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AI Ventures: dicas ao analisar teses de investimentos

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*Rodrigo Helcer é cofundador da STILINGUE By Blip, e Laura Constantini é co-fundadora da Astella Ventures

Vamos falar sobre AI Ventures? Para onde o mercado de investimentos em empresas de software com o diferencial em IA está olhando?

Enquanto 2023 foi o ano do nascimento e construção das fundações da IA Generativa, 2024 será o ano das aplicações reais, pra valer sobre essa nova tecnologia. O ciclo para desenvolvimento de um novo produto costuma girar entre 9 e 12 meses. Logo, um ano após a explosão da IA Generativa, começaremos a ver e analisar esses frutos, como consumidores e investidores.

O que deve mudar em nossas análises diante dessa nova onda de empresas centradas em AI? Com investidores, o playbook sempre recomendou olhar para a tríade “founders, produto e potencial de mercado”. Quando tratamos de uma empresa de AI, nossas análises podem ser diferentes?

Análise dos founders

Veremos logo mais uma necessidade maior por calibre acadêmico e técnico. Uma empresa centrada em AI, dificilmente se desenvolverá sem estas duas peças chaves. Brincamos que no mercado de “AI Companies” existem founders com a cultura dos cientistas e outros com a dos alquimistas. Os cientistas crescem com base em ciência, pesquisa acadêmica e embasamento sólido. Já os alquimistas, prometem transformar água em vinho e, na maioria das vezes, quando você mergulha no negócio, encontra um cenário frágil feito de espuma. Por isso, é importante fazer um belo background check do ponto de vista da substância científica desse time.

Agora, claro que só o calibre técnico-acadêmico e o mindset de “cientista” não são suficientes. Olhando o time de founders, é essencial encontrarmos um grupo com capacidade de fazer a ponte entre os seguintes mundos: o da ciência (de natureza teórica e acadêmica), da tecnologia (de natureza prática, sólida e escalável) e o de produto (de natureza business/market oriented).

Já vimos uma série de empresas que não decolaram com times de cientistas de primeira linha por não terem o complemento necessário para transformar teorias e papers premiados em algoritmos que funcionam em tempo real e escalam. Vimos também fundadores engenheiros de software experientes que não decolaram pela dificuldade de se adaptarem a novos conceitos, métodos e arquitetura demandados para um software AI-native. E, por fim, vimos times técnicos que criaram tecnologias interessantíssimas, mas sem a clareza de qual problema iriam resolver e como iriam ganhar dinheiro com isso.

Entre o time de fundadores, é essencial termos alguém que vá além do técnico e traga um profundo conhecimento de negócio e empatia com os clientes. Que complemente a lógica de software com a lógica de negócio. Que tenham um olhar único para gaps em setores ou cadeias de valor que os incumbentes ou global players não oferecem soluções completas ou não criaram ecossistemas fortes. Que usufruam do toolset de AI disponível, “SOTA” (State of the arte), para criar diferenciais substanciais de entrega de valor na ponta. Ganham ainda mais valor times que conseguem detectar segmentos e problemas difíceis de resolver.

A AI vem para agregar inteligência e capacidade para atacar problemas cada vez mais complexos. Em poucas palavras, ela catapulta o business logic. Essas são as novas fronteiras que precisam ser desbravadas.

Se em uma startup o encaixe dessa tríade Cientista/Engenheiro/Produtor é importante, em AI companies é significativamente mais importante. E não podemos esquecer que este é hoje o mercado em tecnologia com maior escassez, disputa e remunerações para talentos.

Análise do produto

É muito fácil uma empresa dizer que faz AI, com um pitch deck sedutor em torno da tecnologia que criaram, mas ao abrirmos o capô vemos que no lugar de tecnologias e modelos proprietários, fizeram o que o mercado chama de “GPT wrapping”, envelopando tecnologias já existentes (como as da OpenAI) sem um diferencial.

Se o produto é de AI, a empresa precisa ter modelos proprietários, construídos com base em dados proprietários ou em tecnologia proprietária. O modelo precisa ter sua “receita de bolo” própria, com ingredientes diferenciados, sejam em dados ou código, e que ao final ofereça um “sabor” único, que faça a diferença ao usuário, atacando algo com enorme potencial de mercado, jogando em uma categoria com muito dinheiro na mesa.

A AI tem um aspecto importante: seu caráter conversacional. Como os algoritmos são treinados para entender a linguagem natural, as interações entre indivíduos e as plataformas podem ser feitas através da escrita ou da fala e não mais em código. Isso significa que, assim como podemos fazer perguntas escritas ao ChatGPT e receber respostas da mesma forma, podemos, por exemplo, mudar variáveis de uma equação solicitando a alteração de forma falada ou escrita.

Sem precisarmos acessar e alterar a fórmula por trás dessa equação. Podemos esperar negócios que entendam que o “Chat” é tão importante quanto os modelos “GPT’s” e que nos mostrem que uma interface conversacional pode substituir com inúmeros ganhos jornadas até então feitas via clicks-and-scrolls em websites e mobile apps. Acreditamos na tese de que o “chat” tem o poder de se tornar a terceira geração da Web. A “Web 3.C”, a Web Conversacional.

Análise do potencial de mercado

Há várias arenas competitivas dentro de um grande mercado de AI. Brincamos que a AI é tão ampla como a medicina em que alguém pode dizer que trabalha como médico, mas logo depois vem a pergunta: médico de qual área? Ortopedista? Cardiologista? Ginecologista?

Para uma empresa que iremos analisar investir, é importante sabermos em qual arena competitiva ela está para facilitar a análise de com quem concorre e quais diferenciais pode trazer. Nesse sentido, ainda não há um padrão oficial de segmentação de mercado. É um mercado nascente, com diferentes camadas de ofertas em IA, cada uma com diferentes dinâmicas e nuances entre si. Na nossa visão, existem 5 principais segmentos em IA: IaaS (Infrastructure as a Service), Foundational Model Providers, Middlewares, AI Studios e Vertical Apps B2B e B2C Software.

IaaS: a arena onde são produzidos os elementos chave para a infra-estrutura de AI. Principalmente chips e servidores. Lideram aqui empresas como NVIDIA, Qualcomm, Intel e similares na parte de chips. Amazon, Google, Microsoft e IBM na parte de cloud. Pensando em empresas brasileiras, temos pouca expectativa de vermos startups surgindo nessa arena. Para entrar no jogo os custos são proibitivos (bilhões para construção de uma fábrica de chips), para pouco num oligopólio poderoso de empresas. Oportunidades podem surgir numa derivação desta área, em robótica e B2C Devices.

Foundational Model Providers: a arena onde se encontram os modelos fundamentais para o desenvolvimento dessa nova geração de AI. Os “cérebros” das diferentes soluções e aplicações desta nova geração. É onde temos a pioneira Open AI, acompanhada de perto pela Anthropic (com Claude), Inflection AI (com Pi), Google (com Gemini) e outras que correm. Estas criaram modelos e algoritmos que foram extensivamente treinados em grandes quantidades de dados no formato de texto e, com isso, aprenderam a nossa linguagem e como gerar textos.

O desenvolvimento e manutenção dos foundational models é muito intensivo em capital. O treinamento desses modelos e sistemas exige base de dados gigantescas, vastos recursos computacionais e uma força de trabalho extremamente especializada em machine learning. Ao nosso ver é uma estrada difícil de os brasileiros percorrerem. Principalmente pelo histórico de baixos investimentos de empresas privadas e públicas em puro R&D e custos quase proibitivos necessários para criação e evolução destes modelos.

Na contramão, sabemos que o brasileiro é criativo em resolver problemas grandes com poucos recursos e temos visto casos interessantes, como o CEIA, de Goiânia. Torçamos que novidades de impacto global nasçam deste berço de talentos e deem espaço para investidores brasileiros participarem dessas teses mundialmente cobiçadas.

Middleware & Dev Tools: esta é uma camada intermediária e direcionada para cientistas e desenvolvedores de softwares. São basicamente ferramentas de trabalho bastante técnicas. Num paralelo com a mineração do ouro, são as escavadeiras, pás e enxadas usadas por quem trabalha na mina. Giram em torno de ofertas para um público técnico, que vão desde pré-processamento de dados, databases especializadas em IA, orquestração e otimização de modelos, co-pilotos de coding, segurança, auditabilidade e outros. Temos aqui players como as big tech Microsoft, AWS, Google e novos entrantes como Scale IA, que colaborou com a OpenAI no treinamento dos seus modelos, Snowflake e Databricks, até outras ainda menos conhecidas como HumanLoop, LlamaIndex, Braintrust, AgentOps.

Temos também um resultado que tem chamado bastante atenção: desenvolvedores que usam co-pilotos de AI para apoio em programação comentam ganhos de 50% a 500% em produtividade. Algo que pode transformar o thruput de uma das funções mais escassas do mercado. A natureza desses negócios costuma ser global e temos pouco histórico de empresas nacionais que tenham surgido com ofertas aqui.

AI Studios: sobre todo aparato de AI citado acima, temos a oferta dos “AI Studios”, que em comum oferecem uma plataforma recheada de recursos para que empresas possam criar uma série de modelos ou agentes conversacionais. Quando falamos “agentes conversacionais”, falamos de recursos que não só atuam como “bots” no lugar de um agente humano, como também empoderam o trabalho humano como “copilotos”.

As movimentações estratégicas que vimos durante 2023 foram na direção destes players reforçarem o posicionamento como destino de criação de modelos e agentes, além de construírem barreiras de entrada ainda maiores – quanto mais aplicações forem desenvolvidas em cima dessa camada, mais inteligência adquirem, melhor se torna sua entrega e maior a barreira de entrada criada.

Vertical AI Apps (B2B e B2C): diferente dos casos acima, que atendem de forma horizontal a propósitos de diferentes segmentos e setores, as aplicações verticais em AI estão mirando em funções ou cargos específicos. Como copilotos em algumas tarefas ou auto-pilotos automatizando por completo outras tarefas. Alguns exemplos de Vertical AI B2B que temos no mercado: em advocacia, a estrangeira “Harvey” ou a brasileira “Corejur” e em medicina temos a gringa “Glass Health” e a brasileira “Neuralmed”. Em insurtech, temos a “Hyperexponential” lá fora. E o caso mais recente, bem como surpreendente, é “Cognition Labs” que lançou o “Devin”, segundo os seus criadores, o primeiro AI Software Engineer. Acreditamos que aqui teremos uma explosão de novas startups neste e no próximo ano.

Nossa aposta é que em 2024 e 2025 teremos grandes novidades vindas de empreendedores e startups que vão trazer ao mercado uma quantidade enorme de soluções e ferramentas para as mais diversas aplicações e demandas e isso significa um novo mar de oportunidades de investimentos. Graças a nova geração de IA, nunca esteve tão rápido e fácil criar novas aplicações SaaS.

Bom por um lado, por baratear o nascimento de startups e facilitar a entrada de empreendedores de berço menos técnico no jogo, mas, por outro lado, devemos ver um aumento grande da concorrência em SaaS, como inclusive aponta a nova venture de Chamath Palihapitiya, intitulada “8090”. Nela, a tese resumidamente é ofertar 80% das funções básicas de um Vertical App a 10% do seu custo.

E qual a provável consequência disso? Em produto e tecnologia, a exigência de diferenciais claros e ainda mais fortes frente aos incumbentes. E sem falar de um peso ainda maior para as atividades de uma empresa SaaS que extrapolam seu produto – a maestria em Go-to-Market, a habilidade de um bom posicionamento, a criação de ecossistemas e a aquisição e retenção de talentos.

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