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Bancos x fintechs: batalha que gera inovação no setor financeiro

Batalha
Batalha. Crédito: Canva

*Patrick O’Grady é sócio-fundador da Vectis Partners, CEO e sócio-fundador da VTech

A competição crescente com as chamadas fintechs – empresas que oferecem produtos financeiros digitais, onde o uso da tecnologia é o principal diferencial em relação às empresas tradicionais – tem levado os bancos a mudanças importantes na sua forma de atuação na última década. Como gestor com experiência nesse mercado tradicional e que migrou para o empreendedorismo no mundo das finanças, tenho vivido essa transformação bem de perto.

No Brasil as fintechs encontram terreno fértil porque estão presentes os 3 vetores principais para seu crescimento: um setor bancário altamente concentrado, que pratica preços altos e um mercado ainda pouco penetrado. Um dos principais motivos que me levaram a empreender no setor de investimentos foi perceber que, além dos fatores acima, a oportunidade fica ainda maior dada a ausência de um posicionamento comercial centrado no cliente quando analiso as ofertas tradicionais de bancos e corretoras.

Se voltarmos no tempo, sugestões de investimentos para clientes de varejo eram feitas exclusivamente pelo gerente dentro de uma agência bancária. Nessa versão 1.0, funcionava a chamada “arquitetura fechada”, onde os produtos oferecidos aos clientes eram exclusivos do banco onde se tinha o relacionamento. As fintechs eram incapazes de ameaçar esse ecossistema tão consolidado.

Com o avanço da tecnologia e a visão ousada de alguns empreendedores, chegamos no modelo 2.0 de arquitetura aberta, onde uma mesma plataforma passou a oferecer produtos de diferentes bancos e gestoras. Completam essa revolução o avanço significativo da distribuição pelo modelo de agentes autônomos de investimento e a possibilidade de conquistar clientes por via digital, rompendo a maior barreira que era a necessidade de ter agências bancárias espalhadas por todo o país.

Agora, creio que estamos em um terceiro momento, no modelo 3.0, onde alguns dos novos players já entenderam que o mundo caminha para ofertas onde o centro da relação deixa de ser o produto que está sendo comercializado e passa a ser o cliente atendido. O impacto dessa mudança será brutal, ainda que ocorra de forma progressiva por conta dos conflitos de interesse dessa atividade. Interessante perceber como a relação entre bancos e fintechs foi mudando ao longo dessa evolução.

Assim como lá fora, essa relação ocorreu em 3 fases: inicialmente desprezadas (“negação”), gradualmente notadas (“raiva”) e finalmente combatidas (“aceitação”) pelos bancos, as fintechs cresceram de forma acelerada em praticamente todas as linhas de atuação de um grande banco. Fazendo uma analogia, nas fases de “negação” e “raiva” era como se um urso fosse atacado por uma ou poucas abelhas, sem grande risco para si. Já na fase de “aceitação”, esse urso passou a ser atacado por um enxame e as marcas podem ser vistas na perda de participação e de valor de mercado.

A resposta dos players tradicionais é lenta, mas vem ocorrendo: abertura de suas arquiteturas para produtos de terceiros, realinhamento dos incentivos financeiros das suas equipes comerciais, migração para cloud e redução nas tarifas e comissões. Um exemplo disso é que só agora, no final de 2022, grandes players do setor bancário estão anunciando corretagem zero para compra e venda de ações, algo já trazido há muitos anos pelos novos players. Sabemos como é difícil fazer transformação digital para uma empresa tradicional, mas é algo inevitável para seguir relevante no mercado.

Trazendo um case que considero de sucesso, foi esse ambiente competitivo que nos permitiu idealizar a Vitreo há 5 anos. Essa plataforma de investimentos já nasceu usando tecnologia muito à frente dos seus concorrentes: operando 100% na nuvem e com uma arquitetura baseada em microserviços e APIs, em oposição ao modelo monolítico com datacenters. A Vitreo apresentava muito mais rapidez no lançamento de novos produtos, agilidade no atendimento dos clientes e escalabilidade para o desafio do crescimento acelerado. Tendo nascido a partir de uma gestora de recursos, somente com essa modernidade tecnológica foi possível lançar na sequência uma instituição financeira no meio da pandemia com literalmente toda a equipe trabalhando de casa.

Desde cedo entendemos também a importância de controlar o CAC (custo de aquisição de clientes), o que foi possível através de uma parceria comercial que nos possibilitou o marketing de inovadores produtos de investimento a um público qualificado e engajado, no que hoje chamamos de “creator economy”, onde a criação de conteúdo também abre espaço para o consumo de produtos financeiros.

Ao mesmo tempo, buscamos atingir um nível saudável de LTV (Lifetime Value, ou valor do cliente no tempo) usando uma nova abordagem na precificação dos nossos serviços, que buscava eliminar os pesados conflitos de interesse que, na oferta tradicional, deixam o cliente com a dúvida se o que lhe está sendo oferecido é de fato o melhor para si ou para o intermediário que o atende.

Implementamos uma metodologia chamada no Vale do Silício de Blitzscaling, ou escalada relâmpago, muito utilizado em situações na qual uma empresa precisa conquistar uma fatia do mercado sobre seus concorrentes de forma acelerada. A Vitreo atingiu o primeiro bilhão de reais em ativos sob gestão em apenas 6 meses com seu primeiro produto e, ao final de 3 anos, perto de R$ 13 bilhões sob custódia, quando foi então adquirida por um player tradicional.

Tenho muita certeza de que a vantagem tecnológica estará sempre a favor de quem está vindo pra competir e agir a partir das oportunidades. Hoje, identifico algumas tendências e oportunidades no setor de distribuição de investimentos para pessoas físicas. Vejo uma continuação da “deflação” de preços dos serviços financeiros e seu impacto positivo para o consumidor que vem para o centro dos negócios. A frase do Jeff Bezos, da Amazon, “A sua margem é a minha oportunidade”, segue valendo para as novas fintechs que chegam com estrutura de custo menor e conseguindo oferecer produtos de forma mais atrativa e personalizada.

Vejo o momento particularmente favorável para M&A, afinal os bancos tradicionais saíram da fase de negação e já entenderam que precisam de respostas. Muitas vezes, adquirir uma fintech pode ser mais interessante do que criar algo do zero, especialmente agora que vivemos uma forte diminuição na disponibilidade de capital. No campo de tecnologia e modelo de negócio vemos os tradicionais abrindo seus serviços bancários aos neo-bancos, com ofertas próprias de Bank as a Service.

Acredito que as fintechs seguirão desafiando a concentração, buscando nichos e promovendo a inclusão bancária. Já os bancos vão continuar melhores em algumas áreas, como originação e anti-fraude. De um lado a ansiedade de ir logo para produção e do outro uma infinidade de regras e aprovações atrasam o time to market. Vejo opostos que são totalmente atraídos e o maior beneficiado é o cliente.