*João Gabriel Chebante é especialista em Corpore Venture do Grupo FCamara
Os sinais já estão claros e não tem como negar: depois de um longo período de aportes recordes no mercado – inclusive durante o ápice da pandemia – vivemos o início de um ciclo de queda nos investimentos em Venture Capital ao redor do mundo. Nos EUA (principal ecossistema global) três estatísticas são contundentes: os aportes em novos negócios já apresentam queda de 30% ao longo de 2022, as empresas de tecnologia se desvalorizaram em média 15% na Bolsa local NASDAQ e o índice de expectativa sobre estas empresas por parte de gestores atingiu o mesmo nível logo após o 11 de setembro de 2001.
Ainda que no Brasil o crescimento ainda exista (4% no 1T22 em relação ao mesmo período do ano anterior), sabe-se que este cenário não será muito diferente. Ao mesmo tempo, a quantidade de empresas investidas já enfrenta forte queda, ao mesmo tempo que a valoração dos ativos. Em questão de semanas, não meses, viveremos a mesma realidade.
E ela talvez não seja passageira: alguns dos principais economistas e gestores do mercado financeiro global alertam que uma recessão americana e global pode estar a caminho, e de forma irremediável; haja vista a inflação que o mundo inteiro está enfrentando de produtos e serviços face a problemas em cadeias de suprimentos e os incentivos realizados durante os meses mais críticos da Covid-19. A correção através do aumento da taxa de juros básica em diferentes países como EUA, Zona do Euro e mesmo por aqui deve causar uma aversão a risco que pode durar meses.
Uma das consequências – e que foi largamente estressada tanto em entrevistas quanto na retomada de eventos, como o South Summit – foi que o Venture Capital voltará a ter uma maior “racionalidade” em seus movimentos. O excesso de liquidez no ecossistema, somado ao surgimento dos primeiros unicórnios e uma cobertura crescente da mídia trouxe consigo distorções tanto no processo de avaliação de ativos (estratégia, time, cultura, finanças, crescimento) quanto no valor de mercado para investimento. A impressão que tenho, como profissional que realizou uma migração de carreira para o segmento durante este ciclo de alta, é que estávamos mais de olho em startups como ativo de investimento/retorno do que negócios com viés em inovação. Crescimento acima da diferenciação sustentada da oportunidade.
A perspectiva real de um longo ciclo de baixa em Venture Capital abre, no entanto, uma oportunidade escondida e bem interessante: um posicionamento mais relevante dos fundos e estratégias de Corporate Venture como investidores e consolidadores do ecossistema. O número de rodadas de investimento em startups feito por corporações atingiu o oitavo trimestre de alta seguido no 1T22, segundo a CB Insights. E mesmo a queda no volume total investido caiu menos (19%) do que o total em Venture Capital (30%). Isso mesmo com uma forte redução de toda a atividade na China (66% no volume total). No Brasil vemos novos fundos nascendo em diferentes mercados e organizações: Itaú, TOTVS, Locaweb e B3 são algumas das empresas que estão montando suas posições para investimento em novos negócios.
Retorno sobre o investimento
O grande “trunfo” do Corporate Venture em relação ao Venture Capital reside no retorno sobre o investimento: diferente de um capitalista puro, que enxerga somente o financeiro sobre o valor de mercado da investida, uma organização de grande porte enxerga na pequena a oportunidade única de trazer novas receitas, mercados, acesso a pessoas e revisão da sua cultura em momento de forte demanda por transformação digital dos negócios. Pesquisa da ABVCAP com seu comitê de CVC mostra que indicadores não financeiros são tão ou mais importantes para mensurar o sucesso de um investimento do que o valor de mercado ao longo do tempo.
A inovação provavelmente será, junto a vendas e gestão operacional do caixa, os principais pilares anti-cíclicos que as grandes organizações operarão numa potencial recessão nos principais mercados nos próximos anos. A soma deste protagonismo com o valuation mais real das startups e menor disposição de investimento por parte dos VCs daria ao Corporate Venture a oportunidade de obter negócios – seja investimento ou comprando – com ótimo acesso a capital humano, bem como maior potencial de sinergias às suas atividades e menor impacto financeiro (afinal de contas, o foco numa operação que até pode queimar caixa, mas cresce de forma sustentável e com produto/serviço estruturado será primordial).
Segundo a mesma ABVCAP, 50% das iniciativas de Corporate Venture Capital no país tiveram início a partir de 2020. E segundo o Distrito, 53% das maiores empresas do país pretendem investir e/ou comprar startups nos próximos anos. Com alguma alocação de recursos e análise interna (leia-se tese clara de investimentos), talvez atuar em Corporate Venture seja uma das melhores atividades dentro do ecossistema nos próximos anos.
É exatamente a oportunidade que o board da sua empresa espera, mas caberá a você trazê-la à luz.