*Adriana Rollo, Julia Shinohara e Rebeca Bacci, sócia e advogadas do BZCP
A LGPD foi aprovada em 2018, acompanhando a tendência mundial de regulamentação das
atividades de tratamento de dados pessoais, após diversos escândalos envolvendo práticas
abusivas, entre os quais, os casos WikiLeaks e Cambridge Analytica. A repercussão destes casos acendeu as discussões sobre a importância da proteção dos dados pessoais e os riscos do tratamento de dados inadequado.
Nestes 5 anos, pudemos observar uma grande mudança de paradigma sobre o tema de dados pessoais na sociedade brasileira e o início do desenvolvimento de uma verdadeira cultura de proteção de dados.
Do lado das empresas, essa mudança de postura se deve, em parte, ao temor provocado pelas multas previstas na LGPD, as quais podem chegar a R$ 50 milhões. Inclusive, duas das grandes novidades deste ano foram justamente a publicação da Resolução CD/ANPD nº 4/2023 (que regulamenta o processo sancionatório), e a efetiva aplicação da primeira sanção pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
Há pouco mais de 1 mês, a ANPD publicou sua primeira decisão, na qual aplicou uma advertência a uma pequena empresa de telemarketing, e a condenou ao pagamento de multa no valor de R$ 14.400 pela falta de indicação de encarregado e falta de base legal adequada para as atividades de tratamento realizadas pela empresa.
A sanção surpreendeu o mercado, que esperava que a primeira penalização seria aplicada a uma das grandes empresas de tecnologia que trata diariamente um grande volume de dados, e não a uma microempresa. Assim, a sentença serviu para relembrar as empresas de que a aplicação da LGPD (e de multas) é multisetorial e independe do tamanho da empresa, o que reacendeu a preocupação em se adequar à lei.
Mas engana-se quem pensa que as multas são o único motivo que levaram as empresas a incorporar a proteção de dados em sua cultura. Um dos principais impulsores dessa mudança foi a cobrança do próprio mercado. Hoje, quem não se adequa à LGPD, sofre uma sanção muito mais severa do que as multas aplicadas pela ANPD, que é a perda de clientes e parceiros, que se recusam a fazer negócios com quem não respeita a privacidade.
Conscientização social
Chegamos em um nível de maturidade e conscientização social em que más práticas de tratamento de dados não são mais toleradas pelas pessoas. Um exemplo disso foi o caso do aplicativo de criação de avatares que sofreu uma avalanche de críticas no fim do ano passado, relacionadas aos riscos gerados à privacidade, as quais levaram uma série de usuários a se descadastrar da plataforma, fazendo com que a empresa rapidamente alterasse as suas políticas.
E a tendência é que essa mobilização social cresça cada vez mais, à medida em que as tecnologias se tornam cada vez mais acessíveis à população, trazendo para perto as preocupações inerentes ao uso dessas novas tecnologias.
É o que vimos observando com a difusão das ferramentas de inteligência artificial. Recentemente, uma propaganda virou um dos assuntos mais comentados no país, ao trazer de volta à vida uma célebre cantora que faleceu há mais de 40 anos, para cantar junto com a sua filha.
E a discussão não escapou dos olhares atentos da ANPD, a final, as ferramentas de inteligência artificial utilizam, quase sempre, dados pessoais para desenvolver seus algoritmos.
A ANPD tem se posicionado a favor da regulamentação da inteligência artificial e ao fomento à inovação, desde que feita de forma responsável. No último mês, a ANPD publicou sua análise preliminar do Projeto de Lei nº 2338/23, que dispõe sobre o uso da inteligência artificial. Nela, a ANPD apresenta os pontos de convergência e conflito entre o projeto de lei e a LGPD, e sugere que a ANPD deve ser a autoridade-chave na regulação e governança da inteligência artificial no Brasil, especialmente no que se refere à proteção de dados pessoais.
Assim, mesmo após 5 anos da aprovação da LGPD, observa-se que o tema da proteção de dados continua quentíssimo. E, com o início da aplicação das sanções pela ANPD, e a chegada das ferramentas de inteligência artificial, cada vez mais presentes na vida das pessoas, nossa aposta é que neste quinto ano as discussões se aqueçam ainda mais. Vamos acompanhar!