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Artigo: Estônia aposta em modelo seguro de identidade digital para ganhar eficiência

Com um bem-sucedido modelo de identidade digital, a Estônia consegue gerir seus serviços públicos de maneira mais inteligente e econômica

Artigo: Estônia aposta em modelo seguro de identidade digital para ganhar eficiência

*Diogo Bassi é VP de Finanças da unico

A Estônia, o pequeno país do leste europeu que conquistou a independência da União Soviética apenas no início dos anos 1990, saiu em algumas décadas de uma situação de pobreza e escassez para o posto de referência em governança eficiente e desburocratizada. Uma das nações mais digitais do mundo.

Graças a um bem-sucedido modelo de identidade digital, a Estônia consegue hoje gerir seus serviços públicos de maneira muito mais inteligente e econômica. Essa identidade, uma espécie de “RG digital”, funciona como um cadastro único de várias informações relevantes dos cidadãos. Um único documento, com um único número, permite acessar dados como endereço, escolaridade e profissão, imposto de renda, histórico médico e assim por diante.

Estive recentemente na Estônia para entender melhor o sucesso desse experimento de construção de uma sociedade altamente digital. Nessa imersão, procurei entender em especial por que a identidade digital deu tão certo no país. Afinal, sua adoção não é obrigatória – e seria compreensível encontrar alguma resistência à ideia de centralizar tantas informações em um único cadastro gerido pelo governo. Ainda assim, mais de 98% da população adere ao documento digital. Qual é o segredo?

É difícil apontar uma única resposta, mas penso que um ingrediente essencial nessa fórmula de sucesso da Estônia é a transparência do seu modelo de identidade digital. O banco de dados do país conta com um data tracker que permite a cada cidadão verificar quando e por quem seus dados foram acessados. Além disso, o cidadão pode liberar ou não o acesso a algumas de suas informações aos órgãos públicos ou entidades privadas. Pode-se, com isso, avaliar a maneira com que o governo tem usado esse volume de informações para, por exemplo, planejar políticas públicas.

Além de ampliar a transparência da relação entre sociedade e Estado, esse mecanismo de data tracker contribui para a segurança do sistema. Já que o acesso a cada informação possui um registro protegido por blockchain, é muito mais fácil identificar qualquer uso indevido de dados, o autor da infração e corrigir rapidamente o problema. A segurança também é garantida pelo fato de que as informações são armazenadas em blocos – ou seja, no caso de uma invasão ou de algum evento similar, jamais seriam corrompidos todos os arquivos.

Investimento em educação

Mas a transparência do modelo não é a única explicação para o sucesso da identidade digital. É notável também o investimento do país em educação e na construção de uma infraestrutura tecnológica. A Estônia modernizou seu sistema de ensino, conectando todas as suas escolas e introduzindo a tecnologia na sala de aula desde os primeiros anos. Segundo dados da OCDE, os estonianos têm o melhor desempenho em leitura, ciências e matemática dentre os estudantes europeus. O governo também implementou programas de alfabetização digital voltados à população mais velha. São fatores que ajudam a explicar porque a população da Estônia, de todas as faixas etárias, demonstra tamanha intimidade com serviços online.

Esse sucesso da identidade digital, resultado de muito trabalho e planejamento, se converte em ganho econômico e qualidade de vida para os cidadãos. Na Estônia, é possível abrir uma empresa em apenas 15 minutos. O programa e-Residency, mantido desde 2014, tem atraído empreendedores de todo o mundo com a possibilidade de abrir um negócio no país sem exigir cidadania estoniana ou mesmo residência. Essa agilidade para criar novos negócios formais não significa apenas economizar o tempo dos empreendedores: significa também empresas gerando empregos e recolhendo tributos mais cedo, o que é vantajoso para todos, muito especialmente para o poder público.

A Estônia oferece caminhos para repensar a realidade brasileira, ainda marcada por um elevado grau de burocracia e por um ambiente de pouca confiança. Esse pequeno país europeu, tão distante de nossa realidade, ensina ao menos duas importantes lições: em primeiro lugar, que é preciso planejamento de longo prazo, com foco na educação voltada à tecnologia, para que possamos gradualmente digitalizar e dar eficiência à nossa burocracia. Em segundo, que a transparência é um dos segredos fazer esse processo funcionar.