O importante é começar pelo problema certo | Foto: Canva
O importante é começar pelo problema certo | Foto: Canva

*Por Danilo Tamelini, cofundador e presidente LATAM da BUSUP

Empreender costuma ser associado à criação de algo novo, seja um produto, um aplicativo ou uma tecnologia com potencial de transformar um mercado. Mas, na prática, o empreendedorismo raramente começa pela ferramenta correta. Começa pela pergunta certa: qual problema vale a pena resolver?

O erro de confundir produto com propósito

Grande parte das ideias surge sedutora, acompanhada de promessas otimistas. No entanto, o mercado tem um talento especial para testar limites e impor realidade. O que sustenta um negócio no médio e longo prazo não é a criatividade inicial, mas a capacidade de identificar uma dor concreta, profunda e recorrente. Quando o empreendedor confunde produto com propósito, corre o risco de defender uma solução antes mesmo de confirmar se existe uma necessidade real.

MVP não é confirmação, é investigação

Essa é talvez a etapa mais desafiadora e a mais decisiva da jornada empreendedora: admitir que o MVP não é um rito de confirmação, mas um processo de investigação. Seu papel não é provar que o fundador estava certo, e sim revelar rapidamente onde ele estava enganado. Isso exige escuta ativa, desapego e disposição para ajustar o rumo sempre que a realidade assim exigir.

Copiar modelos raramente funciona

O equívoco de tentar transpor modelos de um contexto para outro também aparece com frequência. Soluções que funcionam bem em determinado país ou setor muitas vezes fracassam em outro por diferenças culturais, econômicas, tecnológicas ou simplesmente comportamentais. Persistir na ideia de que é possível copiar e colar inovações é insistir que o mercado deveria se adaptar ao produto, e não o contrário.

Escalar exige mais do que crescimento

Há um segundo desafio que surge conforme o negócio evolui: transformar crescimento em estrutura. Escalar não depende apenas de demanda. Depende de governança, qualidade de execução, clareza de papéis e sobretudo coerência cultural. Cultura, nesse sentido, não é discurso nem missão pendurada na parede. É o conjunto de comportamentos que orienta decisões quando não há ninguém observando. Sem ela, qualquer avanço se torna frágil.

Liderança, cultura e desapego

Liderar, nesse contexto, significa tomar decisões difíceis com responsabilidade e transparência. Nem sempre será confortável mudar estratégias, redirecionar esforços ou comunicar escolhas impopulares. Liderança não é evitar desconfortos, mas garantir que o time avance alinhado com os princípios que sustentam o negócio. E isso exige consistência.

O problema vem antes da solução

Outro ponto crítico é não se apaixonar por soluções. O apego ao próprio produto é um dos vieses mais caros do empreendedorismo. Ele cria zonas de blindagem, faz com que dados sejam ignorados e transforma o mercado em um adversário quando deveria ser a principal fonte de informação. Ouvir o cliente, especialmente quando o que ele diz não corresponde às expectativas, é parte essencial da maturidade empreendedora.

Se eu pudesse voltar ao início, colocaria problema, cliente e solução no mesmo plano desde o primeiro dia. O produto é apenas o meio pelo qual uma necessidade é atendida. Ele pode e deve mudar ao longo do caminho. O que não muda é o compromisso com a relevância do problema escolhido.

Empreender não é um exercício de genialidade pontual. É um trabalho contínuo de revisão, escuta e adaptação. As ideias evoluem, as ferramentas evoluem, os mercados evoluem. O que permanece é a importância de começar pelo problema certo e de revisitá-lo sempre que o mundo ao redor mudar.