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*Adriano Pitoli é líder do Fundo GovTech da KPTL

O modelo SaaS (Software como Serviço) imperou como o padrão ouro no mundo das startups nos últimos anos. O Santo Graal era a versão puro-sangue, onde se aceitava de bom grado custos de desenvolvimento elevadíssimos e anos de queima de caixa a troco da promessa de custo marginal zero e escalabilidade infinita.

Nesse mundo, qualquer traço de projeto, consultoria ou customização na linha de receita era severamente penalizado no valuation. O CTO (Chief Technology Officer) ganhava aura de pop-star, com passe mais valorizado que o do CEO, enquanto startups sem fábrica de software própria não passavam do primeiro pitch.

Desenvolvedor era mosca azul e pipocaram iniciativas para aumentar a oferta das profissões de pleno emprego, incluindo lançamento de novas escolas de elite e muitas meta-startups com missão de qualificar profissionais da área.

É verdade que o SaaS raiz sempre mostrou fragilidades já que o ganho de escala sem fricção vinha associado a baixas barreiras à entrada, tingindo rapidamente de vermelho o oceano azul.
Mas esse mundo começa a passar por uma mudança profunda e que deve mudar o modelo de negócios das startups, graças a quem mais senão o ChatGPT e todas as demais tecnologias de IA Generativa que começam a pipocar.

O gatilho imediato está na dramática redução dos custos de desenvolvimento, com startups próximas já declarando reduções de custos da ordem de 50% para escrever linhas de código.

A primeira reação necessariamente é de maravilhamento com a oportunidade de acelerar o roadmap tecnológico. No entanto, o salto de produtividade é ainda maior para as entrantes. Como resultado, as ferramentas de IA Generativa começam a provocar uma brutal redução das barreiras à entrada em um grande conjunto de verticais, o que é uma fabulosa notícia para os consumidores e a produtividade geral da economia, mas não necessariamente para os empreendedores.

Mais alguns meses e startups que não tenham pivotado o modelo de desenvolvimento para um Powered by ChatGPT deverão ser tão raras quanto engenheiros civis que ainda fazem uso de pranchetas, esquadros e compassos em vez do AutoCAD e congêneres.

A implicação é que o padrão SaaS, incluindo modelos de negócios mais sofisticados, como os baseados em inteligência de dados (BI) ou soluções de inteligência artificial proprietária, tendem a se mostrar insuficientes para justificar bons valuations.

Então, qual o próximo hype?

Uma rota são startups baseadas em soluções integradas de hardware+software+serviços, vistas há pouco tempo com restrições dada as limitações de escalabilidade, mas com maior potencial de preservar diferenciais competitivos.

Outra é a ressignificação do SaaS para um modelo CSaaS, Sucesso do Cliente como Serviço. Aqui a mudança de modelo de negócios não chega a ser radical, mas tampouco sutil. E não se trata de terceirizar a missão para plataformas que se propõem a fazer a gestão de CS de outras empresas, mas justamente o oposto, é ter o sucesso do cliente no centro das atenções.

Com a tecnologia de IA Generativa jogando por terra qualquer cenário crível de dominância tecnológica, o jogo deixa de ser uma corrida rumo ao topo para uma ultramaratona, onde o diferencial competitivo se dá pela capacidade de desenvolver um fluxo ininterrupto de novas aplicações, features e facilidades, turbinado tanto pela própria redução dos custos de desenvolvimento quanto pelo imperativo de estabelecer novos (e fugazes) diferenciais competitivos.

Para isso é preciso um redesenho de status, com o CTO abdicando do cargo de imperador e passando a conviver em triunvirato com o líder de produto e o líder de CS. Identificar as demandas ainda não atendidas e ainda mais as demandas latentes do mercado é mais fácil de prometer do que de entregar. É preciso um time que desfrute de credibilidade, proximidade, empatia, que entenda no detalhe a jornada do cliente. As áreas de CS terão que investir mais em profissionais com a mesma qualificação dos usuários.

Mais do que isso, com o valor econômico mais focado na identificação da dor do que no desenvolvimento da solução, garantir um alto engajamento dos clientes junto à equipe de CS pode exigir algum tipo de compartilhamento de receitas.

Em contraste com o SaaS, o CSaaS é um perfil long tail tech. O roadmap não pode mais se limitar às aplicações de interesse geral dos clientes, mas precisa incluir soluções nichadas e customizadas, ressuscitando o veio de projetos/ consultoria, ainda que numa pegada tech.

O CAC (custo de aquisição de clientes) tende a ser mais pesado, com maiores custos de setup, treinamento e customizações da plataforma, contrabalanceado por um maior LTV (tempo de vida do cliente), em uma aposta que o modelo CSaaS possa conferir maior fidelização do cliente diante dos switching costs.

O CSaaS deve aparar os excessos do modelo que parecia ter a tecnologia como um fim, recobrando o seu papel meio para prestar tributo à soberania do consumidor. Nesse jogo never ends, as startups terão dificuldades para encontrar investidores com tolerância com queima de caixa prolongada.

E o que dizer da carreira de dev? Aqui é mais difícil pois se de um lado as soluções de IA Generativa são ferramentas fortemente poupadoras de mão de obra ultra especializada, as reduções de custos de desenvolvimento abrem caminho para um aumento exponencial na demanda por novas aplicações.

Mas é uma carreira com outro perfil. O lobo solitário com incomparável capacidade de triturar problemas complexos cede espaço a profissionais mais inventivos e com habilidades socioemocionais para trabalhar com os times de CS e produto, apontando também para um novo impulso nas carreiras de marketing.

E para os que se incomodam de a CSaaS eventualmente tornar as startups menos startups, não custa lembrar do radical experimento da Apple que, ao pivotar de um modelo de supremacia tecnológica para alta costura tornou-se a 2ª empresa mais lucrativa do mundo.

Mas tudo aqui são pequenas implicações ululantes da versão 1.0 de uma tecnologia em seu alvorecer. Exercício bem mais instigante é especular sobre os mercados inteiramente novos que essa nova tecnologia induzirá nos próximos anos.

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