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Como o hurdle rate pode impactar o alinhamento entre VCs e LPs?

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* Robert Binder é fundador e diretor presidente da Antera

A relação entre os atores envolvidos em um fundo de venture capital pressupõe certo nível de complexidade, envolvendo entrega e captura de valor por cada uma das partes, e por isso impõe a necessidade de alto grau de alinhamento entre todos. O gestor do fundo entrega valor através da captação das empresas a serem investidas, a estruturação do fundo, o monitoramento ao longo de todo o processo de investimento, e o desinvestimento com a venda da empresa e devolução do capital. Por outro lado, cabe aos cotistas aportar recursos e esperar por bons resultados.

Sob esta perspectiva os dois, gestor e cotistas, precisam capturar o valor por eles investido. E é por isso que a estrutura de remuneração do gestor é um fator chave no alinhamento entre gestor e investidor. Mas como equilibrar esta balança de forma que todos saiam contemplados e incentivados, e a transação seja interessante para todas as partes? Existem diferentes racionais para se fechar essa conta, e este é o tema que este artigo traz para a discussão.

O venture capital é uma atividade de intermediação financeira que consiste em investir em empresas novas e em desenvolvimento, visando seu crescimento acelerado, para a partir daí distribuir altos retornos para os investidores, abrindo o capital da empresa em bolsas de valores, ou vendendo ações ou ativos das empresas para outras companhias ou fundos. A estrutura de um fundo de investimento em participações (FIP) funciona da seguinte maneira: Os cotistas (ou Limited Partners) aportam recursos em um gestor (ou General Partner) que seleciona as empresas que irão compor a carteira de investimento.

A estrutura de remuneração de um FIP tem como objetivo alinhar os incentivos dos gestores e dos cotistas. O gestor gerencia a parceria e em troca recebe duas modalidades de remuneração: a. Uma taxa de administração anual, que não depende da performance do fundo, e serve apenas para pagar os custos de administração e b. Uma participação nos lucros, chamada de taxa de performance ou carried interest, que depende do desempenho do fundo. Esta última modalidade de retorno é justamente o instrumento utilizado para alinhar os incentivos entre gestores e cotistas.

Em fundos de private equity – entre outros como buyout, real estate, mezzanine, funds of funds – antes que o GP receba qualquer parte da performance, os LPs recebem um retorno preferencial sobre seu investimento, também chamado de Prefered Return Hurdle ou Hurdle Rate, geralmente 8% do valor investido, e que representa o custo de oportunidade de abrir mão da liquidez daquele recurso.

Nos fundos de VC, para distribuir o retorno dos investimentos para LPs e GP é comumente usada a estrutura de Distribution Waterfall. Trata-se de uma hierarquia de prioridades que define a ordem em que os retornos serão distribuídos aos diferentes atores que fazem parte do fundo. Na estrutura padrão, os tiers ou níveis de distribuição dos retornos dos investimentos são os seguintes:

1º tier – Retorno do capital inicial investido e corrigido (Brasil) – voltado para os LPs
2º tier – Retorno preferencial – voltado para os LPs
3º tier – Taxa de performance- voltado para o GP
4º tier – Catch-up – aceleração da taxa de performance para o GP

Existem dois tipos comuns de waterfall distribution: o American, que favorece o GP, e o European, que beneficia os LPs.

No American Waterfall o GP recebe a sua taxa de performance em uma base deal-by-deal, e não apenas depois dos LPs já terem recebido todo o capital investido e corrigido mais o retorno preferencial. Essa estrutura permite que o GP tenha uma distribuição de receita mais uniforme ao longo da vida do fundo. Além disso, o risco total é dividido por todas as negociações. Neste caso, os LPs ainda têm direito a um retorno preferencial e ao seu retorno de capital, mas apenas em relação àquele deal específico realizado. Importante ressaltar que a maioria dos fundos VC nos Estados Unidos não possuem um “hurdle rate”.

Dado que essa estrutura permite que o gestor receba parte da sua performance antecipadamente, os LPs podem fazer uso da cláusula de clawback que obriga o GP a devolver para os LPs parte da taxa de performance que ele recebeu no início do Fundo, caso o desempenho do Fundo piore no futuro. O retorno para o gestor é pago por resultado realizado e não ao término do fundo.

No European Waterfall a distribuição é realizada apenas a um nível de fundo agregado. Nesta estrutura todas as distribuições vão, inicialmente, para os LPs. O GP não participa de nenhum lucro até que o capital inicial investido (corrigido no Brasil) mais o retorno preferencial tenham sido totalmente distribuídos aos LPs.

Nas duas estruturas de distribuição existe o preferred return hurdle, que é um limite mínimo de retorno que os LPs devem receber antes que o GP possa receber a sua taxa de performance. Mas no caso da european waterfall, esse valor é aplicado sobre todo o capital inicial investido e no american waterfall esse valor é aplicado sobre cada transação.

Existem dois tipos de preferred return hurdle:

Pure Preferred Hurdle – Nessa estrutura, o GP só recebe performance sobre o valor que exceder o hurdle. Aqui o valor que o GP recebe de performance pelo desempenho do fundo fica muito impactado pelo valor do hurdle. Destaca-se que esse modelo de cálculo da performance do GP não é utilizado no venture capital internacional.

Preferred Return with General Partner Catch Up – Nessa estrutura, uma vez que o hurdle é atingido, a performance do GP é calculada sobre a diferença do valor final do fundo e o valor inicial investido. Os LPs recebem o capital inicial mais o retorno preferencial e, em seguida, o GP recebe sua performance, geralmente 20%, sobre o lucro total. Após o GP receber 20% do lucro, os LPs recebem os 80% restantes do lucro total do fundo. No entanto, com o General Partner Catch Up, o GP recebe a sua participação de 20% nos lucros de forma adiantada. Esta versão de hurdle rate é a mais comum no VC internacional.

Prática no Brasil x Práticas internacionais

Atualmente o que se pode observar é que o venture capital brasileiro vai na contra-mão das boas práticas internacionais, favorecendo desmedidamente os LPs e deixando os GPs em desvantagem. Esta relação desequilibrada traz desalinhamento e efeitos profundos, levando a um venture capital menos desenvolvido e consequentemente a uma economia com menos inovação.

As diferenças entre a prática brasileira e a internacional se dão em dois pontos fundamentais. O primeiro ponto é a estrutura de distribuição dos retornos adotada pelo venture capital brasileiro, que é o european waterfall, onde a distribuição é realizada apenas a um nível de fundo agregado. Com isso o GP fica muitos anos sem taxa de performance e acaba sendo muito prejudicado.

Destaca-se que a escolha pela estrutura de distribuição european waterfall não contraria as melhores práticas do venture capital internacional, mas como esta opção beneficia apenas os LPs, poderiam haver caminhos de compensação como:

  • Escolha pela european waterfall, porém com uma taxa de administração e performance mais elevada
  • Escolha pela european waterfall, porém com uma taxa de hurdle inferior ao que seria adotado em uma estrutura american waterfall
  • Escolha por uma uma distribuição waterfall híbrida, onde o european waterfall é aplicado até que as distribuições atinjam uma determinada porcentagem, e depois a estrutura de distribuição passa a ser de acordo com a american waterfall.
  • Escolha pela american waterfall, porém com uma taxa de administração com desconto e / ou com um carried interests que favoreça os LPs
  • Definição de uma taxa de administração menor, porém com um carried interest mais alto

Estas são algumas possibilidades que apontamos, mas existem ainda várias outras formas de se criar uma estrutura que atenda tanto aos LPs quanto aos GPs, estabelecendo assim uma parceria mais equilibrada. Para o desenvolvimento mais acelerado do venture capital é fundamental que o principal ator, o GP, seja remunerado por resultados efetivamente realizados. O sucesso dos investimentos remunerados incentiva de forma pontual a atividade porque os GPs bem sucedidos farão novos investimentos e novos fundos com a remuneração obtida com os casos de sucesso.

Um segundo ponto de divergência fundamental entre a prática brasileira e a internacional diz respeito ao cálculo de performance. No Brasil é adotado o pure preferred hurdle que dificulta a obtenção de performance para o GP, sendo um tanto prejudicial para o mesmo. Ocorre que os investimentos de venture capital são realizados em empresas em estágio inicial e esses investimentos podem demorar anos até que apresentem um retorno. Portanto, diferentemente dos fundos de equity, o hurdle adotado em venture capital gera um efeito composto, que torna extremamente difícil para as gestoras conseguirem performance.

No venture capital internacional, a performance do GP é calculada utilizando o preferred return with General Partner catch up. Nesse tipo de estrutura, o cálculo da performance é feito sobre o lucro do fundo. Os gestores só recebem performance se alcançarem o hurdle, mas ele não influencia no valor da performance, apesar de ainda precisar ser distribuído aos LPs. Como as empresas investidas podem ficar mais de uma década no portfólio, o efeito do hurdle composto ao longo dos anos seria enorme e dificultaria que os gestores ganhassem performance.

Conclusão

Concluímos então que a estrutura do venture capital brasileiro se distingue de forma negativa das melhores práticas internacionais, e está configurada de forma prejudicial para o GP. O venture capital brasileiro, além de adotar a estrutura european waterfall de distribuição que desfavorece o GP, utiliza um cálculo de performance que também dificulta a sua obtenção de performance.

Esses fatores em conjunto impedem que as gestoras obtenham uma remuneração adequada, dificultando o surgimento de novos fundos e a contratação de profissionais qualificados que são fundamentais para que os investimentos em venture capital tenham sucesso e que as empresas investidas consigam crescer no mercado.

Nos países onde o venture capital é mais desenvolvido, observa-se um equilíbrio maior entre as demandas dos Limited Partners e dos General Partners. A discussão no venture capital internacional é se os fundos de venture capital deveriam trabalhar com hurdle ou não. Acreditamos que não por acaso o mercado de VC internacional está muito à nossa frente.

Entendemos que os regulamentos brasileiros deveriam fazer um movimento no sentido de convergir para as melhores práticas internacionais, aprendendo e se aperfeiçoando com estas referências. Importante também ressaltar que pontos como estes apontados neste artigo contribuem para que os fundos de investimentos em participações no Brasil não sejam competitivos com os fundos de VC “offshore”, principalmente aqueles domiciliados em paraísos fiscais.

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