*Por Rodrigo Latini, sócio e CEO da Zerezes
Já faz alguns anos que inovação e transformação digital se tornaram palavras tão comuns que até mesmo parecem algo banal ou que já perdeu a essência. Não são poucos os casos de empresas que utilizam de “innovation washing” para parecerem digitais, inovadoras, e se colocarem como a empresa mais cool e candidata a disruptora de algum mercado.
O problema é que a ânsia por ser reconhecido como uma empresa digital, apesar de ajudar a melhorar os múltiplos dos valuations, distancia o foco do que realmente importa, que é a criação de novos modelos capazes de gerar mais valor para as pessoas. Lançar um app ou ser digital não necessariamente são a resposta certa para os problemas de alguns setores que operam há anos de forma acomodada e ineficiente.
Ao invés de parecerem digitais, as empresas deveriam colocar todas as forças em entender bem a fundo os reais problemas e pontos de dor dos seus clientes – e muitas vezes isso envolve também o que eles ainda não vêem. Durante muitos anos as barreiras à entrada de diversos setores eram grandes demais e, em vários deles, poucas empresas conseguiram se estabelecer com tamanho poder. Tanto que a péssima oferta ou serviço oferecido acabou virando o “padrão” de mercado, e ficamos conformados com o jeito que aquele determinado setor opera.
A tal da transformação digital
A transformação digital entra exatamente aqui – a tecnologia acabou com muitas das barreiras de entrada e possibilitou novas empresas a oferecerem uma alternativa. O sucesso da transformação digital é que ela permite melhorar a experiência do consumidor, tomar decisões mais precisas baseadas em dados, e criar novos modelos de negócios e fluxos de trabalho. Que por serem mais eficientes conseguem disponibilizar seus produtos e serviços onde e quando as pessoas precisam, e na maioria das vezes cobrando menos por isso.
Resumidamente, a transformação digital entrega aos clientes mais por menos. Essas empresas inovadoras são geralmente formadas por pessoas inconformadas, que entendem a fundo as dinâmicas de determinados setores e entendem que eles poderiam entregar muito mais valor aos seus consumidores.
Para exemplificar o que quero dizer, trago minha experiência no setor ótico. Este é um mercado que sempre funcionou da mesma maneira – mas você já parou para pensar se realmente opera da melhor maneira? Entrar em uma ótica, orçar uma lente, escolher entre inúmeras armações similares que parecem não ser as ideais para o seu rosto e pagar quase o valor de um celular de última geração por isso?
Historicamente, a maioria das pessoas compravam óculos porque precisavam enxergar, e viam o acessório como uma (infeliz) necessidade. O setor se moldou de acordo com esse pensamento, criou uma grande história por trás da tecnologia utilizada para fazer as lentes, um cardápio de inúmeras opções para que nenhum leigo consiga entender o que realmente precisa, e por causa da insegurança dos consumidores em escolher um produto que teoricamente poderia fazer mal a sua visão consegue cobrar valores extremamente altos.
Explorando novas necessidades
Quando ouvimos clientes e não clientes que usavam óculos de grau, descobrimos uma necessidade totalmente diferente. Os óculos cada vez mais são vistos como artigos de moda, um acessório único, que fica no seu rosto, e é capaz de passar como nenhum outro a imagem que você deseja. Aqui encontramos o que realmente entregamos de valor às pessoas: autoestima, bem-estar, confiança. As lentes são sim essenciais para fazer enxergar e cuidar da nossa saúde visual, mas é isso que elas precisam fazer – ninguém precisa ter uma “ferrari” das lentes.
A Zerezes surgiu do design, “um processo de pensamento que compreende a criação de produtos e serviços para solucionar problemas, incluindo aspectos funcionais e estéticos“. Para fazer isso bem hoje em dia, temos que ser digitais porque só assim conseguimos estreitar a relação com nossos clientes e coletar uma grande base de dados de forma extremamente rápida.
Estamos transformando a relação das pessoas com os óculos, e isso envolve o processo de escolha e compra, assim como a forma que elas se enxergam e se sentem com eles. Cada vez mais entendemos que a digitalização por si só não é sinônimo de inovação, mas um meio de conseguir fazer uma entrega de valor mais rápida e completa.
É com preocupação que vejo muitas empresas concentradas em copiar ou adotar tecnologias para serem reconhecidas como digitais. Se essa é a diretriz de criação de valor, perde-se o foco em entender os reais problemas dos consumidores e as oportunidades que o setor oferece. Isso deixa aberta a porta para a disrupção, porque alguém no seu mercado vai olhar para os reais problemas e criar novas soluções para os seus consumidores.