*Por Rodrigo Amaral
É fundamental para o presente e para o futuro de qualquer startup (e de qualquer outra sociedade) que os principais direitos e deveres de seus sócios no âmbito societário sejam abertamente negociados e estejam expressamente definidos. As principais regras que são objeto de Acordos de Sócios e seus respectivos objetivos foram tratados no nosso primeiro artigo sobre Acordos de Sócios.
É praticamente unânime em Acordos de Sócios a existência de cláusulas que tratam sobre as regras relacionadas à titularidade e à transferência de participações societárias pelos sócios. As cláusulas mais comuns e conhecidas que tratam dessas matérias são as cláusulas de direito de preferência e de direito de venda conjunta (o chamado tag along).
Conforme amplamente difundido, a existência dessas cláusulas é bastante recomendada e desempenha um papel fundamental no contexto de diversas sociedades. O que não é amplamente divulgado é o fato de que, por regularem (e restringirem) a circulação de quotas ou de ações, essas cláusulas muitas vezes causam um efeito que não é desejado por diversas startups: maior dificuldade na captação ou na negociação de rodadas de investimentos que também envolvem a alienação de participações pelos sócios (e não apenas o aporte de recursos na sociedade).
O principal objetivo desse artigo será abordar, de forma objetiva, como essas cláusulas podem influenciar na negociação ou mesmo na captação de rodadas futuras de investimentos, bem como indicar aos empreendedores algumas disposições que, se observadas, podem mitigar esses efeitos indesejáveis.
O que é o direito de preferência?
A cláusula de direito de preferência provavelmente é conhecida por qualquer pessoa que tenha uma mínima vivência empresarial. Em poucas palavras, ela tem o objetivo de garantir aos sócios o direito de preferência para adquirir as ações de outros sócios que pretenderem alienar suas participações para terceiros ou mesmo para outros sócios, em igualdade de condições.
Ou seja, em uma sociedade na qual o direito de preferência é estabelecido, antes de transferir suas ações para um potencial comprador (terceiros ou outros sócios), o sócio que pretender alienar suas quotas ou ações deve oferecer aos demais sócios o direito de preferência para adquiri-las, nas mesmas condições que foram ofertadas pelo potencial comprador. Nesse caso, as referidas quotas ou ações só poderão ser transferidas ao potencial comprador caso os demais sócios não exerçam seus respectivos direitos de preferência.
Quais os principais benefícios do direito de preferência?
Os principais benefícios do direito de preferência são:
– Proteger os atuais sócios de potenciais alterações indesejadas na composição societária da sociedade. Nesse sentido, é possível evitar ou mitigar as chances de um determinado sócio assumir o controle da sociedade ou adquirir determinados direitos por meio da aquisição de quotas de outros sócios, sem que seja possibilitado aos demais sócios o direito de preferência para a aquisição dessas quotas (na proporção de suas respectivas participações).
– Evitar ou reduzir a chance de ingresso de terceiros, com os quais os atuais sócios podem não desejar ter uma sociedade, sem que seja oferecido aos demais sócios direito de preferência para a aquisição das quotas ofertadas ao terceiro (na proporção de suas respectivas participações).
Vale destacar que, ao contrário do direito de preferência em aumento de capital[1], o direito de preferência na aquisição de quotas ou ações não é garantido por lei, de modo que só será aplicável se for previsto contratualmente pelos sócios (seja no Acordo de Sócios, em contrato ou estatuto social ou em outros instrumentos contratuais).
Como o direito de preferência pode influenciar na captação ou negociação de novos investimentos?
É bastante comum que rodadas de investimento (nas quais há aporte de recursos na sociedade, mediante a emissão de novas quotas ou ações para o investidor) envolvam também a venda de ações ou quotas de titularidade dos atuais sócios ou de alguns dos atuais sócios (também chamada de oferta ou aquisição secundária).
A venda de participação pelos atuais sócios é mais comum em sociedades que já possuem um maior desenvolvimento e uma menor vinculação aos seus fundadores. No entanto, não é incomum que também ocorra em rodadas de investimento de startups, especialmente quando os seus fundadores desejam ter alguma liquidez e vendem apenas uma parte de suas participações, mantendo-se vinculados com uma participação relevante na sociedade.
Nos casos em que houver interesse de realizar uma oferta secundária de quotas ou ações (venda de participação por algum sócio para o investidor), é evidente que a existência de um direito de preferência pode dificultar a negociação da transação, especialmente nos casos nos quais a venda pretendida não envolver a participação de todos os sócios.
Além de poder frustrar a operação na forma originalmente pretendida, na medida em que algum sócio pode vir a exercer o seu direito de preferência e impedir que o investidor/comprador adquira todas as ações que pretendia adquirir, a simples exigência de seguir um procedimento que muitas vezes é longo (com prazos para a oferta do direito, prazo para exercício, prazo máximo para a conclusão da transferência etc.) pode impactar de forma relevante a operação.
Como mitigar as chances de o direito de preferência atrapalhar uma operação?
Como o direito de preferência também representa uma grande proteção aos sócios, seria imprudente dize que a melhor forma de evitar seus potenciais malefícios seja simplesmente não prever esse direito no âmbito de uma determinada sociedade.
Nesse sentido, a primeira recomendação é avaliar quais sócios efetivamente necessitam ter o direito de preferência e quais sócios têm as condições efetivas de exercer esse direito de preferência. Esses critérios devem ser analisados de forma cumulativa.
Do ponto de vista de relevância (necessidade de ter o direito de preferência), é mais provável que apenas sócios que possuem uma participação societária ou operacional relevantes tenham a necessidade de ter esse direito. Do ponto de vista de efetividade prática (capacidade de exercer o direito de preferência), pode ser que não faça sentido dar o direito de preferência a um determinado sócio que não terá a capacidade financeira de exercer esse direito, levando-se em conta o valuation da sociedade, suas perspectivas de crescimento etc.
Alternativamente ao direito de preferência, também é possível estabelecer o chamado “direito de primeira oferta”. Ao contrário do que ocorre no direito de preferência, no direito de primeira oferta a oferta é realizada inicialmente para os próprios sócios. Caso os sócios não aceitem a oferta (decidam não comprar as quotas ou ações nas condições estabelecidas), o sócio terá a liberdade de vender suas quotas ou ações para terceiros, desde que nas mesmas condições antes ofertadas aos sócios (ou em condições mais vantajosas ao sócio que realizou a oferta). Por garantir uma maior liquidez em comparação com o direito de preferência, o direito de primeira oferta é uma alternativa interessante a ser considerada em determinados contextos.
Se essas premissas e alternativas forem observadas e previamente discutidas entre os sócios, é provável que seja reduzida a chance de o direito de preferência se tornar um entrave em rodadas de investimentos ou desinvestimentos futuros.
O que é o direito de venda conjunta (tag along)?
A cláusula de direito de venda conjunta (tag along) garanteaos sócios o direito de vender suas quotas ou ações em conjunto com outro sócio que pretenda alienar suas quotas ou ações, nas mesmas condições ofertadas pelo terceiro ao referido sócio. Vale destacar que o tag along é um direito normalmente atribuído apenas aos sócios minoritários, que têm o direito de exercê-lo em caso de venda de participação pelos sócios majoritários.
Ou seja, em uma sociedade na qual é estabelecido um direito de venda conjunta, caso um sócio pretenda vender suas ações para um terceiro, os demais sócios terão o direito de exigir que o potencial comprador adquira também as quotas dos sócios que exercerem o direito de venda conjunta, nas mesmas condições que foram ofertadas ao sócio que pretendia alienar as suas ações inicialmente.
Quais os principais benefícios do direito de venda conjunta (tag along)?
O principal benefício do tag along é garantir aos sócios minoritários o direito de vender suas participações nas mesmas condições que foram ofertadas ao(s) sócio(s) majoritário(s), especialmente no contexto de uma venda de controle.
Essa cláusula evita que haja uma troca de controle na sociedade sem que seja dado ao sócio minoritário o direito de sair da sociedade, por um preço que seja condizente com o valor efetivo de sua participação.
A inexistência desse direito pode viabiliar a ocorrência de um cenário no qual o sócio minoritário passa a ser sócio de um controlador com o qual não possui relação (ou pior, com o qual possui uma relação ruim), sujeitando-o a possíveis abusos por parte do referido controlador.
Como o direito de venda conjunta (tag along) pode influenciar na captação ou negociação de novos investimentos?
De forma semelhante ao exposto acima em relação ao direito de preferência, em qualquer transação na qual haja uma oferta secundária (venda de ações pelos atuais sócios), o tag along pode impedir que essa transação seja realizada da forma como foi inicialmente pretendida.
Como o tag along garante a determinados sócios o direito de exigir que um potencial comprador também adquira suas participações, o exercício desse direito pode acabar inviabilizando a ocorrência da transação, na medida em que o potencial comprador pode não ter interesse ou a disponibilidade de recursos para adquirir a participação de todos os sócios que exercerem o tag along.
Como mitigar as chances de o direito de venda conjunta (tag along) atrapalhar uma operação?
O primeiro critério a ser considerado é qual a condição (gatilho/trigger) deve ser implementada para que o tag along possa ser exercido. Visando evitar eventuais abusos e desvirtuações desse direito, uma boa alternativa é prever que o tag along só poderá ser exercido se houver uma venda de controle da sociedade. Ou seja, se a principal função do tag along é evitar uma alteração de controle que prejudique o sócio minoritário, pode ser que sua existência seja dispensável (e desejável) nos cenários em que há uma venda minoritária.
O segundo critério a ser considerado é a proporcionalidade do tag along. Explicando: os sócios minoritários poderão exigir que o potencial comprador adquira todas as suas ações (independentemente do percentual que foi alienado pelo sócio majoritário) ou poderão exigir que o potencial comprador adquira a mesma proporção das ações que estão sendo adquiridas do sócio majoritário (se o sócio majoritário está vendendo metade de suas ações, os sócios minoritários poderão exigir a compra de metade de suas ações).
Estabelecer um tag along proporcional (minoritários podem vender apenas a mesma proporção que foi vendida pelo majoritário) tende a ser prejudicial no contexto de uma sociedade que possui vários sócios minoritários com percentuais baixos de participação, pois aumenta a probabilidade de exercício desse direito de forma abusiva, obrigando a realização de um procedimento complexo para a aquisição de participações pouco relevantes.
Por outro lado, estabelecer um tag along total (minoritários podem vender toda a sua participação independentemente da proporção vendida pelo majoritário) pode ser benéfico no sentido de reduzir as chances de exercício abusivo do tag along, mas pode acarretar um aumento mais significativo dos valores que o potencial comprador será obrigado a desembolsar para a realização da operação.
Considerações finais
Como a existência de Acordo de Sócios é muito usual e amplamente incentivada (com razão), o objetivo desse artigo é apenas alertar os empreendedores sobre alguns efeitos colaterais que podem advir de cláusulas que são comumente criadas para a proteção dos sócios e das próprias sociedades.
Naturalmente, há diversas outras cláusulas que podem impactar de forma indesejada ou negativa na relação societária e nos planos futuros das sociedades. Por esse motivo, é importante contar com a assessoria de profissionais capacitados e com ampla experiência na elaboração de Acordos de Sócios, de modo que os empreendedores consigam visualizar todos os potenciais impactos que as regras estabelecidas podem ter no âmbito da sociedade.
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[1] Direito previsto em lei, que garante aos sócios ou acionistas o direito de manter suas participações em eventuais aumentos de capital (aporte de recursos) de determinada sociedade, mediante o aporte de recursos na sociedade em percentual equivalente às suas atuais participações.