresa, do modelo de negócios, do mercado, pontos essenciais para o investimento.

Segundo, é preciso fomentar o surgimento de mais mulheres fundadoras. Dados da Abstartups mostram que apenas 19,7% das startups brasileiras são fundadas por mulheres. E entre todas as startups mapeadas, 26,9% não têm nenhuma mulher no time. Isso revela um ecossistema ainda marcado por barreiras estruturais, como o acesso desigual ao capital, redes de apoio limitadas e uma cultura que associa empreendedorismo de alto crescimento a um perfil masculino. A consequência é que mulheres continuam sub-representadas nos pitches, nas rodadas e nas decisões estratégicas.

Terceiro, é fundamental garantir a presença de mulheres nos conselhos das empresas investidas. Segundo levantamento da B3, 37% das companhias não têm nenhuma mulher no conselho de administração. E mesmo quando há presença feminina, ela costuma ser isolada, sem massa crítica para influenciar decisões. Conselhos diversos são mais eficazes na gestão de risco, na leitura de tendências e na construção de culturas organizacionais saudáveis. A ausência de mulheres nesses espaços compromete a capacidade das empresas de inovar com responsabilidade.

Mas para que essas mudanças aconteçam, é preciso enfrentar um ponto sensível: a retenção e promoção de mulheres na indústria de VC e PE. O chamado “degrau quebrado” – a dificuldade de alcançar o primeiro cargo de liderança – ainda é a principal barreira. Para cada 100 homens promovidos à gerência, apenas 87 mulheres conseguem subir. E muitas desistem antes, por não enxergarem um caminho possível. A indústria precisa rever seus modelos de progressão, criar políticas de apoio à maternidade, flexibilizar jornadas e combater os vieses que sabotam o avanço feminino.

Do lado das mulheres, também é necessário romper com a ideia de que é preciso escolher entre carreira e vida pessoal. É possível – e necessário – atuar nessa indústria e ainda assim construir uma família, ter filhos, cuidar de si. O problema não está na ambição feminina, mas na estrutura que não reconhece que mulheres têm múltiplas dimensões. Como mostra o “Guia do Gestor de Fundos para Investimento Inteligente em Questões de Gênero”, elaborado pelo IFC, fundos que adotam práticas de diversidade têm melhor desempenho, maior capacidade de inovação e mais resiliência em tempos de crise.

Essa transformação precisa começar cedo. Universidades, centros de pesquisa e programas de formação devem incluir a perspectiva de gênero desde o início. É ali que se forma o pipeline de futuras gestoras, fundadoras e conselheiras. Sem essa base, continuaremos reproduzindo um modelo excludente, que limita o potencial de inovação do país.

O venture capital precisa de uma nova lógica. Uma lógica que reconheça que diversidade não é concessão – é estratégia. Que entenda que a perspectiva feminina não é periférica – é central. E que tenha coragem de construir um ecossistema onde todas as vozes possam decidir o futuro.