* André Zogbi, Relações com Investidores na Mindset Ventures
Se você mora no Brasil, provavelmente notou um recente aumento na presença de pedintes nas ruas como resultado da crise. Em geral, costumo evitar dar-lhes muita atenção, mas na semana passada tive uma interação um tanto incomum com um senhor pedindo esmola. “Não tem problema caso você não carregue dinheiro na carteira, pode me fazer um PIX se preferir”. Fui pego de surpresa, dado que a última vez em que ouvi sobre uma situação semelhante havia sido em uma conversa com um amigo chinês que mora em Shanghai, onde pedintes utilizam QR codes para receber esmola via WeChat. Levando-se em consideração o quão recente havia sido essa conversa, jamais imaginei que algo similar ocorreria no Brasil em tão pouco tempo.
Este episódio se prendeu à minha cabeça até o momento em que finalmente descobri a razão por trás de tamanha surpresa: para receber uma transferência, é necessária uma conta bancária e, até pouco tempo atrás, não apenas era necessário enfrentar alguma burocracia para abrir uma conta, como também era preciso despender mensalmente recursos para pagar seus custos de operação, o que me parecem, de certa forma, incompatíveis com as circunstâncias às quais grande parte dos pedintes geralmente está exposta.
As contas bancárias se tornaram muito mais acessíveis ao longo dos últimos anos, tendo disparado o número de pessoas bancarizadas ao redor do mundo. No entanto, uma vez que o acesso a uma conta geralmente requer também acesso à internet, países subdesenvolvidos costumam apresentar, em média, uma parcela da população financeiramente incluída relativamente baixa. De acordo com o World Bank, por exemplo, o Sudão do Sul, a República Central Africana, o Afeganistão e o Níger mal alcançaram a marca de 20% de pessoas com conta bancária aberta em 2017. Apesar disso, mesmo sendo pequeno, este valor é substancialmente superior ao alcançado no início da década passada, em que menos de 10% da população de qualquer um destes países possuía acesso a uma conta bancária.
A inclusão financeira é um caminho sem volta. Com cartões de crédito substituindo dinheiro em espécie, transações financeiras se tornando cada vez mais simples e mais pessoas conseguindo acesso à internet e aos serviços financeiros, uma imensa gama de oportunidades tem surgido para que novas companhias criem soluções financeiras totalmente baseadas em tecnologias nunca pensadas antes. Essas empresas se chamam fintechs.
O laboratório brasileiro
Nos últimos dez anos, o número de deals envolvendo fintechs brasileiras aumentou significativamente, com o volume total de recursos levantados por essas empresas crescendo exponencialmente no país. São Paulo, a maior cidade do Brasil, alcançou recentemente a 4ª posição na lista de maiores ecossistemas para fintechs, atrás apenas de São Francisco, Londres e Nova Iorque, e à frente de cidades como Tel Aviv, Berlin, Boston e Los Angeles, como mostra o estudo “2021 Global Fintech Rankings”, da Findexable em parceria com a Mambu.
Esse fato não deveria ser surpreendente, dado o quão amigável o Brasil se tornou para as fintechs que buscam explorar um mercado grande e sofisticado, mas ao mesmo tempo não proibitivamente competitivo. Ao oferecer um ambiente financeiro atrativo, o país se torna o local perfeito para expansão de fintechs extremamente sofisticadas criadas tradicionalmente nos EUA, em Israel e em outros locais mundialmente reconhecidos pela intensa atividade no mercado de venture capital e na indústria.
Além de tal potencial e da quantidade de oportunidades a serem exploradas localmente, a aderência à tecnologia já está culturalmente enraizada no Brasil. Apesar do frágil desenvolvimento socioeconômico do país, uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta que o Brasil conta com aproximadamente dois dispositivos digitais por habitante, o que vai totalmente a favor das startups que buscam ofertar novas soluções tecnológicas localmente.
A menina dos olhos dos investidores
As fintechs têm inquestionavelmente atraído atenção relevante dos investidores e gradualmente conquistado a reputação de um dos tipos de empresa mais promissores dentro do mercado de venture capital. Em meio aos segmentos de VC mais relevantes, as fintechs estão apenas atrás de Inteligência Artificial e Machine Learning na evolução do valor total de deals concluídos de 2012 a 2020.
Com tamanha consistência no desempenho, tudo indica que o 2º lugar no ranking será mantido com facilidade pelo setor no curto prazo. Além disso, a falta de serviços financeiros sofisticados claramente ainda afeta uma quantidade considerável de países, independentemente do quão tecnologicamente desenvolvidos eles sejam. O uso de soluções tecnológicas desenvolvidas no campo da medicina, análise de dados e diversos outros é muito mais divulgado do que para serviços financeiros. Por sorte, essa realidade já tem se transformado, com oportunidades ilimitadas neste segmento a serem exploradas.
Por fim, vale lembrar que a maioria dos serviços fornecidos por fintechs depende do acesso ao mundo digital. Neste sentido, as tendências de inclusão digital e bancária têm jogado a favor do desenvolvimento de serviços financeiros mais avançados. Estamos atualmente vivendo o que parece ser a próxima grande tendência no mundo financeiro e, olhando para frente, o caminho parece estar livre de obstáculos por muitos quilômetros.