*Otávio Pimentel é Partner & Head de M&A na ACE Advisors
O Brasil é um país emergente para companhias estrangeiras quando falamos em M&As cross-border (ou fusões e aquisições internacionais). Entre alguns fatores, estão oportunidades em diversos setores e expansão territorial, além de desenvolvimento de tecnologias personalizadas, devido a necessidades específicas. Porém, cultura e questões regulatórias, fiscais e leis nacionais podem se tornar empecilhos para a conclusão do negócio quando founders e executivos partem para fases mais complexas das negociações.
A lógica por trás de um M&A não é trivial, seja para o founder que quer vender sua startup (sell-side), ou para a empresa que busca crescer via aquisições (buy-side) – a necessidade pode variar de país ou setor de atuação. Porém, muitos investidores e corporações estrangeiras têm enxergado no Brasil uma mina de startups que podem potencializar seu core business ou mesmo explorar novos mercados e serviços mundo afora.
Para se ter uma ideia, só em 2023, das mais de 1,2 mil transações realizadas em solo brasileiro, cerca de 20% foram feitas por capital estrangeiro segundo dados da S&P Capital IQ, EMIS e Mergermarket. Entre as companhias estrangeiras que mais investiram no Brasil nesse sentido, as americanas dominaram com 92 transações, seguidas por empresas do Reino Unido, França, Canadá e Alemanha.
(Fonte: S&P Capital IQ, EMIS, Mergermarket)
Dos M&As concluídos no Brasil no último ano, os setores de tecnologia, mídia e telecomunicações se destacam com 45% da totalidade das transações realizadas, seguidas por consumo (16%), indústria automotiva (11%), serviços financeiros (9%), energia (8%), saúde (4%) e agro (4%). Isso mostra como as startups brasileiras estão cada vez mais maduras, oferecendo um leque de produtos e serviços para mercados chaves.
Porém, dos negócios que “melaram” ao longo desse período, entre alguns motivos que impactaram as conclusões de deals estão as cargas tributárias muito altas no país, além da insegurança jurídica, legal e fiscal, devido algumas brechas na lei ou possibilidade de, em qualquer momento, uma nova medida provisória ser criada. E o investidor estrangeiro só descobre isso após se aprofundar em fases mais estratégicas das negociações, principalmente se for a primeira aquisição no Brasil, fazendo com que recuem até que consigam algumas garantias.
O fator cultural também tem se mostrado significativo. Recentemente eu orientei o M&A de duas startups brasileiras para companhias de Israel e da África do Sul, além de estar negociando outros deals com players internacionais. E, apesar da era digital que vivemos atualmente, uma coisa que eu vi em comum nessas transações é que os investidores sempre vieram para o Brasil com o intuito de olhar o time olho no olho, entender a cultura da empresa e sentir a temperatura dos empreendedores, para analisar se os negócios estão alinhados.
Cuidados para a conclusão do deal
Para os founders brasileiros, vender uma startup para um player internacional pode ser uma experiência enriquecedora, mas cheia de nuances que exigem atenção redobrada. O processo de M&A envolve diversas etapas complexas que precisam ser geridas com cautela para assegurar o sucesso da transação, inclusive de alinhamento com os investidores, caso haja.
Uma vez que os stakeholders estejam dispostos a seguir com o M&A, outro ponto chave é entender como funcionará a dinâmica interna da empresa para a organização do processo. Revelar para o time inteiro que a empresa está envolvida nesse tipo de transação pode ser extremamente prejudicial para o ambiente de trabalho, o que pode impactar os resultados da empresa.
Sendo assim, é importante ter clareza quanto a quem são os colaboradores-chave, sem os quais o processo não correrá facilmente. Geralmente, inclui-se aqui a camada de c-level, mas a configuração pode mudar dependendo da estrutura do negócio e do relacionamento entre as partes.
Enquanto grandes corporações realizam múltiplas transações de M&A, muitas vezes esse é um evento único na vida dos founders. Por esse motivo, é indispensável compreender quais os players envolvidos na ótica do sell-side, a fim de se preparar para o desafio e buscar “equilibrar a mesa”.
Vender uma startup brasileira para um player internacional exige uma preparação minuciosa, um entendimento profundo das regulações, um esforço para integrar culturas distintas, estratégias para reter talentos e uma comunicação clara e contínua. Esses cuidados são fundamentais para garantir que o deal não apenas seja concluído, mas também prospere no longo prazo, beneficiando todas as partes envolvidas e incentivando mais transações similares.