Artigo

Artigo: Vida longa à Coroa!

Artigo: Vida longa à Coroa!

* Camilla Cusatis é fundadora da consultoria lucce

Esse não é mais um artigo sobre o Web Summit; não, calma lá. Esse será diferente. Eu prometo. Eu não quero falar dos 748 palestrantes, 1519 startups, 70 unicórnios ou até mesmo da impressionante 50,5% de participação feminina no evento, mesmo isso sendo incrível (primeira vez em dez anos de evento que o público feminino ultrapassou o masculino). 

Ok, eu não aguento, vou dedicar apenas um parágrafo a esse fato. Apesar desse dado ser maravilhoso, as mulheres NÃO eram maioria nas palestras e muito menos expondo entre as startups. Então a gente comemora, mas com o pé atrás. Para mim, isso significa claramente mais mulheres trabalhando na área (ouvi um amém?), mas ainda não no protagonismo dos palcos e entre fundadores; estamos nos bastidores. 

Eu quero falar de como Portugal, um país de 10,3 milhões de habitantes, pode ter um ecossistema tão organizado, unido e que trabalha claramente para colocar essas pessoas no futuro. Nesse momento, você está pensando “mas dá certo porque é pequeno, fácil de controlar e, como tem pouca gente, o negócio funciona”. 

Exemplo português

Não, para mim, é claro que não é por isso. Para mim a resposta é que, para eles, o empreendedorismo e a inovação são uma plataforma de governo. Lisboa, por exemplo, com os seus quase 505 mil habitantes, tem: 47 incubadoras, 28 aceleradoras, 127 coworkings, mais de 800 startups. Tudo isso, PASMEM, em conjunto e interligadas em um ecossistema chamado Made of Lisboa. 

O prefeito da cidade, Carlos Moedas, anunciou na abertura do evento a fundação, em 2022, da Fábrica de unicórnios de Lisboa. No ecossistema lisboeta, ainda orbitam: 200 grupos de anjos, 91 VCs e mais de 30 comunidades de empreendedores, na 6ª cidade mais atrativa para começar um negócio na Europa. 

Em Portugal foram investidos cerca de 435 milhões euros nas startups em 2020. Representado pelo Startups Portugal, estão mapeados 1 decacorn, 4 unicorns, 2175 startups, 44 VCs, 24 mil empregados e 447 corporates em 169 incubadoras e aceleradoras certificadas e interligadas pela RNI (Rede nacional de incubadoras e aceleradoras).  

Incubadora Startup Lisboa

Quer uma curiosidade? Tem uma incubadora ligada a todo país na cidade de Vimioso, com seus 4.669 habitantes no nordeste de Portugal. O workanywhere de verdade.

Sabe o que é mais incrível disso tudo? O país não está fazendo isso para vender no seu mercado interno. Convenhamos, Portugal inteiro é menor que a cidade de São Paulo. Eles estão produzindo tecnologia e inovação para o mundo e isso representa hoje 1,1% do PIB, com projeção para representar 2,2% em 2024. 

E, para jogar a pá de cal na nossa autoestima, foi lançada no dia 03 de novembro a European Startup Nation Alliance (ESNA), que foi proposta pelo Governo português ao Conselho da União Europeia e tem como missão criar uma aliança política entre os Estados-Membros, de forma que os empreendedores possam aproveitar todo o potencial do mercado único europeu. Com o objetivo claro de duplicar o número de unicórnios na Europa, aumentar o número de startups per capita e a quota das mulheres no empreendedorismo. 

Tudo isso é encantador e, para mim, o que mais se destaca é como todo mundo quer te ajudar. Todos te recebem, querem falar com você, se conectam, querem te ouvir, te indicam pessoas a conhecer, fazem conexões reais e, claramente, torcem por você.

E no Brasil?

Por aqui, para começar, não conhecemos nem o nosso próprio país: não temos ideia, por exemplo, da potência do ecossistema amazonense ou dos incríveis negócios que estão saindo do Pará. Há muita pouca cooperação. Somos tão desunidos e preocupados com o sucesso de nossos hubs e de nossos egos (ops, isso é papo para outro artigo), que esquecemos de nos juntar para exigir políticas públicas que fortaleçam todo o ecossistema, para que todos ganhem. Repetindo essa palavra, porque é importante, TODOS.

Só assim, unidos, ganharíamos força para que nosso ecossistema fosse uma potência. Hoje, com minhas desculpas aos mais otimistas, estamos longes de sermos relevantes como país que fomenta o empreendedorismo. Nossos unicórnios dizem muito mais sobre a resiliência e a competência dos empreendedores que souberam ler a necessidade do mercado nacional do que o apoio que tiveram para chegar lá.

Apesar de após quase duzentos anos de independência, está na hora de nos rendermos (mais uma vez) à Coroa.

E, assim, eu entendo essa corrida maluca que muitas empresas, empreendedores, startups, fundos e investidores estão fazendo em direção ao outro lado do Atlântico. Afinal, lá, tudo fica mais fácil porque você pode ser amigo do rei.

Conheça mais em:  Made of Lisboa,  Startup Portugal , RNI