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CICC: o novo contrato que promete acelerar o venture capital no Brasil

Contrato promete ser um divisor de águas na maneira como os investimentos em startups são realizados no Brasil

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venture capital (Foto: Divulgação)

*Por Renato Opice Blum, Mariana Zonari e Fernando Giro, do Opice Blum Advogados

O Brasil tem atualmente 24 startups unicórnios (ou seja, que têm um valuation de mais de 1 bilhão de dólares estabelecido por meio de rodadas de investimento), sendo atualmente o maior polo de startups da América Latina e amplamente considerado como um dos maiores ecossistemas de startups do mundo. Mesmo assim, o país ainda é considerado um grande black box para os investidores estrangeiros.

Custos exorbitantes decorrentes de legislações trabalhistas complexas e que – pelo menos historicamente – favorecem os empregados, um sistema tributário consistentemente classificado como um dos regimes fiscais menos favoráveis aos negócios do mundo e um judiciário – no mínimo – criativo e imprevisível são apenas alguns dos fatores que separam muitas ideias geniais dos conhecidos “cheques gringos”.

O famoso “custo Brasil” faz com que dezenas de investidores e fundos de investimento exijam das startups, como pré-requisito obrigatório para aporte financeiro, o famoso flip (tecnicamente conhecido como inversão societária), que nada mais é do que tornar a empresa brasileira operacional uma subsidiária integral de uma holding estrangeira. Essa operação geralmente utiliza como sede as Ilhas Cayman para concentrar as participações societárias e uma estrutura intermediária nos Estados Unidos, normalmente uma LLC – Liability Limited Company, o que otimiza os exits e simplifica distribuições de resultado (o “Cayman Sandwich”), oferecendo maior flexibilidade e segurança jurídica.

Neste cenário legal desafiador e complexo, nasce o projeto de lei complementar n° 252/2023 que estabelece a criação do Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC) e surge como uma luz no fim do túnel para o ecossistema nacional, prometendo ser um divisor de águas na maneira como os investimentos em startups são realizados no Brasil.  

Inspirado no Simple Agreement for Future Equity (SAFE) da Y Combinator, o CICC é uma proposta de aprimoramento ao Marco Legal das Startups, introduzindo um mecanismo de financiamento de risco mais alinhado às necessidades e realidade das startups e seus investidores. Ao se tornar uma alternativa à utilização do mútuo conversível, que é atualmente o contrato mais aderente às particularidades deste tipo de investimento no país, o CICC elimina a principal inadequação que existe com o uso do mútuo: a caracterização do investimento como dívida e as suas consequências tributárias.

A prática do mercado é simples e eminentemente binária: se a startup der certo, os valores do investimento são convertidos futuramente em participação societária (que, na maioria das vezes, será vendida por um valor absurdamente maior do que o de aquisição); se der errado e a startup quebrar, o founder não precisa ressarcir nenhum valor e o investidor perde o dinheiro, mas em paralelo não é responsabilizado e fica livre de riscos operacionais. Essa questão é tão relevante no mundo do venture capital que uma das primeiras condições negociadas em um mútuo conversível é justamente a cláusula de put option, que trata desse direito de saída pelo investidor antes do barco “afundar”. 

O grande problema é: no Brasil não existe, até o momento, nenhum tipo de contrato que se adeque a essa lógica (pelo menos enquanto o CICC não for aprovado). Algumas iniciativas como o Mais (Modelo de Acordo de Investimento em Startup) e o Misto (Mútuo para Investimento Simplificado com Termos Otimizados) até avançaram em direção a este caminho, buscando, no mínimo, uma padronização dos termos contratuais de mercado. Mas, na prática, continuaram tratando o investimento como dívida, o que causa uma série de consequências graves, como dúvidas sobre a possibilidade de devolução dos recursos e impactos tributários da conversão e não conversão.

O CICC, em paralelo, se adapta perfeitamente à realidade brasileira, proporcionando um terreno fértil para o florescimento de novos negócios e atração de investimentos. A neutralidade fiscal proposta é outro ponto de destaque, endereçando um dos principais pontos de atrito e incerteza nas rodadas de financiamento de startups. 

E por que isso muda o jogo?

– Segurança Jurídica e Flexibilidade: ao evitar a classificação de investimentos como dívidas, o CICC promove um ambiente de negócios mais seguro e adaptável, essencial para startups e investidores;

– Estímulo ao Investimento: a nova legislação é projetada para encorajar aportes financeiros em estágios iniciais, essenciais para o crescimento e inovação das startups;

– Clareza Tributária: o CICC oferece um regime tributário mais claro e favorável, facilitando a gestão financeira das startups e atraindo mais investimentos; e

– Promoção de Inovação e Emprego: com a facilitação do acesso ao capital, o CICC pode acelerar o desenvolvimento tecnológico, gerar empregos e fortalecer a economia.

À luz do “novo normal” para o venture capital, caracterizado por aportes menores e focados em early stage, o CICC é uma solução alinhada com as tendências de mercado, promovendo investimentos a longo prazo e sustentando o crescimento das startups brasileiras em um cenário econômico em transformação. 

Ou seja, a aprovação do CICC pelo Senado e sua iminente votação na Câmara dos Deputados representa um marco na legislação brasileira e pode ser o impulso que estava faltando para reaquecer o mercado de startups brasileiro, que vem de um inverno rigoroso de investimentos em venture capital, oferecendo um framework legal que atende às necessidades do ecossistema e inaugura uma nova era de investimentos em startups com maior segurança, simplicidade e eficiência.