* Jeffrey Hoberman é investidor e cofundador da healthtech White Tents
Sou filho de um médico. Desde criança me lembro de quanto a sua relação com seus pacientes era próxima e pessoal. Em seu consultório havia um arquivo quase místico, onde ele guardava fichas detalhadas de cada um deles. Naqueles tempos analógicos, dados de saúde dos pacientes eram valiosos e escassos. Ter acesso a um exame de saúde chegava a ser um calvário. Na prática, suas informações eram retidas por trás de invisíveis muralhas em hospitais, postos médicos, planos de saúde, farmácias, laboratórios ou outros médicos, como se a eles pertencessem.
O mundo mudou. Quase todos os exames médicos deixaram o papel. Estão digitalizados, o que, em tese, permite o seu compartilhamento. Vemos, ainda, uma explosão de novos atores especializados nos campos mais diversos da saúde. O problema é que, apesar dos avanços da digitalização e das especializações, essas informações – de exames médicos a diagnósticos, ou receitas prescritas – permanecem retidas em silos quase intransponíveis.
Falta ao setor o que já está em curso no mercado financeiro: um sistema de Open Health, conceito que tem um paralelo ao do Open Banking. Nessa nova fronteira do setor financeiro, o usuário simplesmente “leva consigo” os seus dados bancários sempre que o desejar. Caminhamos para que todos os dados financeiros fiquem disponíveis ao cliente e deixem de pertencer aos bancos. Esse paradigma no setor bancário pressupõe uma tecnologia padronizada para garantir a portabilidade de dados entre instituições, além de protocolos técnicos e uma regulação rígida.
Por que Open Health?
E por que não pode ser assim na saúde? É preciso um Open Health, ainda que represente um desafio e tanto, ante os aspectos éticos e técnicos envolvidos. Aqui, caberá ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao Ministério da Saúde um papel fundamental: liderar e estabelecer critérios para o seu ambiente tecnológico, bem como para uma compliance que empodere o cidadão a gerir suas informações, compartilhando apenas o que deseja e com quem deseja, com segurança.
Mais do que o empoderamento do cidadão frente à gestão de sua própria saúde, o Open Health fomentará mais saúde e um novo mercado. De um lado, contaremos com um acesso melhor a diagnósticos em função do fácil compartilhamento de informações, bem como para a incorporação de tecnologias como IoT (Internet das coisas) aplicadas à saúde. De outro, empresas e healthtechs criarão produtos e serviços para que o paciente compartilhe voluntariamente as suas informações com os inúmeros agentes e para que delas possa extrair insights e construir decisões mais maduras. Esse ecossistema digital trará, ainda, várias soluções para descontos em marketplaces de saúde. Será mais fácil a emissão de “moedas digitais” para premiar quem estiver com a carteira de vacinação em dia, por exemplo. Haverá, também, uma melhor precificação dos planos de saúde e incentivos de medicina preventiva.
Enfim, o Open Health tem o poder de contribuir para trazer benefícios reais à saúde das pessoas. Mas não nos enganemos. As resistências serão diversas: empresas de saúde e suas áreas de TI tenderão a criar obstáculos para o compartilhamento de dados, a exemplo do que ocorreu no início do Open Banking. Ainda assim, essa é uma demanda que pede ações concretas e imediatas. A tecnologia já está aí, disponível, assim como atores novos em saúde digital emergindo, ansiosos por entregar esse mundo novo ao cidadão.