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Conflitos inevitáveis: quando as visões do empreendedor e do investidor colidem

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*Paulo Tomazela é sócio da KPTL

Há alguns anos um pesquisador brasileiro não apenas imaginou como elaborou uma tecnologia revolucionária para criar ferramentas de corte de forma única. Seu uso, a princípio, seria na área de saúde. A solução permitiria aumentar o tempo de vida das ferramentas, além de praticamente eliminar, ou pelo menos diminuir de forma abissal o uso de anestesia, além de outras vantagens tanto para o profissional de saúde quanto para o paciente. Parecia um ganha-ganha além de endereçar uma dor, literalmente também falando, do mercado.

Muitos empreendedores têm um tino criativo pulsante e justamente por isso atraem o olhar de investidores em Venture Capital. Contudo, essas características não garantem necessariamente que eles serão bons executivos e administradores no dia a dia. Como gestores dos fundos Criatec 1 e 3, sempre percebemos isso ao buscarmos por tecnologias de base científica na academia.

À medida em que se firma um acordo de aporte de capital, é natural e esperado, que outros pontos de vista para o uso da tecnologia venham a ser discutidos. Não rara é trazida a possibilidade de uma total pivotagem (mudança total do plano de negócio da startup). E essa possibilidade de mudança pode ter ou não ressonância com o empreendedor. Há um sentimento parecido com o de um pai ou de uma mãe em relação a um filho. Não costumam ouvir de forma positiva críticas que se façam sobre suas criações.

Infelizmente, quando não há essa abertura, muitas vezes a relação se torna um ponto crítico nos tantos desafios de um novo investimento em Venture Capital. Nos nossos primeiros investimentos esse era um ponto visto com pouco impacto na execução da tese de investimento, infelizmente.

Chegamos aqui nessa questão essencial que pode ser resumida numa única palavra: desprendimento. É preciso que o empreendedor entenda – e aceite – o fato de que o negócio é maior do que ele. Sem essa consciência que permita um desapego em alguns pontos, dificilmente uma gestão compartilhada terá sucesso.

Sim, o criador deve estar disposto “a matar o próprio filho”, ir para um caminho diferente do imaginado. E também é preciso que o gestor de Venture Capital entenda esse apego ao falar de um “filho” de outra pessoa. Não basta estar certo nesse caso. É preciso se colocar no lugar do criador e ajudar a construir esse caminho de mudança, muitas vezes radical.

Os mais de 20 anos no Venture Capital nos ensinaram que esse é um dos pontos críticos no sucesso de um investimento.

Voltando à história real do empreendedor do começo do texto. À medida em que aperfeiçoava a ferramenta, ele se entusiasmava ainda mais com a possibilidade de aplicar seu equipamento no uso diário. Definitivamente seria uma inovação disruptiva para um setor, mas esbarrava em desafios imensos. Todas as gerações de profissionais de saúde formada até ali haviam sido treinadas a usar um tipo de equipamento, mais caro e com uso de forma diferente da que propúnhamos.

Ou seja, para que fosse adotada, nossa tecnologia teria que convencer todo um mercado, e também a academia. Além disso, nos confrontamos com desafios de infraestrutura dos consultórios e equipamentos auxiliares. Teríamos que desenvolver adaptações complementares ao nosso produto. Conclusão: a ideia inicial era sensacional, mas do ponto de vista da usabilidade e aplicabilidade, não pararia em pé.

Quando chegávamos próximo a esse momento de imagem mais clara desses desafios, começamos a buscar novas aplicações para a tecnologia. E aí o conflito se instalou. O apego do inventor à sua criação e seu sonho em introduzir uma tecnologia disruptiva num setor que ele conhecia e se sentia confortável foram barreiras quase intransponíveis para o sucesso da companhia.  

Todas nossas tentativas em conseguir produtos adaptados a outros mercados, como o de óleo e gás, se mostraram infrutíferas. O apoio do fundador a essas iniciativas foi de forma passiva e sem nenhum entusiasmo. E estávamos em 2014, em pleno auge do investimento no Pré-Sal, 13% do Produto Interno Bruto do Brasil (PIB) eram gerados pelo setor, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), e portanto, nossas novas apostas eram para um setor dos mais aquecidos naquele momento.

Tínhamos então dois caminhos bem diferentes. Um que era estrategicamente mais coerente na nossa visão  para o crescimento da companhia e sucesso da tecnologia, e outro para onde a visão do empreendedor puxava. Uma pena que não se conseguiu chegar a um acordo, a tal sintonia fina.

Nestes casos, o papel do fundo é o de tentar achar a complementaridade, encontrar gente que potencialize as forças e reduza as fraquezas. Ser um investidor ativo implica nisto, em estar envolvido no dia a dia da companhia, absorvendo, diluindo e lidando com os conflitos inerentes à atividade de empreender, ainda mais nos terrenos incertos da inovação.

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