* Marcella Costa e Tatiana Poli são gestora e advogada do Opice Blum, Bruno e Vainzof Advogados Associados
Os últimos cinco anos foram revolucionários para as startups brasileiras, sendo comum a mídia divulgar operações envolvendo essas empresas com valores vultosos, uma vez que o país saiu de cerca de 5 mil startups, mapeadas em 2016, para mais de 13 mil em 2021, atingindo a marca de 22 unicórnios em 2022 (empresas com valuation igual ou superior a US$ 1 bilhão, validado por rodadas de investimentos cuja participação do investidor foi calculada com base nesse valuation).
Nesse período, vimos nascer iniciativas importantes para o processo de aceleração desses negócios, com programas corporativos de inovação aberta, assim como hubs de inovação, a exemplo do Cubo, Distrito, Inovabra, Darwin e outros projetos essenciais para o processo de amadurecimento do ecossistema brasileiro. Do ponto de vista de investidores, o aumento no interesse e no capital disponível para as startups nacionais fortalecem esse entendimento. Em 2021, no âmbito regulatório, a promulgação do Marco Legal as Startups e do Empreendedorismo (Lei Complementar n° 182/2021) foi um passo importante para fortalecer a importância do mercado de inovação no Brasil e o papel das startups e micro e pequenas empresas envolvidas no ecossistema.
No entanto, nos últimos meses há um movimento de incredulidade que rodeia as startups, culminando em uma avalanche de críticas pessimistas, especialmente quanto à disponibilidade de investimentos, à capacidade de se manterem sustentáveis e à confiabilidade dos valores vultosos envolvidos nessas operações. Alguns fatores podem ter contribuído para esse cenário, como a constatação de que, depois de operações de captação de investimentos, muitas vezes o valuation da startup era reduzido drasticamente, a exemplo do caso do Nubank, que fez a oferta pública de ações (IPO) na bolsa de valores de Nova Iorque (NYSE) e, posteriormente, viu seu valuation cair em torno de 63%.
Além disso, as próprias startups, que não costumam ter em seu business plan a previsão de gerar lucros a curto/médio prazo, foram colocadas em xeque. Será que o modelo de negócios dos “unicórnios” é o mais interessante mesmo? Isso é somado a fatores externos ao ecossistema, como inflação, alta dos juros, cenário político conturbado, guerra. Apesar de não compartilharmos dessa visão pessimista, também não podemos fechar os olhos para as mudanças no cenário econômico e mercadológico.
Em novembro de 2021, em um dos painéis do Web Summit Lisboa, representantes de três dos principais bancos de investimentos em venture capital já deixaram um alerta sobre “over funding e crazy valuations”, principalmente em operações com startups early stage brasileiras. Segundo relatório publicado pela empresa de inovação Distrito, em julho de 2022, o volume de investimentos em startups caiu 44% no primeiro semestre deste ano, comparado com o mesmo período de 2021. Mas, acredita-se que as oportunidades persistem.
Nos últimos meses, grandes corporações lançaram veículos de Corporate Venture Capital que juntos somam quase R$ 1 bilhão para investir em empresas nascentes e ligadas à inovação. São empresas como B3, Suzano, Telefônica Brasil, Renner, Vale, Totvs, entre outras. O recado parece mais do que claro: ainda há dinheiro e bastante interesse do mercado para esse tipo de operação/investimento.
Então, o que mudou? O mercado está mais criterioso. E isso reflete-se diretamente na atenção e no nível de rigor aplicado ao já complexo processo de valuation da startup, além de menor flexibilidade no momento de negociar, de um lado, restrições para os founders das startups e, de outro, alternativas de saída e regras de antidiluição para investidores.
É importante esclarecer que valuation é o termo em inglês utilizado para o valor estimado de uma empresa a partir de um processo que considera previsão de crescimento e percepção de mercado. Apesar de existirem algumas metodologias bem conhecidas e aplicadas no mercado (como fluxo de caixa descontado, múltiplos de mercado ou capital de risco), esse não é um cálculo exato. Há boa dose de subjetividade envolvida. O conhecimento do setor de atuação da empresa avaliada, das suas particularidades técnicas, dos riscos e das perspectivas é fundamental na hora de definir as premissas e de estabelecer o resultado.
Quando uma empresa tem seu capital aberto, ou seja, negocia suas ações em bolsa de valores, é fácil mensurar seu valor com base no valor das ações que são negociadas. Contudo, em startups early stage essa dificuldade aumenta, já que normalmente estamos diante de empresas com negócios inovadores, ainda em fase de consolidação, sem histórico financeiro e inseridas em um ambiente com alto nível de incerteza e mortalidade.
É importante, portanto, aumentar a confiabilidade do negócio, reduzindo as brechas que podem reduzir o valuation e aumentando o nível de conformidade da startup em todas as instâncias: aspectos “tradicionais” relacionados ao core business e presentes no pitch de todo bom empreendedor, além de respostas a possíveis perguntas que antes poderiam ser tratadas de forma mais branda, mas agora podem ser cruciais para a definição do valuation ou, até mesmo, para a conclusão de uma operação. Por exemplo:
1) Formalizações de negociações envolvendo a propriedade intelectual dos principais ativos da startup (software, marca, invenções, etc);
2) Conformidade do tratamento de dados pessoais. Com os modelos de negócios cada vez mais dependentes de dados, nossa Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) tem atuado mais, além de haver maior conhecimento do mercado sobre os impactos reputacionais que podem ser gerados, o que tem aumentado a atenção desse tópico nos processos de due diligence. Em pesquisa realizada com quase 600 profissionais da área de M&A na Europa, foi constatado que 56% já participaram de operações de fusão e aquisição que não progrediram em decorrência de problemas relacionados à privacidade e à proteção de dados;
3) Viabilidade jurídica do negócio. Em pesquisa da CB Insights, 18% das empresas atribuíram “aspectos regulatórios e desafios legais” como causa para o fracasso de sua startup. É um índice considerável se pensarmos que outras causas mencionadas no resultado da pesquisa podem estar associadas a questões jurídicas, como “problemas com investidores” ou “falta de modelo de negócios”. Se o negócio não tiver um planejamento tributário inteligente, ele pode simplesmente não “parar em pé”.
Por fim, alertamos para a importância de os fundadores estarem atentos durante as negociações. Cuidado com o entusiasmo de finalmente ter encontrado um investidor e se certifique de que seus interesses estão protegidos e realmente refletidos nos textos dos contratos envolvidos. Algumas cláusulas podem ser arrasadoras, como a que trata da diluição no capital da sociedade ou sobre a garantia de valor da startup.
Assim, é impossível ignorar o novo bordão do mercado: “O crescimento a qualquer custo acabou.” O tempo agora parece ser de crescimento menos acelerado associado à rentabilidade saudável e, para isso, ajustes nas rotas são recomendados e bem-vindos. A flexibilidade e a adaptabilidade frente às mudanças sociais impostas por novas tecnologias e novas formas de executar uma determinada atividade, que tanto se prega para o sucesso de uma startup, agora parece que serão exigidas de outra forma.