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Artigo: Startups e pandemia — ou os tombos que a gente leva

Artigo: Startups e pandemia — ou os tombos que a gente leva

 

*Jordana Souza, cofundadora e Chief Revenue Officer da Voll

 

Morando em Belo Horizonte há seis anos, não demorou muito até eu aprender o conceito de “todo mundo vê as pingas que a gente toma, mas não vê os tombos que a gente leva”. Vale para tudo, inclusive para a rasteira que nós, startups, levamos da pandemia de covid-19 em 2020.

Ao pensar em empresas de tecnologia, a imagem na mente da maioria das pessoas é de organizações nativas digitais, cujos negócios foram até favorecidos pela pandemia e pelo protagonismo do digital que o distanciamento social provocou. O exemplo mais simbólico é o Zoom, plataforma de videochamadas, que cresceu 370% no último trimestre de 2020. Essa seria a pinga.

Mas o cenário das startups é vasto, e a crise afetou cada uma delas de maneiras muito diferentes. Gigantes como a Airbnb, que pareciam inabaláveis, anunciaram cortes drásticos de 25% de sua força de trabalho, cortou os salários da C-section pela metade, congelou contratações em 2020, entre outras ações de contenção. Esse, você já deve ter imaginado, é o tombo.

O Airbnb acabou se tornando um caso de empresa que “caiu para cima”. Apesar de todas dificuldades deste ano particular, eles conseguiram manter a saúde do negócio. Aliás, terminaram 2020 com uma avaliação de aproximadamente US$ 30 bilhões.

Uma parte desse resultado foi devido ao investimento que eles receberam ainda em abril de 2020. Mas o restante foi fruto de a empresa ter entendido que precisava mudar — e rápido — para acompanhar os novos tempos.

Entre um exemplo e outro existe uma enorme escala de cinza, de empresas que precisaram se adaptar rapidamente para conseguir sobreviver aos desafios desta crise sem precedentes.

Uma pesquisa realizada pela aceleradora Liga Ventures, Totvs iDEXO e a InovAtiva Brasil em abril de 2020 revelou que mais de 40% das 234 empresas consultadas tiveram reduções superiores a 30% na receita mensal. De lá para cá, muitas não resistiram ao impacto, outras ainda estão lutando.

É difícil falar sobre as ações que foram tomadas, quais deram certo e quais não tiveram sucesso. O contexto de cada startup é muito particular, e isso faz com que não exista uma fórmula para conseguir manter a cabeça fora da água neste período de crise. Mas podemos falar sobre a escolha que nós fizemos e que, até agora, tem se mostrado uma decisão acertada.

Até novembro  de 2020, a Voll era uma startup de mobilidade que reunia em um único aplicativo todas as opções de transporte em diversas cidades do mundo. Com a chegada da covid-19, a redução drástica de voos no mundo inteiro e, consequentemente, um número muito menor de viajantes, o nosso negócio estava na primeira fila para ser um dos mais impactados. Identificando isso, vimos que era hora de nos mexermos.

Percebemos que, mesmo no momento de maiores restrições, algumas viagens eram inevitáveis. Executivos ainda precisavam (ou precisavam mais do que nunca, em alguns casos) se deslocar para tratar de assuntos inadiáveis; profissionais de saúde eram requisitados em outras regiões; turistas presos em países estrangeiros precisavam voltar para casa.

Com restaurantes e comércios fechados e hotéis funcionando com restrições de serviços, muitas vezes o acesso a coisas básicas, como as refeições, era complicado. Foi pensando nisso que aceleramos o lançamento de uma nova funcionalidade.

Expandimos o conceito de “mobilidade” e incorporamos o acesso a outros modais de mobilidade, não só de transporte, como de alimentação, reserva de hotel, aluguel de carro e passagens aéreas. Nos tornamos o primeiro app one stop shop de viagens do Brasil.

Mais uma vez, o que se vê é a empresa que cresce, apesar do contexto global mais do que desfavorável. Foi uma mudança que não veio sem dor. Apesar de já ser o caminho que estávamos trilhando para a Voll, ter que acelerar esse processo teve um custo, principalmente sobre o nosso lado pessoal.

Muitas horas a mais de dedicação, a pressão de fazer dar certo, a insegurança de lançar novos produtos de viagens em um momento em que o setor lidava com uma recessão cerca de três vezes maior do que a da crise de 2007. Funcionou. Ufa.

No fim das contas, já não estamos mais contando nem pingas nem tombos. Diante de tantas perdas, todo sucesso deve ser celebrado. O ganho de um é uma vitória para todos.