Entrevista

5 Minutos com: Mona Oliveira, CEO da BioLinker

Fundadora da BioLinker, Mona Oliveira fala sobre empreender em biotecnologia, equilibrar maternidade e laboratório, e os aprendizados da jornada científica

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Mona Oliveira, CEO e cofundadora da BioLinker
Mona Oliveira, CEO e cofundadora da BioLinker (Foto: Divulgação/Arte por Startups.com.br)

A baiana Mona Oliveira descobriu sua paixão pela ciência ainda na universidade. Diferente da maior parte dos colegas de medicina veterinária, que temiam a disciplina de bioquímica, ela se encantou pelo mundo das moléculas, biofísica e biologia molecular. A afinidade com as exatas desde o colégio e o gosto por montar experimentos só reforçaram esse caminho, que se estenderia por quase 15 anos de estudos e pesquisa.

Entre estágios, monitorias e mestrado em biotecnologia, Mona mergulhou em laboratórios e descobriu um incômodo recorrente: tantas descobertas incríveis nunca chegavam à sociedade. “Sempre tive a indignação de ver tanta coisa legal que a gente fazia no laboratório que não chegava no mercado, especialmente no Brasil”, ela lembra.

Foi durante um doutorado duplo em bioquímica no Brasil e nanotecnologia na Eslovênia que a ideia da BioLinker começou a se formar. Lá fora, Mona teve contato com ecossistemas de inovação, programas de aceleração e linhas de fomento para empresas tecnológicas – experiências que, somadas ao conhecimento científico, deram a base para criar uma startup de biotecnologia capaz de transformar pesquisas em produtos aplicáveis.

A BioLinker se dedica à biologia sintética, criando proteínas recombinantes que podem ser aplicadas em diferentes setores, da produção de medicamentos e vacinas a diagnósticos, cosméticos e conservação de alimentos. Além disso, a empresa oferece soluções sob medida, desenvolvendo proteínas de acordo com a demanda de cada cliente.

O grande salto veio em 2020, quando a pandemia impulsionou o crescimento de cinco vezes: a startup passou a reproduzir proteínas do coronavírus, fundamentais para os testes de detecção da doença, e saiu de contratos pontuais para um modelo de vendas recorrentes. Instalada no Parque Industrial de Cotia (SP), a BioLinker tem hoje mais de 200 proteínas no portfólio e mira expandir esse número para algo entre 1 mil e 2 mil até 2026. Nesse período, a meta também é automatizar etapas da operação e alcançar faturamento de R$ 2 milhões.

Em um papo de peito aberto com o Startups, Mona compartilhou como transformou a paixão pela ciência em negócio, os bastidores da construção da BioLinker e os dilemas de empreender em um setor tão desafiador quanto a biotecnologia no Brasil. Entre conquistas e aprendizados, ela também falou sobre o equilíbrio entre a vida no laboratório e a rotina como mãe, além de dividir reflexões sobre inovação, futuro e propósito.

Confira a seguir os melhores momentos dessa conversa.

Como a experiência de estudar fora impactou sua visão sobre ciência e inovação?

Mona Oliveira: Tive várias descobertas nesse processo. A primeira foi perceber que o Brasil forma cientistas muito bons. Em nenhum momento me senti inferior tecnicamente – eu sabia fazer tudo, às vezes até mais do que muitos pares.

A diferença estava no ecossistema lá fora: mais maduro, com processos de gestão e muitas oportunidades. Por exemplo, nas universidades, até as super famosas, as farmacêuticas estavam inseridas nos projetos científicos, algo que eu não tinha visto aqui no Brasil, nem mesmo na USP.

Também tive experiências com eventos de pitch e programas de aceleração, criando ideias de empreendedorismo dentro do meu projeto científico. Hoje o Brasil começa a ter isso, mas há oito ou nove anos, quando eu começava meu doutorado, era bem raro.

Quais são os maiores obstáculos de quem decide empreender em ciência no Brasil?

Mona Oliveira: Nossas instituições são muito tradicionais. A formação técnica é impecável – formamos profissionais excelentes, que dominam metodologia científica, desenvolvem artigos e têm ótima produção científica. O problema é que não temos a tradição de enxergar isso como negócio.

Grande parte do conhecimento vai para o setor público. Quando saímos do ranking de publicações e olhamos para patentes e inovações, os números caem muito: depositamos bem menos patentes. Nos últimos anos houve incentivo para registrá-las, mas muitas não são comercializadas. Não basta registrar; é preciso criar mecanismos de comunicação, construir pontes com empresas e sociedade, e mostrar o retorno sobre o investimento. A academia no Brasil é excelente, mas às vezes falta esse “meio de campo”.

Algumas universidades estão mais avançadas, mas é um mosaico, como quase tudo no Brasil. Dentro de uma mesma instituição, o processo varia de professor para professor. Não há um caminho claro e contínuo, o que influencia diretamente a experiência do empreendedor.

Meus próprios professores não sabiam se conectar com a indústria. Por mais que estivéssemos desenvolvendo drogas importantes, nada se comunicava com fábricas ou empresas de medicamentos, nem no Brasil nem fora. Hoje isso está mudando, mas era uma das grandes barreiras no início.

Em que fase você diria que a BioLinker está agora?

Mona Oliveira: Estamos focados em crescer, vender muito e impactar o maior número de pessoas possível. Essa fase é sobre consolidar o modelo de negócio e tracionar alguns produtos e serviços.

Percebi que o ecossistema brasileiro ainda não está maduro o suficiente para startups de base tecnológica. Por isso, desde o ano passado, comecei a buscar fontes de investimento no exterior, para trazer recursos para o país e permitir que continuemos crescendo aqui, sem precisarmos sair, como muitas empresas acabam fazendo.

Essa etapa tem tomado bastante do meu tempo, entre os sócios, e é dedicada a estabelecer o posicionamento global da BioLinker. A ideia é fazer um aporte seed de aproximadamente US$ 4,8 milhões.

Ao todo, já captamos R$ 8 milhões, entre editais da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além de programas de aceleração da Ambev e da Bauducco. Em 2022, recebemos também um aporte de Fabrício Bloisi, ex-CEO do iFood e atual CEO da Prosus, como investidor-anjo.

Como equilibrar a paciência que a pesquisa exige com a pressa do mercado e dos investidores?

Mona Oliveira: A gente precisa buscar investidores especializados no segmento, que já tenham experiência e entendam o setor, diferente da maior parte dos investidores no Brasil.

O ecossistema de investimento aqui é muito focado em software – que cresce de forma diferente, tem barreiras de entrada diferentes – e nem sempre se conecta com soluções deep tech. Então tudo vira um processo educativo: eu também me educando sobre expectativas, eles aprendendo o que as biotechs realmente podem entregar, e assim vamos ajustando a rota.

O que diferencia a BioLinker no ecossistema de biotech no Brasil e no mundo?

No Brasil, somos uma das primeiras e únicas startups focadas em serviços de engenharia genética, criando e aprimorando superorganismos produtores de proteínas. Temos uma estrutura fabril e regulatória completa, algo que outras startups do segmento, surgidas pós-pandemia, ainda não têm – muitas ainda estão dentro de universidades ou operam apenas em pesquisa. Inclusive, prestamos serviços para algumas dessas startups concorrentes.

No mundo, nos destacamos também pelo uso de inteligência artificial. Temos algoritmos próprios que combinam dados de laboratório, com certificação internacional, alimentando nosso algoritmo. Isso nos diferencia de muitas startups de AI, que são apenas softwares e não têm laboratórios próprios.

Recebemos investimento do Google no início deste ano e decidimos criar nossa própria frente de AI, que estou globalizando, participando de fóruns e de uma aceleradora no Vale do Silício. Além disso, vou participar da Tech Week em São Francisco, no Demo Day, e espero voltar com recursos em dólar para ampliar nossa atuação global.

Para nós, não basta afirmar que a solução funciona – precisamos provar, mostrar que traz valor real. Já atendemos mais de 180 clientes na América Latina, com tecnologia aplicada a mais de 200 projetos diferentes.

Que hábitos ou rotina fora do trabalho ajuda a manter seu equilíbrio como empreendedora?

Mona Oliveira: Eu sou mãe, então minha vida fora do empreendedorismo é bastante voltada para a família. Tenho rotinas de exercícios regulares com personal e tento equilibrar a alimentação, embora não seja rigorosa.

Gosto muito de passar tempo com meus filhos. Assistimos a filmes, fazemos passeios e, quando possível, viajamos em família. Sempre quis acampar com eles – ainda não aconteceu, porque meu marido não é muito fã, mas estou ansiosa para fazer isso. Tenho uma filha de 19 e um filho de oito anos.

Também gosto de fazer experimentos científicos com eles – meus filhos adoram. Preparo kits de ciência, fazemos experiências de pH, vulcão químico, luminescência, entre outras. Meu filho é tão apaixonado que uma vez, na escola, desenhou os vidrinhos de laboratório como sua atividade favorita. Ele quer ser engenheiro, então comprei kits de robótica para montarmos juntos.

Além disso, meu marido gosta de cozinhar, e temos o hábito de receber amigos para jantar, preparar comidas juntos. 

Se pudesse voltar no tempo, que conselho daria à Mona que estava começando a empreender?

Acho que eu não mudaria nada. Apenas diria para acreditar e seguir a jornada sem estresse.

O mais difícil para mim foi lidar com a vontade de ser professora, algo comum entre acadêmicos. Isso gerou uma crise interna, porque, ao empreender, eu sentia que estava abandonando um caminho seguro.

Se pudesse falar com a minha versão do passado, diria que ela se surpreenderia com o futuro na vida empreendedora. Eu nem imaginava que iria gostar tanto. Sempre tive esse desejo de empreender – participei de competições do SEBRAE e outras iniciativas – mas via como segunda opção, por ser mais arriscado, especialmente diante da pressão por segurança financeira e da expectativa de ser funcionária pública, muito valorizada na minha família.

Raio X – Mona Oliveira

Um fim de semana ideal tem: Vinho

Um livro: “Why You Do What You Do”, de  Bobb Biehl 

Uma música ou artista: Coldplay

Uma mania: Quando estou muito concentrada em alguma tarefa, começo a cantar.

Sua melhor qualidade: Autoconfiança