*Flávia Mello é investidora e mentora de empresas fundadas por mulheres que desenvolvem soluções para equidade de gênero, entre elas: SafeSpace, Oya, HerMoney, Feel e The Feminist Tea
Quando criou o termo unicórnio para designar startups sem cotação em bolsa avaliadas acima de US$ 1 bilhão, em 2013, a investidora anjo americana Aileen Lee, fundadora da Cowboy Ventures, descrevia tal universo de empresas como tão raro quanto este ser mágico e mitológico. “Apenas um sonho alcançável por muito poucos”, descreveu ela. E por ser esse um universo ainda dominado por homens, Aileen certamente não imaginou que mulheres pudessem quebrar essa barreira com facilidade e chegar a ostentar seus unicórnios tecnológicos. Pelo menos não tão cedo e não enquanto perdurar a mentalidade machista que domina esse mercado até agora.
Menos de uma década depois, mesmo que de forma ainda tímida, já termos comemorado o fato de que mais mulheres, a cada ano, estão entrando para o seleto clube dos criadores de startups bilionárias. Em agosto, pelo menos 39 empresas privadas com todas as mulheres ou homens e mulheres em suas equipes fundadoras ultrapassaram, pela primeira vez, a marca de avaliação de US$ 1 bilhão, segundo dados do Crunchbase. Isso representa 12% do total de 327 novos unicórnios cunhados globalmente nos primeiros sete meses de 2021.
Uma das mais novas adições de unicórnio é a Maven Clinic, com sede em Nova York, um provedor de serviços de saúde digital para mulheres que arrecadou recentemente US$ 110 milhões em uma avaliação de mais de US$ 1 bilhão. Sua fundadora e presidente, Kate Ryder, é uma ex-jornalista e investidora de startups em estágio inicial que lançou a empresa em 2014. Já no Brasil, um dos exemplos de startups bem sucedidas com mulheres entre suas criadoras é o Nubank. O banco digital foi avaliado recentemente em U$ 30 bilhões e tem como fundadora e presidente a engenheira Cristina Junqueira.
Como se vê, mulheres com negócios bilionários começam a aparecer nos mais diversos segmentos – e o que é mais gratificante, muitas delas construindo empresas que beneficiam outras mulheres. Os exemplos citados acima mostram ainda que, além de ultrapassarem a emblemática barreira do U$ 1 bilhão, elas estão fomentando ideias que, hoje, já valem dez vezes mais que isso, tornando-se criadoras de decacórnios!
Estas são, com certeza, histórias inspiradoras, que devem ser divulgadas para que cada vez mais mulheres sonhem alto e acreditem em suas capacidades de criar e gerir negócios de sucesso, ainda que as barreiras a serem transpostas para alcançarmos nossos objetivos ainda sejam bastante desafiadoras. Segundo levantamento da Crunchbase, dos US$ 26 bilhões investidos em modelos inovadores de negócios em 2019, apenas US$ 6 bilhões foram obtidos por startups fundadas por mulheres.
Entre 2010 e 2019, o estudo revela que startups exclusivamente criadas por empreendedoras receberam somente de 2% a 3% dos recursos de mercado. O fato de que investidores são também, na esmagadora maioria, são do sexo masculino agrava essa situação. No Brasil, segundo dados do Anjos do Brasil, apenas 7% dos investidores em startups são mulheres. Nos times de venture capital e private equity a realidade não é diferente: dados da International Finance Corporation na América Latina mostram que apenas 8% dessas empresas têm mulheres entre seus funcionários.
Podemos e devemos – SIM – ter ideias grandiosas e ousar em nossos planos de negócio, porém também é necessário apontar as desigualdades existentes hoje e promover a transformação saudável que esse ecossistema precisa, para que mais unicórnios sejam encontrados por aí.