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Contratos no VC: o que você precisa saber antes de abrir uma rodada

Quanto mais no early stage, maior a chance da dívida conversível; já no late stage, a participação societária (equity) é mais provável

venture capital
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*Tomás Neiva e Gustavo Alvoreda são sócio e associado da prática de venture capital do Mattos Filho

Neste artigo, apresentaremos brevemente os contratos de venture capital tipicamente utilizados no Brasil para cada estágio de desenvolvimento de uma startup.

Para tanto, a primeira noção importante é entender que as startups são habitualmente financiadas por etapas, através das denominadas rodadas de investimento. Isso se dá, na perspectiva dos investidores de VC, principalmente por dois motivos.

O primeiro deles é o alto risco associado à essa classe de investimentos alternativos. Uma das formas de mitigar o risco para o investidor é entregar o capital estritamente necessário para levar uma startup do ponto “A” ao ponto “B” de maturidade.

O segundo motivo é monitorar de perto o crescimento da startup e o cumprimento dos objetivos aplicáveis a cada etapa do negócio. Vale lembrar que os investidores dessa indústria buscam investir em empresas com potencial de crescimento exponencial, sendo necessário verificar que, em cada fase de desenvolvimento da startup, sua trajetória está condizente com esse objetivo.

E quais são as modalidades de contratos mais utilizadas em cada um desses estágios?

De forma geral, podemos dizer que, quanto mais no early stage, maior a probabilidade de que sejam utilizados instrumentos de dívida conversível; e quanto mais no late stage, maior a probabilidade de que sejam utilizados instrumentos de participação societária (equity). Vejamos cada um deles.

Dívida conversível

Os instrumentos de dívida mais utilizados no mercado brasileiro são o mútuo conversível e as debêntures conversíveis. Na indústria de VC, ambos se caracterizam pela possibilidade de conversão da dívida em capital social. Assim, o contrato de mútuo ou escritura de debêntures estabelecerá a obrigação de pagamento da dívida na data de vencimento, mas, ao mesmo tempo, que o aporte do investidor será convertido em capital social da startup, por opção do investidor ou na ocorrência de determinados eventos futuros, observadas as condições contratualmente estabelecidas.

Na realidade, a conversão é o objetivo último tanto do empreendedor quanto do investidor, uma vez que é um indicativo de que a startup está progredindo satisfatoriamente e avançando em sua jornada. Dificilmente veremos um investidor deste tipo tendo como principal objetivo ser remunerado pelos juros do mútuo, como um financiador tradicional.

Mas porque utilizar instrumentos de dívida conversível no early stage?

Juridicamente, podemos apontar dois motivos principais. Em primeiro lugar, é uma forma de o investidor evitar eventuais responsabilizações por dívidas da empresa. No Brasil, apesar de vigorar o princípio de limitação da responsabilidade e separação patrimonial, é comum nos depararmos com situações em que os sócios são diretamente responsabilizados pelas dívidas da sociedade.

Além dessa blindagem, há uma segunda vantagem do ponto de vista jurídico: o investidor será um credor da sociedade e, no caso de falência da empresa investida, terá uma posição mais privilegiada na ordem de recebimento dos bens da liquidação (se houver) que os acionistas da empresa.

Mas há um motivo financeiro ainda mais relevante. Startups nesse estágio possuem poucas métricas (ou nenhuma) que possibilitem a utilização de métodos tradicionais de valuation. Isso torna a tarefa de determinação do percentual de participação acionária dos investidores no early stage extremamente difícil.

O investimento via dívida conversível exime as partes de fixarem o valuation da startup no momento da realização da rodada early-stage, quando o negócio ainda é muito incipiente, postergando a sua determinação para uma rodada subsequente.

Nesse sentido, os instrumentos de dívida conversível normalmente permitem ao investidor early-stage “pegar carona” no valuation da próxima rodada que a startup levantar, com um “teto” (cap) de valuation e/ou um “desconto”, que premiam esse investidor por apostar no negócio em um momento de maior incerteza e risco.

Um exemplo simples para ilustrar: considere que um investidor concedeu um mútuo conversível no valor de R$ 1.000.000,00 a uma startup a um valuation cap (post-money) de R$ 10.000.000,00. Se em uma rodada subsequente a startup for avaliada em um valuation post-money de R$ 15.000.000,00, será aplicado o valuation cap previamente acordado (R$ 10.000.000,00), e o investidor terá direito a 10% das ações (ao invés de 6,66% dos R$ 15 milhões, que seria a participação do investidor que colocou R$ 1 milhão no negócio caso não houvesse o cap).

Agora considere que, ao invés do valuation cap, tenha sido acordado um desconto de 20% sobre o valuation da rodada subsequente. Nesta hipótese, o investidor converterá o seu mútuo aplicando-se um desconto de 20% sobre o valuation da nova rodada (R$ 15.000.000,00 – 20% = R$ 12.000.000,00), o que resultará em uma participação acionária de 8,33% (ao invés de 6,66%, que seria a participação do investidor caso não houvesse o desconto).

E o SAFE?

Muita gente nos questiona se o SAFE (Simple Agreement for Future Equity), um modelo de contrato desenhado e popularizado pela aceleradora norte-americana Y Combinator para investimentos no early stage, poderia ser utilizado para investimentos no Brasil.

Podemos apontar dois principais motivos para o sucesso do SAFE nos Estados Unidos.

Em primeiro lugar, o SAFE não possui natureza de dívida, o que significa dizer que o investimento deve necessariamente ser convertido em participação acionária, nas hipóteses previstas no contrato (basicamente, a ocorrência de um evento de liquidez). Essa lógica é aderente à indústria de VC, em que os investidores costumam ter uma percepção binária em relação aos investimentos: ou a startup vai bem e o investimento é convertido em participação; ou vai mal e o investimento é perdido (write-off).

Além disso, trata-se de um modelo estândar amplamente aceito pelo mercado, o que reduz a necessidade de negociação dos termos do investimento e, consequentemente, os custos de transação – algo muito relevante para startups ainda em fases iniciais de desenvolvimento.

Ocorre que, no Brasil, não é possível afirmar com clareza a natureza do SAFE, já que, como visto, na lógica norte-americana ele não é nem dívida, nem equity. Do ponto de vista contratual, nada impediria a criação de um contrato com caraterísticas similares ao SAFE, mas a incerteza quanto ao seu enquadramento – com os reflexos contábeis e tributários daí advindos – faz com que não seja recomendável a utilização do modelo da YC simplesmente “traduzido” ao Brasil.

Participação societária (equity)

Quando a startup vai bem em sua jornada de crescimento, passa a atrair a atenção de investidores institucionais (gestoras de venture capital, ou, simplesmente “VCs”). 

Eles se posicionam em estágios em que há maiores condições de se realizar uma rodada precificada na startup (priced round), em que se define um valuation e, com base nele, o investidor investe diretamente em participação acionária (equity) da startup, normalmente disparando o gatilho de conversão de todos os investidores iniciais que investiram anteriormente via dívida conversível.

Nessa fase, o contrato típico de investimento em equity é o acordo de investimento. Por meio dele, estabelecem-se as regras que regularão a emissão das novas ações que serão subscritas e integralizadas pelo investidor, sendo os recursos do investimento destinados à sociedade para o desenvolvimento do seu plano de negócios. 

Como o investidor se torna acionista da startup, faz-se necessária, ainda, a celebração de um acordo de acionistas, destinado a regular os direitos e deveres dos empreendedores e investidores como acionistas da startup, incluindo questões como governança corporativa, regulação de direito de voto, regime de transferência de ações, direitos de informação, obrigações de não concorrência e não aliciamento, dentre outros.

Nos próximos artigos, aprofundaremos a análise dos termos contratuais típicos do acordo de investimento e do acordo de acionistas em rodadas de investimento de VC. 

Até lá!