Além da Faria Lima

Além da Faria Lima: No interior do Piauí, BIPP vai de marketplace a agfintech

Além da Faria Lima: No interior do Piauí, BIPP vai de marketplace a agfintech

Do mundo acadêmico ao mundo dos negócios. O caminho, que é comum nas startups do Vale do Silício, mas que tem poucos exemplos no Brasil, é a melhor forma de definir a BIPP, startup criada por Marcus Linhares, que é professor de empreendedorismo do Instituto Federal do Piauí há mais de 21 anos.

Sediada em Picos, no interior do estado do Piauí – segundo maior entroncamento rodoviário da Região Nordeste – a companhia nasceu com o propósito de ser uma plataforma que facilitasse a negociação e integrasse a relação de compra e venda entre produtores agrícolas, fornecedores e agroindústrias.

A ideia surgiu do doutorado de Linhares, concluído em 2016. Durante a elaboração da tese, perspectivas sobre o mercado apontaram uma oportunidade de investimento. “Durante o doutorado, estudei a indústria de alimentos e vi o quanto o agronegócio era forte. E tinha uma lacuna a ser preenchida: 45% das startups do agro são para resolver problemas de produtividade; apenas 9% trabalham na comercialização”, diz.

O desejo de traduzir um trabalho acadêmico para uma iniciativa concreta veio da própria experiência da sala de aula como professor. “A Universidade, em si, tem um rico poder teórico, mas não forma empreendedores”, diz Linhares.  “Lembro que via muitos projetos, muito bons planos de negócios e ideias sensacionais vindas dos meus alunos. Mas no ambiente acadêmico eles ficam presos na teoria, nos contextos. Quando se formavam, tinham medo de empreender e viravam empregados por necessidade”, relembra.

Logo após a defesa da tese, a BIPP tinha um modelo de operação, patentes, registro de software, CNPJ e dois funcionários pronta para entrar no mercado. O modelo inicial era operar como um marketplace com foco em rastreabilidade logística. Em pouco tempo, Linhares percebeu um problema. A startup praticamente não ganhava com as comissões sobre os negócios feitos na plataforma. Era necessária uma mudança.  A transformação veio em 2019, 3 anos depois de o negócio começar a funcionar. “A sacada foi ver que transacionávamos muito dinheiro e que poderíamos ser um banco digital do agro”, relembra Linhares.

A maquininha

O passo então foi desenvolver uma plataforma financeira para poder faturar com o BIPP. A possibilidade veio a partir do primeiro aporte financeiro recebido pela companhia, do Banco do Nordeste, no programa de financiamento para iniciativas no campo da inovação. Até então, Linhares era o único sóio. O aporte de R$ 200 mil serviu para o desenvolvimento da tecnologia. Em outubro de 2020, a companhia foi aprovada no Lift, o Laboratório de Inovações Financeiras Tecnológicas, do Banco Central, se consolidando com uma fintech – ou uma agfintech.

A transformação do negócio ocorreu poucos meses antes do começo da pandemia, em janeiro de 2020. E mesmo com o cenário caótico dos últimos meses, surtiu efeito. A companhia aumentou a fatia que recebe das transações feitas no marketplace (cerca de 1% de take rate) e criou uma maquininha própria para transações pessoais em cartão. “Negócio digital não tem lugar. Com a pandemia, passamos a ser a plataforma para indústria, agricultores, insumos, começaram a procurar a gente via Sebrae, via Embrapa”, afirma Linhares.

Com um pouco mais de um ano desde a mudança, aproximadamente R$1,5 milhão circulam na plataforma por mês entre compra e vendas de clientes pelo BIPP, e a maquininha de uma empresa do interior do Piauí está presente em 22 estados do País.

As ambições para 2021 são maiores. A BIPP pretende buscar por um segundo aporte para expandir os negócios. “Somando receita, faturamento e o dinheiro do edital que vencemos, nosso plano é chegar ao final do ano com mais 300 indústrias ou lojas como nossos clientes”, diz Linhares. Isso geraria um volume transacionado, segundo seus cálculos, da ordem de R$ 15 milhões ao mês. Caso consiga um segundo aporte, a meta é ainda mais ambiciosa: chegar aos mil clientes. Neste caso, o total transacionado poderia chegar a R$ 50 milhões por mês. Ele não revela quanto pretende captar.

Apesar de estar na pele do empreendedor, do tomador de risco, Linhares mantém os pés no chão e reforça: são ambições – e para realizá-las, é necessário seguir atento. “São números, perspectivas, previsões. O mercado não brinca com a gente, ele não está nem aí para o seu planejamento.”