A cidade de Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais, ficou conhecida por liderar o movimento de desenvolvimento tecnológico que tornou a região conhecida como o Vale da Eletrônica brasileiro. Em meio a fazendas de gado e café, o município abriga a Escola Técnica de Eletrônica (ETE) e o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), que atraem estudantes e empresas de todo o país. No entanto, poucos sabem que a idealizadora de tudo isso foi uma mulher, chamada Luzia Rennó Moreira – ou Sinhá Moreira, como é mais conhecida.
Filha de um coronel e sobrinha do presidente Delfim Moreira, Luzia se casou com um diplomata e, durante uma viagem ao Japão, teria percebido que o que movimentaria a economia dos países no futuro não era a agricultura, mas a tecnologia. Uma das histórias que circulam pela cidade é de que, enquanto estava no Japão, Luzia teria assistido a uma palestra de Albert Einstein em que o físico dizia que a eletrônica era o futuro.
Seja qual for a história verdadeira, fato é que, ao retornar para Santa Rita, Luzia decidiu então fundar a ETE, com a ajuda de professores do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
A instituição iniciou suas atividades em março de 1959, sendo a primeira escola de eletrônica de nível médio da América Latina. Em 1965, já após o falecimento de Luzia, surge o Inatel, com a primeira faculdade de Engenharia de Telecomunicações do país.
“Até a década de 50, Santa Rita era um município muito pequeno e a nossa economia era agricultura e agropecuária. Tinha muita fazenda de café, alguns barões. Com a criação da ETE começa a haver um movimento diferente, todo jovem que queria estudar eletrônica tinha que vir para cá e isso vai mudando a história do município”, conta Rogério Abranches, coordenador do Inatel Startups.
Foi o caso de João Rubens, um dos fundadores do Hacktown, evento de tecnologia, inovação e cultura digital que acontece há oito anos em Santa Rita. Apesar de ter crescido no Rio de Janeiro, ele e as duas irmãs cursaram o ensino médio na ETE, seguindo o exemplo dos pais, que também haviam se formado – e se conhecido – na escola técnica.
Um dos objetivos do Hacktown, segundo ele, é dar visibilidade à história de Santa Rita e à sua vocação tecnológica. A cidade se destaca pelo desenvolvimento de tecnologia proprietária, hardwares e, mais recentemente, soluções de inteligência artificial, além de 5G e 6G.
“Apesar de ser uma cidade pequena, do interior, Santa Rita é cosmopolita. Você chega em um bar e tem pessoas de várias nacionalidades falando sobre tecnologia. Teve uma vez que fizemos um hackaton com uma grande marca da área de blockchain – e quando você fala dessa tecnologia, você está falando de um tipo de linguagem que tem que saber assembly, que é a primeira linguagem de máquina que existiu, e é muito diferente, normalmente a galera não tem acesso a isso. E, aqui em Santa Rita, fizeram o hackaton e contrataram um tanto de gente, porque é natural do nosso ecossistema. Tem um conhecimento de hardware e de firmware aqui que não existe no Brasil”, diz João.
Das telecomunicações à IA
Hoje, além do ensino técnico em Eletrônica, a ETE forma técnicos em telecomunicações, equipamentos biomédicos, desenvolvimento de sistemas – games, e sistemas de energia renovável. Já o Inatel oferece graduações de Engenharia Biomédica, de Computação, de Controle e Automação, Engenharia Elétrica, Engenharia de Produção, de Software e de Telecomunicações, além de pós-graduação.
Por ser uma fundação privada sem fins lucrativos, o Inatel precisou desde sua fundação buscar formas de sustentar o seu programa educacional. Com isso, passou a oferecer serviços e soluções para empresas e governo, o que fez com que o instituto sempre estivesse próximo do mercado.
Diretor do Inatel, Carlos Nazareth conta que o instituto participou ativamente das pesquisas e desenvolvimento do padrão brasileiro de TV Digital, inspirado no modelo japonês, no início dos anos 2000. A iniciativa foi feita em parceria com a então Linear Equipamentos Eletrônicos, empresa fundada por quatro ex-professores do Inatel, que depois foi comprada pela Hitachi.
Por meio dessa parceria, o instituto desenvolveu moduladores para todos os padrões de TV Digital existentes, que foram comercializados mundialmente, e realizou a primeira transmissão digital empregando tecnologia 100% nacional.
Mais recentemente, o Inatel desenvolveu soluções de IA para a Dell e a Claro. E, por meio do Inatel Competence Center, desenvolve soluções de hardware, software, capacitação corporativa, ensaios, calibração, serviços tecnológicos e consultoria para mais de 100 parceiros corporativos, como Huawei, Ericsson, Eletrobras e Intelbras.
“Santa Rita tem essa potencialidade de fazer pesquisas aplicadas e colocar as empresas dentro de uma posição de vanguarda. Temos um histórico que é olhar para a tecnologia, formar pessoas para se tornarem atores com padrão internacional, e transferir esse conhecimento para empresas parceiras, desenvolvendo soluções que gerem valor”, afirma Carlos.
Rota tecnológica
Mas não foi apenas Santa Rita do Sapucaí que se desenvolveu graças à tecnologia. Cidades vizinhas, como Itajubá e Pouso Alegre, ajudam a compor o polo do Vale da Eletrônica. A Universidade Federal de Itajubá (Unifei), inclusive, foi fundada em 1913, e alguns dos seus professores participaram da criação do Inatel, em 1965.
Hoje, a universidade possui o único laboratório do mundo que testa equipamentos do pré-sal, o Centro Tecnológico para o Pré-Sal Brasileiro (CTPB), feito em parceria com o consórcio de Libra, formado por Petrobras, Shell, Total, CNPC e CNOOC. Também está desenvolvendo um laboratório de hidrogênio verde em parceria com uma agência alemã.
Para o professor Carlos Henrique Pereira Mello, diretor de Extensão Tecnológica e Empresarial da Pró-Reitoria de Extensão da Unifei, a cidade de Santa Rita abriu o caminho para que outros municípios investissem em ciência e tecnologia. No ano passado, e ecossistema Itajubá HardTech venceu o Prêmio Nacional de Inovação (PNI), promovido pelo Sebrae e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), na categoria de cidades de médio porte.
“A gente começou juntos essa trilha de inovação, mas Santa Rita despontou primeiro, ficou conhecida como Vale da Eletrônica. Em 2017 criamos uma associação para cuidar desse ecossistema de inovação, e começamos a trabalhar de forma mais coesa, com a universidade, prefeitura, empresas etc. Nos espelhamos muito em Santa Rita, que soube trabalhar bem a inovação”, reconhece Carlos.