Insatisfeita com os métodos de tratamento tradicionais que aprendeu na faculdade de medicina, os quais não resolviam as dores crônicas de seus pacientes, a neurocirurgiã Patricia Montagner decidiu buscar outras ferramentas terapêuticas. Foi então que, em 2015, conheceu a cannabis medicinal.
Um pequeno adendo aqui. Sim, a planta popularmente conhecida como maconha, também pode ser usada no tratamento de diversas doenças. Claro, em um formato e administração completamente diferente do uso recreativo que traz malefícios à saúde.
Patricia começou então a prescrever de forma tímida o uso medicinal da cannabis em 2016, e passou a observar resultados surpreendentes. Após esta experiência inicial, entrou em uma jornada de vários cursos, principalmente no exterior, e se deu conta de um problema global. A escassez de médicos prescritores de cannabis medicinal.
O problema virou solução. “Me dei conta que precisava passar o conhecimento adquirido nos cursos para que mais pacientes tivessem acesso aos benefícios da terapia com cannabis”, conta Patricia. Foi então que a neurocirurgiã decidiu empreender na área da educação médica junto ao irmão Daniel Montagner. No início de 2020, fundaram em Florianópolis (SC) a WeCann Academy, edtech voltada à capacitação na medicina endocanabinoide. Juntos, os irmãos investiram R$ 400 mil no desenvolvimento da plataforma, curadoria do conteúdo e experiência do usuário.
Jornada de sete semanas
O curso oferecido pela WeCann Academy está disponível em português, inglês e espanhol, e tem periodicidade de sete semanas. Médicos de todo o mundo podem participar de masterclasses ao vivo com líderes globais em medicina endocanabinoide e cannabis medicinal. Além disso, os estudantes podem se atualizar com estudos científicos recentemente publicados e discutir casos clínicos com colegas mais experientes.
Os alunos também têm acesso a um livro digital e interativo que organiza o conteúdo técnico, facilitando a jornada de aprendizado. Todo o conteúdo tem como base evidências científicas e a experiência prescritiva no uso dessa ferramenta terapêutica de um corpo técnico formado por 22 experts de 10 países – Brasil, Colômbia, Espanha, EUA, Canadá, Austrália, Itália, Chile, Alemanha e Dinamarca.
O investimento para ser um aluno da WeCann Academy é de R$ 7.500. A formação dá direito à uma certificação internacional, exclusiva para médicos de diversas especialidades e áreas de atuação. E, segundo Patricia, é com o valor pago por cada aluno que a startup mantém sua operação e faz caixa para ministrar o curso para as próximas turmas.
Comunidade internacional
Em dois anos de operação, a edtech já formou alunos não apenas no Brasil, mas também nos EUA, América Latina e Europa. Além disso, despertou o interesse de grupos da Ásia e Oceania em levar o curso aos seus territórios. Segundo Patricia, a WeCann é a única instituição da América Latina que realiza cursos exclusivamente voltados para médicos.
“Nosso NPS (score de satisfação) é de 9.6, os alunos viram fãs e eles mesmo fazem o marketing da WeCann”, comenta a fundadora. Aliás, tenho uma amiga médica que terminou o curso há pouco tempo, e realmente se derrete em elogios ao falar da startup.
A comunidade digital já conta com mais de 700 profissionais que trocam ideias na plataforma sobre aplicações terapêuticas e casos de sucesso com o uso da cannabis medicinal. No ano passado foram três turmas, somando 250 alunos, e um faturamento de mais de R$ 1 milhão. Já em 2022, só na primeira turma foram 400 médicos inscritos, e a expectativa é chegar a 1.000 até o fim do ano.
Os próximos passos da companhia são desenvolver um aplicativo para facilitar o acesso dos alunos ao curso, e lançar a versão física do livro digital. “Estamos com a organização financeira da empresa muito saudável, nunca precisamos de empréstimo. Nosso foco é em reinvestir na empresa para escalar o mais rápido possível. Por enquanto não temos necessidade de captação externa, mas estamos abertos a propostas”, afirma a médica.
Uso para o bem
No Brasil, o tratamento à base de cannabis começou a ser prescrito para casos de epilepsia, dor crônica, Parkinson, Alzheimer e já se expande para outras doenças, como depressão, ansiedade e insônia. Ainda segundo Patricia, estudos já indicam a eficácia da planta também para doenças de pele e gastrointestinais.
Em sua maioria, pacientes com prescrição de cannabis utilizam um óleo que contém quantidades variadas de THC e de CBD, normalmente administrado em gotas sob a língua — a quantidade varia para cada pessoa. Os preços variam de R$ 100 a até mais de R$ 1 mil. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a expectativa é que para 2022 as empresas do setor mais do que dobrem o faturamento, chegando a R$ 500 milhões, com pelo menos 15 novos produtos em análise pelo órgão.
Vale lembrar que foi em 2019 que uma resolução da Anvisa estabeleceu os requerimentos para as empresas comercializarem seus produtos de cannabis medicinal nas drogarias e também para a importação dos mesmos.
Mas ainda há muito chão para percorrer. “Há muito desconhecimento por parte da classe médica, das autoridades públicas e da população em relação aos diferentes usos da cannabis. Muitos ainda só associam a planta ao uso recreacional, não entendem o seu potencial terapêutico”, diz Patricia. Esperamos que este cenário mude o quanto antes: inclusive, me interessei em saber mais como a cannabis medicinal pode ajudar a reduzir a minha ansiedade. Tempos difíceis!