*Felipe Avelar é CEO da Finplace
A possibilidade de uma crise de crédito no varejo vem tomando corpo nas últimas semanas, elevando o risco de zerar ou, até mesmo, negativar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), atualmente projetado em 0,8% para este ano, segundo o boletim Focus, do Banco Central. Os problemas no setor começaram em janeiro, quando a Americanas, uma das maiores e mais tradicionais varejistas do país, divulgou a descoberta de inconsistências contábeis no montante de R$ 40 bilhões.
Infelizmente, as más notícias não pararam por aí. Somam-se a esse cenário a reestruturação de dívidas da Marisa, o pedido de despejo de um centro de distribuição da TokStok, a falência da Livraria Cultura, além das recuperações judiciais em andamento da Máquina de Vendas, (dona da Ricardo Eletro) e da Saraiva.
Esse panorama negativo levou as instituições financeiras a sugerirem ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) um “funding” da instituição ou garantias do Tesouro Nacional para garantir crédito à cadeia de fornecedores das grandes varejistas. A situação da Americanas e de outras varejistas, com volumes gigantescos de vendas, prejudica toda a cadeia de negócios do setor.
A alta nos juros e a inadimplência prejudicam a concessão de crédito, tanto para clientes pessoa física como para empresas. O problema no varejo complica ainda mais essa situação. E vale lembrar que as PMEs formam um setor que tradicionalmente já não recebe o volume de crédito necessário. Segundo levantamento do Sebrae, entre 2020 e 2022, cresceu a proporção de empresários que encontraram dificuldades para obter um novo crédito ou financiamento. A proporção saltou de 63% para 84%, o que representa um recorde histórico da série.
Risco iminente
Apesar de ser descrito por alguns bancos como um caso isolado, a situação da Americanas fez crescer a percepção de risco sobre as finanças corporativas, um dos componentes mais relevantes para determinar o custo do crédito, assim como a aprovação ou não de solicitações de empréstimo.
As fintechs – que vêm transformando a maneira como os cidadãos e as empresas do mundo todo lidam com o dinheiro – representam uma alternativa para a busca de recursos em um momento turbulento, como esse vivido pelo varejo brasileiro. Os recursos oferecidos ao mercado pelo setor financeiro tradicional não são mais a única forma de ter acesso a capital.
Uma potencial crise no varejo tem impacto direto para fundos de investimento, gigantes da indústria de diferentes setores, pequenos empreendedores e fornecedores de menor porte como, por exemplo, o setor de distribuição e lojística. Considerando apenas os bancos, a dívida da Americanas é de R$ 17 bilhões.
Após o anúncio feito pela gigante varejista, não demoraram os movimentos de outras empresas. Uma empresa de celulares interrompeu tanto as vendas pelo marketplace da Americanas, quanto para revenda direta pela varejista. E a relação com os fabricantes de eletroeletrônicos foi paralisada um dia após o início da crise.
Especialistas em economia defendem que é preciso agir para evitar um maremoto. Sem crédito, a dúvida é como as empresas irão manter suas operações e pagar suas dívidas. Começa no varejo, mas pode se transformar em um efeito cascata com prejuízos para a economia brasileira como um todo. Por outro lado, apostas otimistas sinalizam um panorama mais promissor para as redes de verejo regionais, que podem se fortalecer em decorrência da incerteza sobre o futuro das Americanas e de outras grandes varejistas.
Antecipar os próximos acontecimentos é temeroso, dada a complexidade da situação, mas é tranquilizador ter a certeza de que a economia global segue caminhando e se transformando, em parte, por ideias inovadoras. As startus, assim como grantes companhias, sabem que a reinvenção, principalmente em condições incertas, é a única garantia do sucesso de seus negócios.