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*Tomás Neiva e Luca Mendonça são sócio e associado da prática de Venture Capital do Mattos Filho

No artigo anterior, analisamos o objeto e as principais cláusulas usualmente presentes em um acordo de investimento, no contexto de uma rodada de investimento em participação acionária de uma startup.

Feita essa análise, abordaremos neste e no seguinte artigo da série, o acordo de acionistas, documento de grande relevância que se destina a regular a governança da startup e delimitar a relação entre seus fundadores e investidores na qualidade de acionistas.

Acordo de acionistas: aspectos gerais

No venture capital, o acordo de acionistas é um contrato firmado entre os acionistas de uma startup no momento do fechamento de uma rodada de investimento em participação acionária (equity), em que o investidor (VC) subscreve e integraliza ações da companhia, adquirindo (e se juntando aos fundadores) na condição de acionista da startup.

Dado que o fechamento da rodada de investimento via equity costuma ser o gatilho para a conversão dos instrumentos de dívida dos investidores que aportaram recursos na startup em fases anteriores, é habitual que tais investidores também passem a ser acionistas da startup a partir de então e, com isso, também formem parte do mesmo acordo de acionistas.

Caso a startup já possua um acordo de acionistas no momento do fechamento da rodada, regulando a relação entre os fundadores e eventuais acionistas minoritários já existentes, a tendência é que ele seja totalmente reformulado e substituído por um novo acordo, que contemple as condições de entrada do novo investidor. A mesma lógica se aplica a cada nova rodada de investimento da startup, alterando-se o acordo de acionistas existente, na medida do necessário, para acomodar os direitos do investidor entrante.

Como mencionado, o acordo de acionistas é o contrato por meio do qual são estabelecidas regras destinadas a regular a relação entre os fundadores e os investidores como acionistas da startup. Nele, são abordados uma variedade de assuntos relevantes para a administração da startup e o relacionamento entre seus acionistas, tais como regras de governança, regime de transferência de ações, direitos de informação, obrigações de dedicação exclusiva, não concorrência e não aliciamento, dentre outros.

É sempre importante lembrar: nos investimentos primários, como ocorre no venture capital, os investidores aportam capital ao caixa da sociedade (e não aos fundadores), recebendo uma participação acionária na startup em contrapartida, o que resulta num natural alinhamento de interesses entre as partes. Ou a startup vai bem nas fases subsequentes ao aporte e todos ganham num evento de liquidez (exit) futuro; ou vai mal e todos perdem (não raro, todo o capital investido).

Dito isto, nem sempre os interesses de fundadores e investidores estarão alinhados, sendo necessário estabelecer, para todas aquelas situações em que os interesses sejam divergentes, regras que garantam uma relação saudável entre os acionistas e o crescimento sustentável do negócio. O acordo de acionistas desempenha um papel fundamental nesse contexto, alinhando as expectativas entre os acionistas e estabelecendo um conjunto de direitos e obrigações com o objetivo de assegurar uma convivência harmoniosa entre eles.

Feitas essas considerações iniciais, passaremos a analisar, neste e no seguinte artigo da série, as principais cláusulas usualmente adotadas em acordos de acionistas celebrados na indústria de venture capital.

Governança corporativa

De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, governança corporativa “é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas (…), alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum”.

Com as startups não é diferente. Se por um lado elas são empresas ágeis que precisam de flexibilidade, por outro, precisam igualmente de regras de controle e monitoramento que garantam o seu crescimento sustentável no longo prazo e a atração de investidores que estejam dispostos a financiá-lo. O desafio consiste, portanto, em estabelecer regras de governança compatíveis com cada estágio de desenvolvimento da startup, aprimorando-as na medida em que a companhia avança em sua trajetória de crescimento.

Esse é um dos motivos pelos quais os VCs normalmente exigem que as startups sejam convertidas em sociedades anônimas como condição prévia ao primeiro investimento em participação acionária, caso ainda adotem a forma de sociedade limitada nesse momento, considerando as regras mais robustas de governança previstas na Lei das S.A., quando comparadas às do Código Civil (que regula as limitadas).

Sendo assim, um ponto essencial para o investidor consiste em regular, no Acordo de Acionistas, a estrutura e a composição da administração da startup, mais especificamente do Conselho de Administração e da Diretoria. Sempre tendo presente que, nas rodadas iniciais de investimento (early stage), os investidores habitualmente tomam posições minoritárias no capital social, de tal forma que seu objetivo não é o de assumir o controle da administração da companhia – que, em regra, permanece nas mãos dos fundadores – mas apenas estabelecer regras destinadas a proteger a sua posição de acionista minoritário em determinadas situações.

Conselho de Administração

Em linhas gerais, o Conselho de Administração é um órgão deliberativo responsável por estabelecer as diretrizes estratégicas da companhia, eleger a Diretoria e supervisionar a sua atuação.

Nas operações de VC, é comum que o investidor negocie, no âmbito do Acordo de Acionistas, o direito de indicar um ou mais membros para ocupar uma minoria dos assentos do Conselho de Administração, como forma de contribuir para o desenvolvimento da startup e acompanhar mais de perto a tomada de decisões estratégicas. O restante dos assentos no Conselho – sua maioria, portanto – costuma ser ocupado pelos fundadores ou pessoas por eles indicadas, respeitando a premissa, acima mencionada, de que os fundadores permanecem com o controle da companhia no early stage.

Nas negociações dos acordos de acionistas, também é habitual nos depararmos com a figura do “observador”, o qual costuma ser indicado por investidores que não possuem participação relevante o suficiente para indicar um membro efetivo do Conselho de Administração, mas que ainda assim desejam nomear um representante para acompanhar, sem direito de voto, as reuniões de Conselho.

Diretoria

A diretoria, por sua vez, é o órgão responsável pela gestão operacional diária da startup, tendo por base as diretrizes traçadas pelos acionistas e pelo Conselho de Administração. Geralmente, ela é ocupada por um CEO (Chief Executive Officer), podendo incluir outros cargos executivos, como, por exemplo, o CFO (Chief Financial Officer) e o CTO (Chief Technology Officer). Os Diretores trabalham em estreita colaboração com o Conselho de Administração, fornecendo relatórios periódicos e buscando sua orientação para questões de ordem estratégica.

Quanto à sua composição, vale a premissa indicada anteriormente. Nas rodadas de investimento iniciais, os fundadores geralmente ocupam todos os cargos de Diretoria. Mais que um direito, trata-se, em realidade, de uma obrigação, já que os investidores costumam exigir uma dedicação total e exclusiva dos fundadores à gestão do negócio. Em estágios mais avançados, a tendência é que o conjunto de investidores – já detentores da maioria do capital social – passem a nomear alguns Diretores de sua escolha, como forma de agregar maior profissionalismo e expertise à administração da companhia.

Direitos de veto

Nesse ponto, cabe a pergunta: se, nas rodadas iniciais de investimento, os fundadores permanecem com a maioria do capital social (o que lhes assegura a preponderância nas deliberações da Assembleia Geral), bem como a maioria dos assentos do Conselho de Administração (o que lhes assegura, por sua vez, a preponderância nas deliberações do Conselho), como os investidores garantem certo grau ingerência na administração da startup, de forma a preservar seus interesses?

A resposta está, em grande medida, nos direitos de veto que são habitualmente atribuídos aos investidores – tanto no âmbito da Assembleia Geral, como no âmbito do Conselho de Administração – como forma de controlar questões estratégicas que possam afetar significativamente os seus interesses ou os destinos do negócio. Dessa forma, costumam ser indicadas no Acordo de Acionistas determinadas matérias que não podem ser aprovadas sem o prévio consentimento dos investidores ou dos conselheiros por eles indicados.

A lista de vetos varia de caso para caso, mas a ideia é que esteja relacionada a questões estruturais e/ou estratégicas relevantes – como, por exemplo, a alteração do objeto social, a supressão de direitos dos investidores, a aprovação de reorganizações societárias, a aquisição de outras empresas, etc. – e não à gestão ordinária das startups, de forma a não comprometer a agilidade e a flexibilidade que as caracterizam.

Regime de transferência de ações

Os acordos de acionistas geralmente estabelecem uma série de regras relativas à transferência de ações pelos acionistas. Veremos a seguir a ideia fundamental por trás de algumas dessas cláusulas, cabendo o esclarecimento prévio de que o conteúdo delas pode variar muito de contrato para contrato.

Lock-Up

A cláusula de lock-up prevê, em linhas gerais, que os acionistas a ela vinculados não podem alienar suas ações por um determinado período após a consumação do investimento. É uma cláusula que fundos de VC costumam exigir dos fundadores – afinal, o investimento perderia sentido se os fundadores deixassem a companhia pouco tempo após a sua efetivação.

Em regra, os investidores confiam na capacidade de execução dos fundadores, sendo a sua permanência no capital social uma premissa fundamental do investimento. O lock-up funciona, assim, como o mecanismo contratual que garante aos investidores que os fundadores permanecerão como acionistas da startup por um prazo mínimo após o investimento.

Direito de preferência

Em primeiro lugar, é importante fazer a distinção entre direito de preferência na subscrição e direito de preferência na alienação.

A preferência na subscrição é o direito dos acionistas existentes de subscreverem as ações resultantes de um aumento de capital da companhia na proporção de sua participação no capital social. Esse direito está previsto em lei e, portanto, não demanda uma regulação específica no Acordo de Acionistas, a não ser que se pretenda atribuir a algum acionista o direito de subscrever um percentual de ações superior à sua participação proporcional no capital (o chamado super pro rata).

Já a preferência na alienação é o direito atribuído a determinado acionista na hipótese de transferência das ações de outro acionista a terceiros. Há, basicamente, duas modalidades de direito de preferência na alienação:

Direito de Primeira Recusa (Right of First Refusal – ROFR): por meio desta cláusula, se estabelece que, caso um acionista receba uma oferta de terceiros para a compra de sua participação, tal acionista tem o dever de notificar o outro acionista (titular do direito de primeira recusa) a respeito de tal oferta, sendo que o acionista notificado terá o direito de adquirir as ações do acionista vendedor, observados os mesmos termos e condições da oferta recebida do terceiro; e

Direito de Primeira Oferta (Right of First Offer – ROFO): neste caso, se estabelece que, caso o acionista tenha interesse em vender sua participação, antes de oferecê-la para qualquer terceiro, deve oferecê-la ao outro acionista (titular do direito de primeira oferta). Caso o acionista notificado tenha interesse na aquisição e faça uma oferta, o acionista vendedor poderá ir a mercado, mas somente poderá vender as ações a terceiros caso obtenha uma oferta superior àquela que recebeu do acionista ofertante.

No contexto das negociações de Acordos de Acionistas, é comum que investidores de VC requeiram algum tipo de direito de preferência na alienação, de tal forma que os fundadores, após superado o período de lock-up, não possam transferir as suas ações a terceiros sem ofertá-las aos investidores, seja antes (ROFO) ou depois (ROFR) de obter a oferta do terceiro interessado.

Tag along

O tag along é uma cláusula pensada, teoricamente, para a proteção de acionistas minoritários, ainda que nada impeça que contratualmente seja atribuído tal direito a acionistas majoritários também.

Trata-se do direito que se confere ao acionista de acompanhar a venda da participação do outro acionista a um terceiro. Por exemplo, caso um “Acionista A” pretenda vender a sua participação a um terceiro, havendo cláusula de tag along em favor do “Acionista B”, tal “Acionista B” terá o direito de incluir suas ações nesta venda ao mesmo comprador, devendo ser observados os mesmos termos e condições oferecidos ao “Acionista A”.

Como visto, esse direito é especialmente interessante para acionistas minoritários, pois lhes permite participar do chamado “prêmio de controle”, isto é, o preço maior por ação que o terceiro comprador está disposto a pagar pelas as ações que integram o bloco de controle de uma companhia. Nesse sentido, o direito de tag along permite que um acionista minoritário venda as suas ações pelo mesmo preço por ação que os controladores, algo que, em tese, não seria possível com a venda da sua participação minoritária por separado.

Geralmente, os investidores de VC pleiteiam direito de tag along nas rodadas de investimento, como uma alternativa ao direito de preferência. Funciona, em linhas gerais, da seguinte forma: superado o período de lock-up, caso os fundadores desejem alienar suas ações e tenham recebido uma oferta vinculante de um terceiro, deverão notificar os investidores que, dentro de um determinado prazo poderão, alternativamente, (i) exercer o direito de preferência e adquirir as ações dos fundadores ou (ii) exercer o tag along e vender as suas ações conjuntamente com as ações dos fundadores, tudo nos mesmos termos e condições da oferta recebida do terceiro.

Drag along

Já o drag along é um direito tipicamente atribuído a acionistas majoritários (embora também possa ser contratualmente conferido a minoritários), no sentido de “arrastar” os demais acionistas numa operação de venda de sua participação acionária a terceiros.

Muitas vezes, o comprador está disposto a adquirir a companhia, mas não deseja ter sócios minoritários no quadro acionário. A cláusula de drag along permite que a operação de venda seja concretizada nessas hipóteses pois, com base nela, o acionista vendedor poderá obrigar que os demais acionistas também vendam as suas ações, observados os mesmos termos e condições ofertadas pelo terceiro adquirente.

Na indústria de venture capital, uma cláusula típica de drag along estabelece que, se acionistas titulares de uma maioria qualificada do capital social (por exemplo, 70%) desejarem alienar suas participações a um terceiro sob determinadas condições, poderão exigir que os demais acionistas também vendam as suas participações, nas mesmas condições ofertadas pelo terceiro.

Para se protegerem dessas hipóteses de venda “forçada”, alguns investidores requerem a inclusão de uma previsão contratual no sentido de que somente poderão ser “arrastados” numa operação de venda se o preço por ação ofertado pelo terceiro adquirente for superior a um determinado múltiplo do preço por ação pago pelo respectivo investidor quando do seu ingresso na companhia.

Opção de venda

Em geral, as cláusulas de opção de venda (put option), muito habituais em operações de VC, permitem ao investidor vender sua participação acionária aos fundadores por um preço simbólico (tipicamente R$ 1,00).

Trata-se de um mecanismo que viabiliza a saída do investidor do capital da startup em situações desfavoráveis, como, por exemplo, na hipótese em que a companhia não esteja performando satisfatoriamente e o investidor não encontre um terceiro interessado na compra da sua participação ou, ainda, caso a startup apresente contingências relevantes, sendo mais vantajoso para o investidor realizar a perda de todo o investimento (write-off) do que permanecer no capital e ser, eventualmente, adversamente impactado pelas contingências.

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