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Captação: aspectos que podem gerar problemas para startups e fundadores

Decisões não refletidas podem fazer com que uma captação de investimento se transforme num problema; leia mais no artigo de Freitas Ferraz

Freitas Ferraz
Freitas Ferraz

*Por Rodrigo Amaral

O momento de captação de investimentos é invariavelmente e, por diversos motivos, um marco muito aguardado e relevante na história de qualquer startup. A rodada pode ser muito relevante seja por representar um investimento essencial para a sobrevivência da startup, por garantir chance de escalar determinado produto ou mesmo por formalizar a entrada de sócios estratégicos para o negócio.

Em qualquer um desses cenários de relevância, é natural que haja ansiedade e precipitação na decisão de diversos aspectos da rodada de investimentos. Obviamente, decisões não refletidas que são tomadas nesse contexto podem trazer diversos problemas no futuro, fazendo com que uma rodada de investimento que era uma solução se torne um problema para a startup e seus fundadores/sócios.

Com base na prática e em experiências concretas, o principal objetivo desse artigo será expor as cláusulas que estão presentes na grande maioria das rodadas de investimento e que trazem junto grande potencial de gerar problemas e conflitos futuros no âmbito das sociedades. Ao compreender esses problemas potenciais, o leitor terá melhor compreensão dos riscos envolvidos e poderá negociar as referidas cláusulas (ou mesmo recusá-las), de modo a minimizar as chances de materialização dos referidos riscos.

Primeiro aspecto: não prever consequências para atrasos nos aportes

Em qualquer operação de investimento, as partes negociam um valor a ser investido e o prazo para a realização do investimento, que muitas vezes é dividido em diversas parcelas (tranches). Esse “parcelamento” do valor do investimento é bastante comum independentemente da forma de realização do investimento (seja por meio de um contrato de investimento padrão, de um mútuo conversível etc.).

Dentre as razões para o aporte em startups ser realizado em tranches, as principais são uma maior racionalização na utilização dos recursos (não tornar disponível para a startup todo o valor do investimento no momento inicial), facilitar o controle e garantir que o recurso será destinado conforme o plano de negócios e orçamento definidos e/ou vincular a disponibilização das tranches ao atingimento de determinadas metas ou marcos pela startup investida.

Parece improvável, mas não é incomum se deparar com contratos que não estabelecem consequências (ou as consequências adequadas) para eventuais atrasos nos aportes de recursos pelos investidores, especialmente em rodadas iniciais de captações, nas quais a disponibilidade de recursos para a contratação de assessoria adequada é limitada.

Com relação a esse aspecto, é fundamental estabelecer:

  1. Correção monetária e encargos de mora (multa, juros etc.) incidentes sobre os valores em atraso;
  2. Possibilidade de rescisão ou busca por indenização, especialmente em casos nos quais o atraso superar um prazo máximo estipulado; e
  3. Métricas simples e procedimentos de apuração adequados e com prazos máximos, quando o aporte estiver vinculado ao atingimento de metas ou marcos pela startup.

Segundo aspecto: aceitar e prestar declarações e garantias genéricas

Os contratos utilizados para formalizar investimentos (contratos de investimento, mútuos conversíveis, dentre outros) possuem cláusulas chamadas de “declarações e garantias”, através das quais os sócios fazem afirmações (declarações) acerca de fatos passados ou presentes da sociedade e dos próprios sócios, que serão utilizados para servir como premissa para que o investidor assine o contrato.

A título exemplificativo, são comuns que sejam prestadas declarações sobre a inexistência de direitos de terceiros ou ônus sobre as quotas ou ações da sociedade, sobre o cumprimento de leis trabalhistas e tributárias, sobre a titularidade de direitos de propriedade intelectual, sobre a detenção de licenças para operar, dentre outras.

Normalmente, as versões iniciais dos contratos de investimento são elaboradas pelos assessores do investidor, que inserem declarações e garantias amplas, baseadas em documentos e informações que foram analisadas durante a due diligence (auditoria) realizada. Sendo assim, é de extrema importância que os sócios e seus assessores façam uma revisão detalhada das declarações e garantias inseridas no contrato, fazendo as ressalvas e exceções necessárias para que tais declarações estejam adequadas à realidade dos fatos e não gerem obrigação de indenizar o investidor.

Terceiro aspecto: garantir rentabilidade mínima para o investidor

Apesar de ser menos comum no contexto de startups, existem determinados investidores que tentam exigir a garantia de uma rentabilidade mínima em relação ao investimento realizado. Esse retorno mínimo normalmente é garantido por meio de cláusulas de preferência na liquidação (liquidation preference), que garantem ao investidor o direito de receber um determinado valor antes dos demais sócios receberem suas respectivas partes em eventos de liquidez (venda de participações, IPO etc.) ou de liquidação da sociedade.

O principal ponto negativo da cláusula de preferência na liquidação o fato de que ela pode gerar um grande desalinhamento de interesses entre os fundadores, os investidores e colaboradores-chave da startup, na medida em que determinados investidores podem priorizar o recebimento de seu retorno ou mesmo porque parte significativa de recursos pode ter que ser direcionada para cumprir a garantia de retorno, em detrimento de reinvestimento na startup, do pagamento de melhores remunerações e de outros incentivos internos.

Além disso, o fato de um investidor exigir a garantia de um retorno mínimo do seu investimento pode aumentar a percepção de risco de novos investidores e afetar até mesmo o valuation de rodadas de investimento posteriores.

Quarto aspecto: outros direitos comumente conferidos aos investidores

Em operações de investimento, é comum que sejam celebrados acordos de sócios que conferem aos investidores diversos direitos patrimoniais e políticos (direito de voto) em relação à startup. Até mesmo nas operações de dívida conversível, nas quais os investidores não se tornam sócios em um momento inicial, os contratos costumam garantir esses direitos aos investidores antes mesmo da conversão do empréstimo em participação na startup.

Além da cláusula de preferência na liquidação tratada especificamente acima, os principais direitos comumente concedidos a investidores e que podem gerar problemas futuros são os seguintes:

  1. Anti-diluição: as cláusulas de anti-diluição protegem o investidor de diluição de suas participações em rodadas de investimento subsequentes que sejam realizadas com base em um valuation inferior ao valuation aplicado ao investidor, dificultando e desincentivando a captação de novos investimentos. Para entender mais sobre os impactos dessas cláusulas, leia o nosso artigo O Impacto do Downround nas Startups: Cláusulas Full-Ratchet e Weighted-Average;
  2. Direito de Veto e Voto Afirmativo: a concessão aos investidores de direitos de vetar ou de voto afirmativo para a aprovação de matérias podem dificultar ou impedir o andamento de medidas e estratégias relevantes para o desenvolvimento da startup. Dentre outras as matérias, o direito de veto ou voto afirmativo costuma ser exigido por investidores em relação à aprovação de novas rodadas de investimento, à aprovação ou alteração do orçamento e do plano de negócios, à alteração da composição da administração e à concessão de benefícios e planos de stock options para colaboradores chave.
  3. Direito de Preferência e Tag Along (Direito de Venda Conjunta): o direito de preferência, ao garantir ao investidor a possibilidade de adquirir participações em caso de transferência para terceiros, pode impedir ou dificultar que um novo investidor/comprador adquira todas as ações que pretendia adquirir em uma rodada futura. De forma semelhante, o tag along (direito de venda conjunta), que garante a determinados sócios o direito de exigir que um potencial comprador também adquira suas participações, pode acabar inviabilizando ou impedindo que uma rodada futura seja realizada da forma como foi inicialmente pretendida.

    Vale destacar que, ainda que tais direitos não sejam efetivamente exercidos, o fato de existir procedimentos complexos para garanti-los pode dificultar a negociação ou implementação de futuras transações. As principais vantagens e desvantagens do direito de preferência e do tag along foramdetalhadas no nosso artigo Acordo de Sócios: Os efeitos negativos do direito de preferência e do tag along em transações futuras.

Considerações finais

Em qualquer operação que envolva a captação de investimento por startups, alguns (se não todos) os aspectos tratados neste artigo serão parte da negociação dos empreendedores junto aos investidores.

Obviamente, esses aspectos e direitos não são exigidos aleatoriamente e de forma imotivada pelos investidores, pois também são relevantes sob a ótica de avaliação de risco e alocação de capital. Como os investidores no geral já possuem bastante conhecimento sobre a importância e o papel desses temas, o objetivo desse artigo é trazer maior clareza aos assuntos sob a ótica dos fundadores, de modo que as partes envolvidas nas negociações estejam devidamente informadas e negociem as disposições visando um melhor relacionamento de longo prazo em benefício das startups.

Para conhecer um pouco mais sobre o tema, nossa equipe está pronta para atender quaisquer demandas relacionadas ao tema. Consulte nosso site para entender mais! 

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