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Carreiras negras: Você tem uma referência pra se inspirar?

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* Felipe Ladislau é sócio da Organica

Historicamente, ser uma pessoa negra em posição de liderança significa ser a única representante da maioria quando pensamos na população do país. De acordo com o último censo do IBGE, pessoas negras correspondem a 56% dos brasileiros.

Ser a única pessoa diversa em um ambiente pode ser algo muito difícil de lidar e não são raros os casos em que essa situação provoca impactos para a saúde mental e evolução de carreira.

No ano que marca os 10 anos da política de cotas no Brasil, noto um aumento da presença de pessoas negras nos ambientes corporativos. Óbvio que se trata de uma visão particular que não pode ser generalizada, mas um indicativo de que mudanças estão começando a acontecer.

Vale destacar que essa presença ainda me parece muito concentrada nos cargos mais iniciais ou restrita a áreas menos conectadas com as decisões da empresa e, portanto, sabidamente conhecidas por pagar remunerações mais baixas.

Tais percepções se reforçam quando converso com diferentes executivos ou executivas que solicitam ajuda alegando dificuldade em encontrar pessoas negras para posições de liderança. 

A falta de referências negras em posições de liderança ou em funções mais diversas dentro das empresas impacta diretamente na auto-estima dos profissionais ingressantes que muitas vezes não conseguem visualizar e planejar carreiras diferenciadas.

Neste mês de comemoração da Consciência Negra, decidi então produzir conteúdos com e para profissionais negros e negras, mas não dedico esses textos apenas para esse público pois convido todos que engajam com a agenda antiracista. Recentemente conversei com profissionais negros de empresas como  TikTok, Porto Saúde e também pessoas no mercado de comunicação, e dessas conversas surgiram inspirações para escrever sobre o tema. Quero propor reflexões e abrir espaço para que outros compartilhem experiências, levar essa discussão tão necessária cada vez mais longe.

Jornada profissional

Antes mesmo de furar a bolha, é preciso dar o primeiro passo e buscar inspirações. 

Alguns têm a época da faculdade marcada por uma necessidade de se destacar antes mesmo do processo seletivo começar. Ou, no mercado profissional, foi preciso ‘bater na porta dos recrutadores’ com algum tipo de projeto ou ideia que fugisse do comum para convencê-los a conseguir ao menos uma entrevista, como se eles precisassem se esforçar muito mais para ocupar esse espaço. Pensar na carreira ou jornada profissional no ponto de partida de sua história de vida pode não ser algo muito comum para muitos. A ideia de “carreira”, por exemplo, é nova para diversos profissionais negros com anos de experiência.

Pensar em sua jornada sempre resulta em novos aprendizados. Estes são ambientes fundamentais para a definição de grupo de amigos, as atualizações acadêmicas e até mesmo um futuro casamento.

Referências e solidão

Quando falamos sobre referências em liderança e até mesmo de carreira, muitas referências minhas convergem com outros colegas como Barack Obama (ex-presidente dos EUA), Emicida (cantor e fundador da Laboratório Fantasma), Cauê Vicente (sócio da Movidaria Aprendizagem Corporativa), Kiki Ferreira (Broadcaster Leader na SOKO) e Aline Maia (Doutora e coordenadora dos cursos de comunicação da Estácio).

Nesses papos, ficou claro que a falta de referências negras no âmbito profissional e que, graças a isso, se espelhou em figuras internacionais, desde empreendedores e esportistas negros até líderes humanitários e referências africanas. No fim, nos inspiramos em pessoas que, como nós, não desistiram apesar das diversas dificuldades e que construíram coisas a partir de ações inteligentes e trabalho duro.

Dito isso, é importante salientar que essa falta de referência resulta na solidão de pessoas negras no mercado de trabalho.

Nestas conversas percebo que a solidão acompanhou todos nós ao longo do tempo. Uma colega uma vez me confessou que a primeira solidão se deu sob um olhar de não se reconhecer no lugar que trabalhava, como se ela não pertencesse àquele espaço físico. Para ela, uma forma de lidar com isso foi tentar se parecer com outras pessoas (comportamento, cabelo, roupas), porém, hoje, quase 20 anos depois, ela reconhece a importância de se aceitar e de priorizar pela autenticidade.

Em busca do conforto

Como as pessoas negras podem se sentir à vontade em ambientes majoritariamente brancos e/ou elitizados? Elas não podem. Em sua maioria, esses locais são hostis e lembram a essas pessoas pretas que elas não deveriam estar ali.

Acredito na transformação, mesmo que não seja fácil e que há uma forma estrutural de apagamento, para que pessoas negras sintam-se menos à vontade em alguns espaços

É preciso normalizar a ideia de que lugar de pessoas negras é onde elas quiserem. Não apenas em posições subservientes, mas também em posições relevantes e de destaque.

Desigualdade de oportunidades

Não é segredo o fato de que a desigualdade de oportunidades é maior bloqueio para pessoas negras. Nessa hora, sempre contamos com a ajuda de outros que abrem portas. Esses “ajudantes” precisam ser necessariamente pessoas não brancas ou é possível contar com aliados na branquitude? 

A primeira porta aberta para uma amiga minha foi marcada por uma frase controversa: “Você não era a melhor pessoa pra vaga, foi como se entrasse pela chaminé ou pela janela”. Como você pode imaginar, a fala ecoou na vida profissional dela de forma não tão positiva. Entretanto, a partir disso, ela conseguiu abrir outras portas por meio de seu trabalho.

Como furar a bolha?

Para as pessoas negras que desejam romper a bolha, dois pontos são fundamentais: acreditar no seu trabalho e buscar aliados. O primeiro serve para os dias que o racismo nos machuca e o segundo para nos colocar no jogo. 

Ser jovem e negro no Brasil é ter desde muito novo a visão de que as melhores coisas não foram feitas para você e que você simplesmente não pertence a diversos lugares. Por isso, é muito importante reconhecer suas raízes, o que seus ancestrais já realizaram, e entender que você pode sim, sonhar e realizar coisas grandes, independente das dificuldades. Uma vez que você entende isso, acredito que a jornada fica um pouco menos complexa, e que as dificuldades que aparecem no caminho só te fazem mais forte e te ajudam a valorizar mais suas conquistas.

Por fim, olhar pra dentro e perceber quais são as amarras que você se impõe é tão importante quanto o conhecimento técnico que você irá desenvolver. Aproveito para deixar um agradecimento final aos meus colegas que serviram de inspiração e colaboraram para esse conteúdo: Matheus Calmon, que atua como Business Partnership Manager no TikTok, Thais Freitas Ladislau, que é gerente de Preços e Analytics na Porto Saúde e o redator Will Marinho.

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