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Com IA, Vale do Silício vive momento de maturidade

O hype deu lugar à maturidade no Vale do Silício, com menos pitch e mais produto, conta Amure Pinho, fundador da Investidores.VC

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Vale do Silício. Foto: Canva
Vale do Silício. Foto: Canva

*Por Amure Pinho, fundador da Investidores.VC

Estar no Vale do Silício neste ano foi testemunhar uma nova forma de encará-lo. A região que já foi símbolo de euforia tecnológica e narrativas de crescimento exponencial a qualquer custo vive hoje um momento de maturidade rara e, por isso mesmo, mais poderosa. Durante uma Missão que fiz no início de agosto, tive a oportunidade de mergulhar nesse novo cenário do ecossistema global de inovação. No coração dessa transformação está a Inteligência Artificial, não mais promessa, mas infraestrutura das operações. O Vale definitivamente amadureceu.

O espírito que encontrei não era o de fundadores em busca de manchetes, mas de construtores comprometidos com problemas reais, produtos concretos e modelos operacionais enxutos. Pela primeira vez em muito tempo, vimos menos pitch e mais produto. O brilho nos olhos agora está em entregar e crescer com consistência. A ideia de “startup como lifestyle” perdeu força. Em seu lugar, ganhou protagonismo uma cultura de trabalho focada, técnica e orientada a resultados. A busca por soluções escaláveis e sustentáveis, mesmo nos primeiros estágios de uma startup, tomou o lugar das promessas de crescimento acelerado descoladas da realidade de mercado.

Inteligência Artificial, que até poucos anos atrás era tratada como diferencial, agora se tornou parte da infraestrutura básica das empresas mais relevantes. Fomos de “ter um assistente com ChatGPT” para usar IA como cérebro e motor da operação. Em todas as visitas, de startups nascentes a companhias em estágio avançado, o uso de IA está no coração dos produtos, processos e estratégias. Agentes autônomos, integrações com APIs inteligentes, automações completas de workflows e modelos customizados de linguagem já são o padrão, não a exceção.

Chegamos a ver startups com duas ou três pessoas entregando o equivalente ao trabalho de vinte, com Inteligência Artificial operando pesquisa, design, desenvolvimento, marketing e até vendas. Em alguns casos, empresas estão treinando seus próprios modelos internos para personalizar interações e acelerar a produtividade em níveis antes impensáveis. O próximo unicórnio pode ter só um founder e uma dezena de agentes de IA trabalhando por ele. E isso não é exagero, já está acontecendo.

Esse novo paradigma reposiciona o papel do fundador. Perfis puramente comerciais ou focados em narrativa perderam espaço para empreendedores com domínio técnico e visão de produto. O produto voltou ao centro. A vantagem competitiva não está mais na capacidade de levantar rodadas de investimento, mas na clareza sobre o problema a ser resolvido e na habilidade de usar a Inteligência Artificial para escalar soluções. Com boa parte do “meio do caminho” automatizado, o diferencial real passa a ser estratégia, experiência do usuário e integração de sistemas. O MVP voltou a ser, de fato, mínimo, e mesmo com poucos recursos, vimos negócios rodando com excelência.

Em paralelo, a lógica de crescimento também mudou. A nova máxima é clara: o melhor fundraising hoje é o crescimento saudável. Em vez de decks brilhantes, o que se vê são pipelines bem construídos. Vendas voltaram a ser o centro de tudo. A tração orgânica e a retenção viraram os motores principais. A obsessão por captar deu lugar à obsessão por monetizar. Em outras palavras, o investimento se tornou consequência, não mais objetivo inicial.

Por fim, uma das surpresas mais positivas foi reencontrar uma cultura de colaboração real. Longe da imagem de competição feroz que muitos ainda têm do Vale do Silício, o que predominou foi um ambiente de abertura, transparência e generosidade intelectual. Empresas compartilharam frameworks, métricas e até seus erros com outras. O “give first” não é só discurso; é prática recorrente. Em um dos momentos mais marcantes da missão, vimos organizações dividindo seus “fail frameworks”: o que tentaram, por que não deu certo e como outros podem evitar as mesmas armadilhas. O Vale é um ecossistema que erra junto, aprende junto e cresce com isso.

O que vi no Vale do Silício foi um território de construção consciente, pragmática e inspirada. O hype deu lugar à maturidade. E talvez esse seja o maior sinal de que o futuro já começou.