fbpx
Compartilhe

* Gustavo Blasco é CEO e fundador do Grupo GCB e das fintechs Adiante e PeerBR

Durante os últimos anos, a combinação de juros baixos e injeções cavalares de liquidez ao redor do mundo levou a uma abundância de capital sem precedentes, para as empresas que se propunham, através de um processo constante de iteração, a criar modelos de negócios escaláveis e capazes de obterem, com certa rapidez, uma posição dominante em seu mercado, as conhecidas startups. 

Nos últimos meses, entretanto, gargalos de logística herdados das políticas de lockdown no combate à pandemia somados a restrição na oferta de várias commodities, em virtude da invasão da Ucrânia pela Rússia, obrigaram os governos e banco centrais a darem um cavalo de pau em suas políticas fiscal e monetária e, em especial, (i) obrigaram o FED (banco central dos Estados Unidos) a subir sua taxa básica de juros e diminuir o tamanho de seu balanço, que vem crescendo, desde 2008, a taxas de dar inveja a qualquer startup e (ii) o Banco Central local a subir, ao longo de dois anos, a Selic de 2% para 13,75%; um salto enorme. 

O fim do dinheiro barato e abundante impactou de imediato os investimentos de risco, afinal, quando não se consegue pegar dinheiro dos outros de graça, fica difícil manter a convicção de que um bando de empresas desorganizadas, caóticas e que não geram lucros possam se tornar as maiores empresas do mundo. Em termos práticos, o índice Nasdaq afundou cerca de 25% nos últimos nove meses, muitas ações de tecnologia brasileiras caíram mais de 80% na bolsa local e o fluxo diário de notícias de aportes milionários em empresas novatas cessou.

Nessa conjuntura as empresas precisaram botar à prova sua criatividade. Algumas fecharam, outras foram adquiridas por concorrentes maiores a preços irrisórios (geralmente por aquele valuation que “preferimos não divulgar”) e as mais maduras optaram pelo pragmatismo, priorizando a geração de lucro no curto prazo.

Fossem empresas maiores, haveria a possibilidade de venda de ativos não prioritários, mas essa não é a realidade de 99% das startups. Ainda assim, um grupo de empresas incapazes de gerar relevante fluxo de caixa operacional positivo no curto prazo optou por perseverar e buscar alguma forma alternativa de financiar seu crescimento; para estas, a evidente opção restante foi a emissão de dívida. 

Venture debt no Brasil

O financiamento via dívida para esse tipo de empresa, conhecido como venture debt, não é óbvio no Brasil. Além de não gerarem lucro, de não terem um balanço bonito, geralmente não há muito ativo a ser dado em garantia, de modo que é o tipo de financiamento que os bancos não querem nem ouvir falar. Porém o mercado de capitais brasileiro vem se desenvolvendo a passos largos e, ao contrário do sistema bancário que é extremamente concentrado, nele há muitos ouvidos e há estômagos com diversos tipos de apetite.

A proliferação de gestoras de crédito, FIDCs e securitizadoras trouxe enorme relevância ao que é conhecido como shadow banking, um sistema bancário paralelo, totalmente legal, que provê soluções de crédito muito mais customizadas e eficientes do que as instituições financeiras tradicionais, pois, ao invés de tomarem o risco do crédito em seu próprio balanço, o estruturam e repassam o risco para milhares de investidores, através de fundos, debentures, certificados de recebíveis, etc.

Do mesmo jeito que as startups têm suas dores, todo segmento tem suas próprias e a principal dor desses players é que só são relevantes para seus investidores, só sobrevivem, se conseguirem entregar retornos consistentes e acima do CDI.

Pois bem, com a Selic baixa essa não era uma tarefa muito complexa, porém com a Selic a 13,75% o jogo mudou. Empresas maiores e estruturadas não aceitam pagar uma remuneração muito acima do CDI atual para emitir dívida, empresas ruins aceitam, mas não pagam. Como, então, encontrar uma empresa que aceite tomar recursos a quase 20% ao ano e seja capaz de honrar com o principal no vencimento? Bom, que tal procurar no setor onde as empresas podem crescer 20% ao mês?

E é exatamente isso que tem acontecido, a dificuldade das startups em captar dinheiro com oferta de ações a valuations atrativos e a dificuldade de gestoras, fidcs e securitizadoras em estruturarem produtos de investimentos que rendam acima do CDI provocou o encontro perfeito.

Para os investidores, se de um lado se perde o upside ilimitado, quando o financiamento se dá em troca de participação acionária, por outro, o skin in the game gerado nos fundadores e executivos que pegam dívida é muito, muito maior. Afinal, não foi dado um cheque em branco que por vezes termina em mesas de ping pong e perda de foco, e sim um cheque com data de vencimento e juros que precisam ser pagos.

Para os fundadores e executivos, se de um lado se contrai um nível de obrigação pecuniária extremamente desconfortável, de outro evita-se diluição acionária excessiva, permitindo que as pessoas que estão tomando o risco no dia a dia da operação obtenham retornos mais adequados ao nível de risco que estão correndo, ao invés de deixa-los na mão de uma infinidade de investidores.

Uma modalidade de financiamento que praticamente não existia no Brasil há dois anos vem crescendo a passos largos mês a mês e sustentará, de um lado, a criação de nossas próximas grandes empresas, do outro, a perenidade de um setor que é fundamental para o desenvolvimento do nosso mercado de capitais.

E é essa a beleza de termos um mercado financeiro maduro, robusto e, recentemente, apoiado por um governo pró mercado: uma indústria indutora do crescimento econômico e bem-estar social, ao permitir que independentemente da conjuntura econômica a poupança da sociedade seja alocada nos melhores projetos e ideias, que ao se concretizarem gerarão os maiores números de postos de trabalho, recolherão as maiores darfs e inspirarão futuras gerações.

LEIA MAIS