Femtech

Feel dobra portfólio e mira expansão para canais físicos

Com produtos de cuidado diário e alta recorrência, startup mantém crescimento de 50% ao ano e aposta em presença física para chegar a mais mulheres

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Feel
Marina Ratton e Marília Ponte, fundadoras da Feel

Fundada por Marina Ratton e Marília Ponte, a Feel vem se consolidando no mercado de bem-estar feminino, unindo fórmulas naturais e ciência para atender diferentes fases da saúde da mulher. Desde a fusão com a Lilit em 2022, a empresa mais que dobrou seu portfólio, alcançou break-even e vem registrando crescimento médio de 50% ao ano no faturamento, impulsionado por produtos de alta recorrência e pelo lançamento de novas linhas.

A expansão da marca trouxe uma aposta clara e ambiciosa: ser referência em “clean label da intimidade no Brasil”. “Temos uma visão all-in em produtos, como marca de varejo, acompanhando as mulheres da menstruação à menopausa. Isso significa ampliar o portfólio de forma horizontal, considerando diferentes momentos da vida feminina e refletindo essa proposta em nossas linhas”, afirma Marília Ponte, em entrevista ao Startups.

O que começou com foco na saúde sexual – com a Feel pioneira no desenvolvimento de lubrificantes veganos e a Lilit na criação de um vibrador pensado por e para mulheres – evoluiu para a categoria de bem-estar. Desde então, a startup ampliou o portfólio com sabonetes, hidratantes, óleos, géis, sprays de higiene íntima e, mais recentemente, uma linha de cremes vulvares.

Voltados ao uso diário, esses produtos têm impulsionado a taxa de recompra, com entre 40% e 45% do faturamento vindo de clientes recorrentes. “Queremos estar na rotina diária da mulher”, explica Marília. Segundo a empreendedora, uma parte essencial da estratégia está nas peças educativas, aliadas a uma comunicação assertiva que evidencie, na prática, o benefício dos produtos para as consumidoras.

Mercado em evolução

A Feel integra o mercado de femtechs, startups que desenvolvem soluções voltadas à saúde e ao bem-estar da mulher. Segundo a Fortune Business Insights, o setor global foi avaliado em US$ 7,81 bilhões em 2024 e deve atingir US$ 28,89 bilhões em 2032, com crescimento anual composto (CAGR) de 17,9% entre 2025 e 2032.

Apesar do avanço, o setor ainda enfrenta barreiras culturais. “É um mercado novo, que abrange segmentos que ainda exigem muita educação. Muitas mulheres só percebem que certos desconfortos não são normais quando recebem esse tipo de informação”, afirma Marina Ratton. Ela compara o estágio atual das femtechs à trajetória dos cosméticos naturais no Brasil: “Em 2008 parecia um nicho, mas hoje está em qualquer gôndola. Acreditamos que o mesmo vai acontecer com os cuidados íntimos femininos”.

Hoje, o desafio é inserir a categoria de cuidados íntimos nas prateleiras das farmácias brasileiras – um movimento mais consolidado nos Estados Unidos. “Expandir para o canal físico é um passo natural para a Feel, pois nos permitirá agregar valor ao ter contato direto com a consumidora final. Como se trata de produtos de consumo rápido – como sabonetes e hidratantes – faz sentido garantir a conveniência de a mulher já tê-los em mãos”, explica a empreendedora.

A estratégia tem sido preparar o terreno e, aos poucos, desenvolver a presença física. Embora 90% da receita ainda venha do e-commerce, a Feel já testa a entrada em pontos físicos, como farmácias de manipulação e lojas conceito. A expectativa é ampliar essa presença nos próximos anos, acompanhando o movimento de criação da gôndola de cuidado feminino nas grandes redes. “A intimidade masculina já vem conquistando espaço nas gôndolas das farmácias brasileiras, e nosso objetivo é seguir desenvolvendo o setor para incluir também soluções voltadas à intimidade feminina”, pontua Marina.

Crescimento sustentável

O crescimento da Feel foi impulsionado por rodadas de investimento com protagonismo feminino.  A primeira rodada ocorreu em 2021, por meio de equity crowdfunding, com mais de 80% do capital vindo de mulheres investidoras. Em 2022, após a fusão com a Lilit, a marca realizou uma rodada pré-seed liderada pela Sororitê, rede de investidoras-anjo que, em 2024, lançou seu primeiro fundo de venture capital com tese voltada à diversidade de gênero.

Os recursos contribuíram para a expansão do portfólio, mas a empresa destaca que sua trajetória sempre foi pautada pela sustentabilidade financeira. Com apenas 0,04% dos mais de US$ 3,5 bilhões investidos no mercado brasileiro de inovação em 2020, as femtechs já costumam nascer calejadas à realidade de ter acesso limitado a capital.

Essa característica se tornou uma vantagem competitiva em 2022, com o aumento das taxas de juros e a queda nos investimentos em capital de risco, que obrigaram os empreendedores a reduzir custos e buscar formas de crescer sem depender de recursos externos. “A realidade da Feel nos fez ser criativas desde o início. Aprendemos a crescer com responsabilidade financeira e buscar um crescimento sustentável. Passamos a trabalhar com o dinheiro gerado pelas vendas e construir uma trajetória financeiramente sólida”, diz Marina.

Visão de negócio

Atualmente, a startup opera no break-even e, por enquanto, não está em fase de captação. “Sabemos que, se decidirmos levantar mais dinheiro, será um processo difícil, já que a intimidade feminina ainda é um tabu. A empresa tem duas mulheres na liderança e, infelizmente, é difícil que fundos de investimento, majoritariamente masculinos, compreendam o negócio, as dores e o potencial da Feel, e dificilmente se interessarão se não houver visão de retorno financeiro. Por isso, estamos nos estruturando para ter bons unit economics, crescer com recursos próprios e manter uma taxa superior à média do mercado”, pontua.

Para 2025 e 2026, a prioridade é seguir expandindo o portfólio com novos lançamentos. Só neste ano, a empresa dobrou o número de SKUs, e a ideia é dar continuidade a esse movimento com o apoio de dados para mapear preferências e necessidades das clientes. “2025 já é o nosso maior ano em número de lançamentos. Seguimos com apetite para crescer de forma acelerada pelos próximos cinco anos”, afirma Marília. Os planos também incluem investimento em comunicação, eventos e parcerias para ampliar a base de clientes.

Recentemente, a empresa adotou uma abordagem prática para acelerar o desenvolvimento de produtos com o uso de agentes de inteligência artificial. Em todos os lançamentos do ano, foram criados bots especializados, apoiados por ferramentas de chat e soluções on-demand, capazes de atuar em diferentes frentes, da revisão de formulações e ingredientes à definição de estratégias de marketing e comunicação, passando pela escolha de aspectos visuais – como nomes e cores – e pelo suporte às áreas regulatórias e financeiras. “Essa abordagem nos permitiu reduzir pela metade o tempo de desenvolvimento e tornar os lançamentos mais assertivos”, observa a empreendedora.

Ela ressalta que a IA não substitui o olhar humano, mas otimiza processos e permite à startup lançar produtos mais adequados às necessidades reais das consumidoras.