*Guta Tolmasquim é fundadora do Purple Metrics
No domingo de manhã (7), véspera do início da Brazil at Silicon Valley, fui convidada para uma discussão sobre SaaS e IA na América Latina, que aconteceu em Stanford e foi organizada pela Alexia Ventures, fundo de venture capital. O evento reunia um grupo seleto de 30 fundadores de empresas de software que usam algum tipo de inteligência artificial, com mais alguns investidores e LPs e dois convidados especiais: Allen Taylor and Jake Saper, ambos investidores de Venture Capital.
Depois do café da manhã, de barriga cheia, doses de cafeína calibradas e embaixo de um pé direito alto com teto de madeira e vista para a natureza, começamos a conversar sobre a história das empresas de software, o futuro e as oportunidades que podemos endereçar no mercado brasileiro. Trinta pessoas em uma única roda, elaborando sobre essa loucura de transformação que estamos vivendo.
Dos CD Rooms aos Copilotos, a evolução dos softwares
A primeira evolução de software foi a migração para cloud. Depois, vieram os softwares verticais que fazem programas para usos específicos das suas indústrias, e agora a evolução é para os copilotos.
Se você gosta de marketing, como eu, vai adorar esse comercial da Microsoft apresentando o Copilot que já tá virando sinônimo de uma categoria de produtos.
Mas vale pontuar que, mesmo assim, a maioria dos softwares que a gente usa rodam em IBMs trancados em algum armário: companhias aéreas, cartões de crédito, bancos. As apostas são de que a maior inovação que veremos em tecnologia nos próximos anos serão nos copilotos para as diferentes verticais de mercado.
Três camadas de software em inteligência artificial
Está se entendendo inteligência artificial a partir de três camadas onde é possível inovar e empreender.
A primeira camada são os modelos que funcionam como as fundações tecnológicas para a construção das aplicações. Um exemplo de modelo é a OpenAI, que tem o Chat GPT que todos conhecemos. Competir nessa camada é quase impossível se a empresa não tem o poder computacional ou a base de dados das big techs. Por outro lado, discute-se que estamos caminhando para uma comoditização dessas tecnologias.
A segunda camada são as empresas de infraestrutura que viabilizam o uso dos modelos, e faz com que as empresas possam treinar os modelos com seus próprios dados. É interessante e existe muito valor a ser criado, mas, com o risco de construir algo em cima de uma plataforma de terceiros que pode mudar.
A terceira camada é onde a maioria de nós opera, que são as aplicações. Aplicações são os programas práticos que os usuários finais vão usar (sejam eles como consumidores ou em suas empresas). E a grande pergunta que todos estão se fazendo é: qual é a diferenciação e defensabilidade de uma empresa que entrega uma aplicação feita em uma tecnologia que é acessível para todas as outras empresas?
Se a tecnologia base é a mesma para todos, o que é um diferencial defensável?
Essa foi a pergunta que passamos mais tempo debatendo. Fazer uma UX que acessa as plataformas de AI, ou que faz os bons prompts, é algo que, se dá certo, surgem trocentos concorrentes. Um exemplo mencionado foi o Jasper, lançado antes do ChatGPT ser aberto para o consumidor final e que cresceu loucamente antes de ganhar diversos concorrentes.
Então, se a tecnologia é commodity, onde podemos criar valor proprietário? Ninguém tem a resposta.
Eu particularmente gosto de olhar para como os mercados tradicionais operam. Quais são as defesas de um banco, uma companhia aérea, uma empresa de telefonia? É a interface, a marca, o atendimento, o serviço.
Acho que existe espaço para pensarmos tecnologias proprietárias, existe espaço para pensar fluxo inteiro de produto, existe espaço para montar um produto, mas, vejo que vamos nos apoiar proporcionalmente menos na inovação tecnológica e mais no produto como um todo.
Os incumbentes estão gigantes na briga da IA
A primeira revolução de plataforma tecnológica, aquela que levou os softwares para a nuvem e transformou os modelos de venda de licença para assinatura, dizimou os dinossauros de software. A maioria das empresas não está aqui para contar a história.
Já na segunda revolução de plataforma, aquela que levou os softwares para o telefone móvel, não foi uma vitória tão de lavada assim pelos insurgentes. A maioria dos incumbentes acompanhou bem a tendência.
Agora com IA, os incumbentes estão chegando pesado para a briga. Eles têm bases de dados grandes e estão adaptando seus produtos. Não está fácil para os insurgentes abrir espaço no mercado.
Um dos investidores que estava na conversa comentou que esteve por muitos anos no board da Hubspot e contou como o CTO se trancou numa sala por dias para reimaginar todo o modelo de negócios usando AI. Todo mundo está levando IA bastante a sério e tentando entender como seus modelos de negócios e produtos podem ser disruptados para se adiantar a tendência.
Não existe empresa de IA, IA é somente a tecnologia base. É muito importante não deixar a palavra IA nublar nossa visão e tenho visto as pessoas de bode dos founders que falam que estão fazendo uma empresa de inteligência artificial, a não ser, claro, que você seja o Sam Altman.
Falar que sua startup é de inteligência artificial, é o equivalente a falar que você está fazendo uma empresa de internet. Inteligência artificial tem que ser encarada como uma ferramenta para resolver uma dor das pessoas. E empresas fortes são aquelas que resolvem um problema para o cliente, o cliente de fato não se importa em como o problema é resolvido.
Uma metáfora que foi trazida é: ninguém vai numa churrascaria porque eles usam faca para cortar a carne, faca é só a tecnologia, mas você vai lá pra comer o bife.
Podemos ver mais empresas globais vindas de mercados emergentes
O fluxo dos mercados emergentes em tecnologia em geral começa por comércio, depois evolui para infraestrutura e finanças, depois SaaS Enterprise (que é o momento em que estamos no Brasil). Em seguida o natural seria passar para SaaS vertical para depois ir para os copilots.
Ao mesmo tempo, as tecnologias fundamentais de IA estão disponíveis para todos, então talvez a gente comece a ver mais softwares globais nascendo em mercados emergentes. É consenso que nada impede uma empresa brasileira de competir globalmente e é bem possível que vejamos mais exemplos no futuro próximo.
A grande conclusão é que não sabemos e as coisas estão mudando muito rápido
O importante é manter a mente aberta e entender que não sabemos de nada. Está muito no início para ter respostas.
E a melhor forma de se manter afiado é conversando com quem está na ponta: fundadores, pesquisadores, investidores.
Espero que esse artigo tenha deixado você um pouco mais afiada.