*Por Alexandre Reda, diretor de Investment Banking e Tokenização MB | Mercado Bitcoin
Durante décadas, o mercado de capitais brasileiro funcionou como uma rede elétrica antiga: centralizada, lenta, analógica e cara de manter. Cursei Engenharia Elétrica na USP e, em uma passagem pela IBM, participei de projetos de conectividade com fibra óptica — experiências que me permitiram conhecer os bastidores de tecnologias que mudaram a forma como o mundo se conecta.
Após 15 anos no mercado financeiro, percebo como as transformações tecnológicas também passam a remodelar a estrutura tradicional do capital e seus fluxos. A analogia é inevitável: os “fios de cobre” antigos do mercado de capitais estão sendo substituídos por um modelo mais ágil, transparente e eficiente, por meio da blockchain. Os circuitos centralizados e os excessos do sistema antigo estão ficando para trás.
Embora seja um dos motores da evolução do mercado de capitais, o mercado de crédito — ainda concentrado nos bancos — está saturado. Não por falta de demanda, mas por excesso de concentração e barreiras para emissores e investidores. Tomemos como exemplo o financiamento imobiliário. Enquanto nos Estados Unidos mais de 60% do crédito imobiliário já vem do mercado de capitais, no Brasil esse número é inferior a 10%.
É aqui que a blockchain e a tokenização, em conjunto com o Banco Central e a CVM, ganham protagonismo. Os dois reguladores vêm liderando um movimento que pode colocar o Brasil à frente do mundo por meio dessas novas infraestruturas. Mas não podemos perder essa dianteira. O protagonismo regulatório será decisivo para garantir que o avanço aconteça com equilíbrio, promovendo segurança, competitividade e resultados concretos para o investidor.
Estamos prontos para virar de fase, e com muito mais potência. A combinação de tecnologia, segurança jurídica e regulação aberta à inovação cria um ambiente raro para a tokenização do crédito privado. Ativos antes restritos aos bastidores do sistema — como crédito consignado, duplicatas, recebíveis de cartão e crédito pessoal, por exemplo — agora ganham escala para serem estruturados como produtos de investimento, com governança, pulverização e transparência.
Nesse modelo inovador do crédito privado tokenizado, diversas etapas, tradicionalmente, conduzidas por agentes especializados — como custódia, escrituração, liquidação, depósito, entre outras — podem ser integradas de forma mais fluida e eficiente, com o apoio desses mesmos players, somando tecnologia à expertise já existente no mercado financeiro.
A potência está justamente na nova arquitetura. Não se trata de digitalizar processos antigos ou maquiar o que já não funciona. “Reencapar” o fio de cobre pode parecer seguro, mas não entrega a performance de uma rede moderna. Com blockchain, a própria lógica de intermediação financeira é redesenhada. Estamos repaginando produtos tradicionais de crédito privado com esse novo modelo. Um FIDC, um certificado de recebível, uma debênture, tudo pode ser estruturado de forma mais moderna.
Quando propomos inovação no mercado de capitais, é natural que surjam resistências. O mercado — e os próprios participantes — reagem com ceticismo antes de qualquer otimismo. Quase nenhuma disrupção foi unânime em sua origem: poucos acreditavam em bancos sem agência, em plataformas de investimento independentes de bancos ou que o Pix se tornaria a principal via de pagamentos no país. Mas a história mostra que quem aposta primeiro colhe mais cedo.
Sim, o mercado tradicional pode resistir por algum tempo. Mas não é porque sempre foi assim que precisa continuar sendo. O Brasil já mostrou com o Pix que é possível liderar em infraestrutura financeira globalmente. Agora, com Drex e tokenização, temos a chance de fazer isso de novo — desta vez, no coração do mercado de capitais. O momento é agora. A tecnologia está pronta, a base legal está se tornando madura, e o investidor está disposto. Só não dá para evoluirmos de fase utilizando uma ficção do passado.