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Artigo: Conselhos femininos; por que essa é uma realidade ainda distante?

Artigo: Conselhos femininos; por que essa é uma realidade ainda distante?

* Marina Ratton é CEO da Feel Lilit

Uma das maiores redes de varejo de moda feminina do país, e que sempre deu a entender que o objetivo da marca é falar de igual para igual com suas consumidoras, recentemente perdeu as executivas mulheres do time. Mas aí vem a pergunta: como é possível estabelecer essa conexão se o conselho de administração da empresa não tem sequer uma mulher?

No fim de julho, a imprensa noticiou que as duas únicas mulheres que faziam parte do conselho da rede renunciaram ao cargo, sendo substituídas por uma dupla masculina. Com isso, hoje, a rede tem um primeiro escalão – conselho administrativo e diretoria executiva – formado exclusivamente por homens. Trata-se de uma aposta arriscada, que pode distanciar as estratégias da empresa das expectativas de suas fiéis consumidoras, fazendo a rede perder mercado.

Pode parecer algo sem sentido, mas essa realidade ainda é comum em grande parte das empresas focadas no público feminino. A maioria das coisas que consumimos como mulheres vêm de empresas majoritariamente lideradas por homens. Apesar das ações que incentivam a presença feminina em cargos-chave das corporações estarem cada vez mais frequentes, o que tem feito crescer o número de mulheres com assento nos conselhos de administração, a porcentagem das que chegam ao topo ainda está abaixo de 20%, de acordo com um levantamento feito pela consultoria global Korn Ferry.

Outro estudo realizado em 2021 pela B3, que reúne empresas negociadas em bolsa, mostra que, das 408 companhias listadas, 45% não tinham participação feminina no conselho de administração. O levantamento apontou ainda que, a cada 100 empresas de capital aberto, apenas seis tinham três ou mais mulheres em cargos de diretoria estatutária, um quarto delas tinha somente uma e 61% não possuíam uma única mulher no corpo executivo.

Dificuldade em ganhar espaço

E por que isso acontece? Uma explicação que, inclusive, tem base científica, se encaixa no conceito de homofilia – ou seja, a tendência, no comportamento humano, de confiar, acreditar e respeitar mais os pares, pessoas semelhantes a nós mesmos, especialmente quando se fala de raça e gênero. E como, estruturalmente em nossa sociedade, o mundo corporativo foi dominado pelos homens, dentro desse conceito é natural que as mulheres tenham dificuldade em ganhar espaço, mas precisamos mudar isso.

Nossa tendência é seguir contratando pessoas com vivências, características físicas e experiências próximas, porque nos reconhecemos nelas e acreditamos que isso é seguro. Para romper esse comportamento hemofílico, no ambiente de trabalho, é preciso olhar para diversidade de gênero, raça, idade e habilidades de forma mais proativa, deixando de se apegar a paradigmas.

Voltando ao caso da rede de varejo de moda feminina, há que se questionar como a rede quer se inserir no ciclo de inovação, se quem está no topo, decidindo para onde direcionar os investimentos, não entende minimamente o impacto de determinado projeto na vida do público que consome seus produtos ou serviços? As empresas precisam dar continuidade aos seus processos de inovação, se quiserem sobreviver, mas, decididamente, não vão conseguir fazer isso se mantendo fechadas dentro do conceito de similaridade e falando para pessoas tão diferentes de quem dirige o negócio.

Temos, no mercado, inúmeros exemplos de empresas que, como a referida rede, têm um perfil de consumidor formado por mulheres, mas continuam mantendo um boarding exclusivamente masculino, e que não deram certo. Uma delas é a Victoria Secret, que apesar de ser uma marca mundialmente conhecida, vem perdendo mercado.

É preciso ter em conta que vivemos, hoje, em uma sociedade mais complexa. Portanto, se não olharem para a diversidade, as corporações correm o risco de ficarem para trás e se tornarem obsoletas.