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Artigo: Venture Debt cresce no Brasil com uso de Notas Comerciais e outros ativos

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* Beatriz Martins, Gustavo Rabello e Victor Fonseca, do TozziniFreire Advogados

O ano de 2022 tem sido intenso para o ecossistema de startups: da queda dos valuations ao aumento da taxa de juros e disparada da cotação do dólar, o cenário parecia desesperador nos primeiros meses do ano do ponto de vista econômico.

Contudo, passado o primeiro semestre, pudemos notar que a escassez em determinadas fontes de capital tem permitido o desenvolvimento de outras modalidades de financiamento, além de um amadurecimento do ecossistema como um todo, norteado, inclusive, pelo surgimento de normas que passaram a regulamentar instrumentos financeiros, como é o caso da Lei que criou, em 2021, as Notas Comerciais, descritas no presente artigo, além do aperfeiçoamento das CPRs (Cédulas de Produto Rural), com o surgimento das Leis do Agro, a criação do Fiagro (Fundo de Investimento nas Cadeias Agroindustriais), dentre outros. 

À luz desse avanço regulatório, dentre as modalidades que emergem nesse cenário, merece destaque o crescimento, no Brasil, do formato de Venture Debt – traduzido como “dívida de risco”, que consiste em empréstimos com condições mais coerentes e vantajosas do que os empréstimos bancários tradicionais e mais complexos. 

Essa categoria de financiamento já existe há 40 anos no mercado norte-americano e contabilizou US$ 33.1 bilhões em investimentos no ano de 2021, representando cerca de 10% do valor total investido pela indústria de Venture Capital durante o período, de acordo com dados do PitchBook. No mercado brasileiro, entretanto, apesar de equivaler a menos de 1% do total investido no setor, em 2022 a modalidade tem avançado a passos largos, o que demonstra, nesse sentido, que há amplo espaço para crescimento. De acordo com o levantamento feito pelo Sling Hub, apenas no mês de julho foram investidos US$ 311 milhões via Venture Debt no ecossistema de startups da América Latina (cerca de 37% do total investido na indústria).  

Os empréstimos de Venture Debt ganham muita tração quando direcionados para startups, empresas que normalmente possuem menos crédito em linhas tradicionais, dada sua natureza inovadora, os seus poucos anos de vida e, consequentemente, as incertezas que as cercam.  

No fim do dia, para o empreendedor do chamado early stage, o financiamento via dívida pode ser vantajoso, considerando, principalmente, que nem sempre ele deseja trazer um sócio novo para seu negócio e consequentemente se desfazer de parte de suas quotas ou ações. Além disso, ao comparar o Venture Capital com o Venture Debt, há diferenças quanto aos prazos e formas para pagamento dos valores recebidos por empreendedores de volta aos investidores.

Na estrutura de Venture Capital, por exemplo, o empreendedor geralmente possui maior prazo para retornar o investimento ao credor/investidor, o que deve geralmente ocorrer no momento em que sua empresa é vendida a um comprador, ou tenha seu capital aberto através de uma Oferta Pública de Ações. O financiamento via Venture Debtpor sua vez, é utilizado, geralmente, para obrigações de curto e médio prazo que requeiram caixa mais imediato. O ponto negativo envolve o fato de que as primeiras parcelas geralmente possuem um prazo mais curto para pagamento de volta ao credor/investidor. Do lado positivo, a rapidez e simplificação, além de manter intacta a sua estrutura societária, têm atraído interesse do mercado como um todo. 

Do ponto de vista do investidor, o foco deve ser direcionado à necessidade da estruturação de um pacote de garantias mais robusto, em caso de eventualidades futuras. A condução de uma Due Diligence visando se certificar acerca da capacidade do devedor/empreendedor de honrar os pagamentos da dívida contraída também deve ser realizada. Inclusive, é comum que essas garantias estejam atreladas aos ativos mais característicosde empresas inovadoras – como alienações fiduciárias envolvendo cotas, cessão de recebíveis, dentre outros.  

Ainda, uma avaliação profunda das características tributárias do ativo financeiro que representa a dívida na estrutura é de suma importância. 

Diante das particularidades das startups, a estruturação da dívida de risco deve ser feita de forma cuidadosa e sempre personalizada – soluções de crédito “de prateleira” são pouco aplicáveis à realidade de emissores no ambiente do Venture Debt. 

Notas Comerciais

Cabe aqui um destaque especial em relação à Nota Comercial. Apesar de já ter sido definida como valor mobiliário desde 2001 pela Lei nº 6.385/1976, ganhou recentemente um impulso grande através de uma regulamentação própria, dedicada a ela pela Lei nº 14.195/2021. A Nota Comercial tem atraído interesse de estruturadores em diversas esferas e tem sido um título vastamente adquirido por fundos, também servindo como lastro de operações estruturadas (CRAs, FIDCs e outros), principalmente em razão da sua simplicidade e acessibilidade. 

Em linhas gerais e bem resumidamente, as Notas Comerciais são caracterizadas como títulos de crédito, emitidos sob a forma escritural e de livre negociação. Representam promessa de pagamento na forma de título executivo extrajudicial (sem necessidade de protesto) e podem ser emitidas por sociedades anônimas (S.As.), limitadas (LTDAs.) e cooperativas. Elas podem ser ofertadas tanto de forma privada quanto de forma pública. Porém, caso ofertadas privadamente por S.A., não podem ter cláusula de conversibilidade em participação societária. 

Em decorrência da sua acessibilidade para diferentes tipos de sociedade, a Nota Comercial pode ser considerada uma “prima” gentil da debênture, justamente por ser mais “democrática” – inclusive, a assembleia dos titulares de Notas Comerciais, caso aplicável, pode adotar as mesmas disposições da assembleia de debenturistas, previstas na Lei nº 6.404/1976.  

Quanto ao prazo, há precedentes recentes de Notas Comerciais sendo emitidas com prazos superiores a dois anos. As garantias, por sua vez, são flexíveis: as Notas Comerciais podem ser emitidas sem ou com garantia real ou fidejussória. Do ponto de vista tributário, esse título também é vantajoso em decorrência da possibilidade de benefícios em relação ao IOF-Crédito (questão que costuma gerar discussões, mas que não será aprofundada aqui). Além disso, por ser um título escritural, conforme dispõe a Lei que o criou, não há a exigência para que o seu registro seja feito em Cartório ou Junta Comercial, o que pode representar uma grande vantagem em relação às debêntures, por exemplo. Tampouco há o requisito para a existência de um Agente Fiduciário, ao contrário da Debênture Ofertada Publicamente.  

De fato, considerando o dinamismo e a agilidade que dominam o ecossistema de startups, a Nota Comercial revela-se como peça-chave. No entanto, apesar de seus benefícios, existem outros sólidos instrumentos que também são comumente utilizados para a estruturação via Venture DebtNaturalmente, cada um deles possui suas próprias vantagens e desvantagens. Isso dependerá bastante do tipo de negócio e características do empreendedor.

Por exemplo, se a emissão for feita por uma empresa focada em meios de pagamento (fintechs) em favor de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), a Cédula de Crédito Bancário (CCB) pode fazer mais sentido. Se a empresa possuir ligação com a indústria do agronegócio, pode-se pensar na estruturação via Cédula de Produto Rural Financeira (CPR-f). As debêntures, por sua vez, também são vastamente utilizadas em operações que exigem pacotes complexos de garantia. 

No caso da Nota Comercial, por exemplo, ela pode prever tanto um único pagamento ao final do prazo, como amortizações periódicas, com ou sem taxas de juros e demais especificidades atreladas ao título de dívida emitido. Ou seja, a importância de contar com experientes players na estruturação do financiamento por Venture Debt é fundamental no sentido de evitar percalços futuros em relação à modalidade escolhida.   

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